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Com foco no combate ao avanço dos fundamentalismos e racismos religiosos na região da Amazônia brasileira, o Fórum Ecumênico ACT Brasil (FEACT), sob a coordenação da CESE e da FLD- COMIN-CAPA, realizou em Porto Velho (RO) a segunda edição do Tapiri Ecumênico e Inter-religioso, nos dias 30 e 31 de março. A iniciativa tem o duplo objetivo de visibilizar, como forma de denúncia, os danos causados pelos fundamentalismos na vida dos povos da Amazônia brasileira, além de fortalecer as relações ecumênicas e inter-religiosas como estratégia de combate a esses avanços.
O Tapiri foi realizado pela primeira vez durante o X Fórum Social Pan-amazônico (FOSPA), em Belém (PA). Ele foi uma ação pensada e construída conjuntamente por movimentos sociais e organizações baseadas na fé e teve apoio da Fundação Ford e de Pão Para o Mundo.
A programação da sua segunda edição contou com duas mesas nas quais foram discutidos como os fundamentalismos e racismos religiosos têm afetado as vidas dos povos indígenas, de terreiro, das comunidades tradicionais, das mulheres, das juventudes e das populações LGBTQIAPN+, além de uma terceira mesa sobre os impactos das mudanças climáticas na vida dos povos da Amazônia brasileira.
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Outro momento da programação do Tapiri envolveu a participação do grupo no “Seminário Sobre o Dia Nacional das Raízes de Matrizes Africanas e Nações de Candomblé”, uma iniciativa da Comissão de Equidade de Gênero, Raça e Diversidade em parceria com a Escola Superior do Ministério Público do Estado de Rondônia (ESMPRO) e acontece no auditório do edifício sede do MPRO.
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A diretora executiva da CESE, Sônia Mota, fez uma fala durante o Seminário destacando a felicidade dos dois eventos convergirem em objetivos e também em temporalidade. “Decidimos participar também desse momento no Ministério Público porque vemos nele uma oportunidade para que o órgão possa ouvir o relato direto das pessoas que são as maiores vítimas desse movimento conservador”.
Contexto rondoniense
Rondônia foi o segundo estado brasileiro com maior índice de feminicídios em 2022, de acordo com o Monitor da Violência elaborado pelo G1 e pelo Núcleo de Estudos da Violência da USP (NEV-USP). Geralmente associado a discussões sobre segurança pública, existe outro fator determinante para o agravamento da violência contra a mulher no estado que não tem tido a mesma atenção: o fundamentalismo religioso.
A reverenda Elineide Oliveira, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) e uma das participantes do Tapiri Rondônia, coordena uma instituição que acolhe mulheres sob medida protetiva e em situação de ameaça, em uma cidade do estado. Ao receber essas mulheres, o órgão busca traçar um perfil das vítimas para auxiliá-las da forma mais completa possível.
Mas existe uma característica que todas as mulheres que passaram pela organização desde a sua fundação em 2011 têm em comum: nunca uma delas se autodenominou sem credo. “A maioria é cristã. Posso dizer que cerca de 75% – ou mais – são de igrejas neopentecostais”. Segundo a reverenda, esses são os casos mais difíceis de lidar porque também é preciso encarar a limitação do Deus punitivo que foi imposto a elas.
“Quando questionamos se elas buscaram ajuda de seus pastores ou pastoras, elas dizem que foi a primeira pessoa a quem procuraram, e que foram orientadas a orar mais, que dobrem seus joelhos, questionadas se estão fazendo a comida do jeito que seus maridos gostam ou se não estão indo pouco à igreja. Existe essa complexidade desse Deus que diz que elas precisam ser submissas ao ponto de se manterem nessa situação” relata.
Rondônia tem um perfil histórico de tom conservador e as eleições de 2022 mais uma vez reafirmaram isso. Foi assim com o governador do estado, com seus três senadores, os oito deputados federais e a maioria absoluta dos/as 24 deputados/as estaduais eleitos/as. Mas a camada de violência que essa ala ganhou nos últimos quatro anos resultou também no crescimento dos fundamentalismos e racismos religiosos por lá.
Em fevereiro de 2023, a Assembleia Legislativa do estado aprovou a realização de missas e cultos evangélicos como ato de abertura de suas sessões às segundas-feiras. No último dia 13 de março, aconteceu a primeira celebração e desde então o fato vem se repetindo dentro do que deveria ser um órgão laico, a Casa do Povo. Manifestações do Candomblé ou Umbanda, por exemplo, ficaram de fora do texto do requerimento apresentado.
O Tapiri Rondônia
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Mãe Nilda de Oxum, da Federação de Cultos a Umbanda e Ameríndios do Estado de RO (FECUARON) e integrante da mesa sobre impacto dos fundamentalismos na vida dos povos de terreiro, destacou a importância de se discutir o racismo religioso que já é cultural em Rondônia, pois este não é um tema tão presente no estado. “São muito tristes os relatos ouvidos aqui. É preciso aprofundar a discussão sobre fundamentalismos religiosos aqui.”
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Falando pela Associação das Guerreiras Indígenas de Rondônia (AGIR), Fabrícia Sabanê ressaltou a importância de se levar a discussão sobre fundamentalismos para dentro das comunidades. “Dificilmente os povos indígenas que estão nas aldeias sabem o que é isso. Temos que trazer esse debate para que nosso povo possa enxergar esse problema e consiga proteger nossa cultura”.
Representante da Via Campesina, Océlio Muniz falou sobre os desafios que o contexto geral do estado já impõe para os movimentos e outros grupos sociais. “Nós já enfrentamos todo tipo de dificuldade aqui, somos criminalizados, a todo tempo ameaçados e, ainda por cima, não conseguimos apoio de quase ninguém. Portanto é extremamente importante a realização desse evento aqui em Rondônia”.
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O evento contou ainda com a presença do jornalista canadense Simon Chambers, diretor de comunicação de ACT Alliance. Ele investiga os impactos dos fundamentalismos religiosos na vida de povos e comunidades tradicionais da América Latina há mais de uma década e participou do encontro para entender as particularidades desta problemática no Brasil e colher elementos para fortalecer o trabalho de ACT neste ponto.
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Em sua fala final, Sônia Mota afirmou que existe uma aliança fundamentalista que prega o “Deus dinheiro” e é contra ela que nós lutamos. “Nós saímos daqui fortalecidos com tanta resistência nesse chão. De um povo que disse não a um projeto de morte. Quando fazemos um Tapiri, queremos unir, fortalecer redes de enfrentamento. Porque em Rede, a gente consegue ir além. Esse é o nosso objetivo”.
Atualmente, o Tapiri Ecumênico e Inter-religioso está focado no norte do Brasil e já passou por Rondônia e Pará. O plano para este projeto é que ele chegue outros estados da Amazônia brasileira.