CARTA DA 51ª ASSEMBLEIA ORDINÁRIA DA CESE

Quilombo Quingoma: Território de Saberes, Fazeres e Resistências

TITULAÇÃO JÁ!

“Bem-aventuradas as pessoas que têm fome e sede de justiça, porque elas serão saciadas” Mateus 5:6.

Reunida em Assembleia nos dias 11 e 12 de junho de 2024, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE, juntamente com suas igrejas associadas, parceiros/as de organizações ecumênicas baseadas na fé, movimentos populares e entidades de defesa de direitos, vêm a púbico expressar nossa solidariedade junto à luta e trajetória de resistência do Quilombo Quingoma, localizado no município de Lauro de Freitas, Região Metropolitana de Salvador (RMS)/BA.

O Quingoma, que é datado como um dos quilombos mais antigos do Brasil, com suas atividades registradas desde o século XVI, atualmente tem cerca de 650 famílias vivendo no território, cuja certificação foi publicada em 2013 pela Fundação Cultural Palmares, mas ainda não possui a titulação de suas terras.

O quilombo do Quingoma – que recebeu o reconhecimento de território Iorubá no Brasil pelo rei da Nigéria, Ooni Ilê Ifé, e que traz na sua história um modo de saber e fazer a partir da ancestralidade do convívio com a terra, as águas e as matas –  está inserido justamente em uma área que vem sofrendo com a expansão metropolitana, associado a forte pressão da especulação imobiliária e do racismo ambiental.

Ao pedirmos licença para estar na comunidade, percebemos os efeitos causados pelo modelo predatório do meio ambiente desenvolvido pelos grandes empreendimentos instalados na região, reforçado sobretudo pelo papel das instâncias governamentais (municipal, estadual e federal), por meio das ausências e morosidade das políticas públicas que assegurem a proteção e regularização daquele território tradicional.

O racismo ambiental segue fortemente relacionado a esse cenário, se expressando como mais um mecanismo que reforça as desigualdades na sociedade, revelando como o quilombo é sobrecarregado pelos diversos danos socioambientais ali gerados. Podemos citar a perda de espaços produtivos, desmatamento, destruição de cursos d’água e outros. Somados a essas violações, são constantes os ataques e ameaças direcionados às lideranças comunitárias, majoritariamente femininas, que trazem em sua trajetória a luta pelos direitos coletivos, as denúncias dos inúmeros conflitos presentes, inclusive o racismo religioso.

Mas é nesse Territórios de Saberes, Fazeres e Resistências, que notamos também o esperançar e força ancestral na defesa de seus direitos, a perspectiva geracional para o fortalecimento comunitário e sobretudo o papel potente das mulheres negras frente a essas lutas.

Destacamos que o território quilombola se constitui como espaço de partilhas, de construção de identidade, pertencimento e ancestralidade. Trata-se de um território em que formas de convivência e modos de vida existem e resistem em respeito aos bens naturais e as experiências da comunidade quilombola o anunciam como espaço educador em que se celebra a cultura, as religiosidades e o sagrado como patrimônio.

No Quingoma, a mobilização comunitária é vivida como fruto do trabalho de base, onde é valorizada a importância da solidariedade e articulação em rede como proteção territorial, mas sobretudo como fortalecimento da questão central que é a luta pelo direito à terra-território. Titulação Já!

Diante dessa vivência, como pessoas cristãs, somos chamadas a agir profeticamente denunciando o alinhamento entre os fundamentalismos políticos e religiosos que seguem promovendo – através de práticas proselitistas – o racismo religioso e ambiental e fortalecendo o patriarcado que, de muitos modos, violenta a vida das mulheres quilombolas, principalmente em suas lutas pelo direito de ser e existir a partir de seus territórios.

Ao fazermos estas denúncias, firmamos o compromisso de amplificar as vozes que ecoam desde a comunidade do Quilombo Quingoma na Bahia para toda sociedade, onde quer que estejamos.

Neste momento, nosso testemunho comprometido nos impõe um posicionamento firme para que os poderes públicos garantam a regularização fundiária para titulação do Quilombo Quingoma, proteção às lideranças ameaçadas e encaminhamento das denúncias referentes aos impactos socioambientais registradas junto aos órgãos de responsabilidade, considerando inclusive a realidade de povos e comunidades tradicionais. Também apelamos o apoio das comunidades religiosas para se somarem nessa luta. Vale mencionar que a Bahia é o estado com o maior número de comunidades quilombolas no Brasil e não podemos admitir uma realidade marcada por vulnerabilidades, conflitos territoriais e diversas violações de direitos.

Que a Divina Ruah continue fortalecendo nossa fé, soprando sobre nós ventos de coragem e sabedoria para seguirmos lutando ao lado das pessoas mais vulneráveis, cumprindo o compromisso de amar a pessoa próxima como a nós mesmas.

51ª Assembleia Geral Ordinária da Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE

Salvador -BA, 12 de junho de 2024.