Comunidades ribeirinhas lutam contra implantação de hidrelétrica no oeste baiano

As comunidades ribeirinhas do Rio Grande, no Oeste baiano, lutam para ter sua tradicionalidade reconhecida e preservação dos rios

As águas da Bacia do Rio Grande mudaram. As comunidades notaram que o rio já não sobe mais com a mesma frequência, perdeu a força e não alcança mais as plantações de feijão dos pequenos agricultores do Oeste Baiano. Um dos fatores cruciais dessa mudança é a proliferação de pequenas centrais hidroelétricas instaladas na região, que altera diretamente os recursos hídricos e a vida das comunidades que dependem dos rios para viver. O grupo das Comunidades Ribeirinhas do Rio Grande Ameaçadas pela PCH Santa Luzia buscou apoio da CESE para desenvolver um projeto de fortalecimento e assessoria jurídica para reivindicar seus direitos de tradicionalidade.

As comunidades ribeirinhas da Bacia do Rio Grande lutam para poder conservar seus modos de vida, sua relação com a terra e os rios. O processo de licenciamento para construção da Pequena Central Hidroelétrica (PCH) de Santa Luzia foi conduzido pelo INEMA – Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos sem escuta da população que será diretamente afetada pelas obras e pelos impactos gerados. Reconhecidas pela Secretaria pela Promoção da Igualdade Racial, as comunidades ribeirinhas nas proximidades de São Desidério foram reconhecidas como tradicionais, o que exigiria maio respeito aos seus modos de vida.

“A Bacia do Rio Grande é uma área visada pelas pequenas hidrelétricas, sendo um problema para as comunidades ribeirinhas. Tem havido certo assédio para as comunidades, oferecem valores pelas terras e o licenciamento das obras tem sido feito sem o envolvimento dessas pessoas, que só descobrem que tudo vai mudar quando o empreendimento já está sendo instalado” explica Amanda Silva, agente de desenvolvimento da ONG Agência 10Envolvimento.

De acordo com Amanda, o que tem ocorrido na região é que as empresas compram uma área para instalação da hidrelétrica e depois obrigam os posseiros das áreas afetadas a venderem suas terras. “O PCH Santa Luzia deflagrou a situação da obrigação da venda das terras pelos posseiros e o licenciamento foi feito sem o cuidado com a comunidade”, acrescenta a agente, que explica que na situação atual a licença continua ativa, as obras de implantação da hidrelétrica estão em curso, bem como já ocorre também desmatamento da região. Foi aberto inquérito civil público no Ministério Público Estadual e iniciado um diálogo com a Defensória Pública, que já está ouvindo a comunidade ribeirinha.

Racismo Ambiental

Com o apoio da CESE através de seu Programa de Pequenos Projetos, o Grupo pôde contar por alguns meses com assessoria jurídica, que deu os passos necessários para reivindicação dos direitos territoriais e ambientais e ainda do reconhecimento da tradicionalidade de seus modos de vida. Também durante os meses de outubro e novembro de 2021, o grupo gerou mobilização para denunciar as violações dos direitos das comunidades e ressaltar os aspectos de racismo ambiental, expressados no modo como o licenciamento ambiental foi feito, ignorando a população local, que vive de modo tradicional.

O projeto tornou possível a realização de reuniões virtuais e presenciais de articulação de lideranças das comunidades (prioritariamente mulheres e jovens) para fortalecer a mobilização de mais pessoas e apoio para a defesa do território, bem como a confecção de peças de comunicação denunciando as violações de direitos pela empresa, o Racismo Ambiental aplicado pelo INEMA e o impacto do conflito na vida das mulheres. Também foi promovido ato em defesa do Rio Grande e contra a instalação da PCH Santa Luzia no Território das comunidades, além de oficina de assessoria jurídica popular com lideranças (maioria mulheres) das comunidades diretamente impactadas pela PCH Santa Luzia e o acompanhamento dos processos administrativos e burocráticos relacionados à reivindicação dos direitos das comunidades.

“O Racismo Ambiental se expressou no modo como o Estado atua com a população negra de pescadores, quebradeiras de coco, população de fundo e fecho de pasto. O licenciamento feito pelo INEMA desconsiderou as questões que afetam as comunidades ribeirinhas, desconsiderou os modos de vida daquela população instalada. O Estado prioriza o empreendedor, que usufruirá das águas, da riqueza, desarticula a comunidade, que perde tudo, inclusive o próprio acesso à água” afirma Amanda. Ela acrescenta que mesmo com a pressão popular, o INEMA não corrige os erros do processo de licenciamento e não reconhece os direitos daquela população, que já tem uma presença secular no território.

Moradora da Comunidade Sítio de Cima, no município de São Desidério, Sueli Pereira dos Santos cresceu junto ao rio, assim como seus pais, seus avós. Gerações da família que viveram e vivem em harmonia com o rio, seja da pesca, do cultivo e que sofrem com as mudanças em curso. “A gente tenta defender o rio da melhor forma possível. Nós vivemos do rio. Nós, ribeirinhos/as, não sabemos viver sem as águas do rio. Nossa luta é para evitar seu desvio, para evitar que a Comunidade Beira Rio fique apenas com 20% do acesso às águas. A gente sabe que há outras formas renováveis de geração de energia, que podem ser adotadas sem precisar matar o rio” afirma a ribeirinha.

“Meus avós adoeceram ao ver a obra começando. Quando eles pensam em viver sem ouvir o som da cachoeira, sem a brisa que vem do rio, seu cheiro, sem seus alimentos. É uma dor que não sei descrever” desabafa Sueli. Segundo ela, o apoio da Agência 10Envolvimento e da CESE permitiu ao grupo ter as condições necessárias para luta. Segundo Amanda Silva, o projeto apoiado pela CESE contribuiu diretamente para a mobilização, bem como tornou possível a assessoria jurídica, que permitiu o acionamento da Defensoria para proteger os direitos da comunidade.

“A CESE é uma importante parceira das comunidades ribeirinhas no país, porque ela se aproxima para conhecer os problemas das comunidades e se coloca para contribuir com o fortalecimento para lutar e para que possamos realizar bem nossa missão” conclui a agente. A expectativa é que a justiça, em suas diferentes instâncias, possa considerar e garantir a proteção dos direitos dos povos tradicionais, seus modos de vida e a preservação das águas.