Presídios sem polícia, uma utopia real no Brasil
24 de julho de 2018“Não tente fugir, Beto”, disse um companheiro assim que ele chegou. “Não quero fugir.” Beto Carvalho negou, mas a verdade é que desde que pôs o pé na nova prisão, um centro APAC, não parou de calcular se poderia pular para o outro lado. Parecia fácil, sem guardas armados para impedi-lo. Mas havia algo que não se encaixava: seus companheiros não queriam fugir da prisão.
As prisões do Brasil costumam ser notícia por sua violência brutal. As mutilações no presídio de Manaus que vieram à luz em janeiro de 2017 são mais um exemplo da situação desumana que se estende pelo sistema prisional do país. Um relatório do Conselho de Direitos humanos da ONU em 2016 denunciava que a ocupação dos presídios está 265% acima da capacidade, com 40% dos detentos ainda à espera de julgamento.
Em meio a esse panorama asfixiante surge a APAC (Associação para a Proteção e Assistência aos Condenados), que defende um modelo de prisão sem policiais, armas nem motins, onde os detentos não usam uniforme. Têm uma cama individual e comida digna. E o número de ocupantes não passa de 200 por centro. Esses lugares promovem sua recuperação como seres humanos e como cidadãos construtivos na sociedade. Tanto é assim que não se referem a eles como detentos, mas como recuperandos.
Essa revolução começou com um grupo de voluntários cristãos que tentava, nos anos 1970, acompanhar os detentos em seu tempo livre. Sua capacidade de relacionar-se com eles levou, poucos anos depois, ao pedido para administrar um pavilhão penitenciário. Hoje existem 50 centros APAC no Brasil que integram o sistema prisional público através de um convênio administrativo que custa um terço do que o Estado paga por um detento comum: 3.000 reais frente a 950 reais. Uma vez fora, a taxa de reincidência dos presos que passam pelo sistema comum é de 85%, contra 15% no caso da APAC. O método já inspira iniciativas similares em outros países da América Latina.
Depois da matança em Manaus, o governador do Amazonas se esquivou de responsabilidades afirmando que “não havia nenhum santo entre as vítimas” do motim. Os 56 mortos, muitos mutilados, “eram todos assassinos e estupradores”. Na entrada dos centros APAC, entretanto, está escrito: “Aqui entra o homem, o crime fica de fora”. Os horários restritos e a disciplina estão presentes, mas os recuperandos têm muita responsabilidade na gestão.
Nem todos podem ser transferidos para um centro APAC. O detento pede a transferência e o juiz decide, mas os principais critérios não são a gravidade do crime ou os anos da pena. A condenação deve ser definitiva e a família deve morar na mesma região do centro solicitado. Na primeira visita de sua mãe, Beto Carvalho se surpreendeu ao vê-la entrar de cabeça erguida em vez de cabisbaixa como no presídio anterior. Desta vez não tinha sido humilhada no registro. Beto não fugiu. Cumpriu a pena, preparou-se para trabalhar e hoje se dedica à paixão que encontrou dentro da prisão: é gerente da Fraternidade Brasileira da Assistência aos Condenados (FBAC), a entidade que agrupa os centros APAC. Em abril contou sua experiência em Madri, junto com Valdeci Antonio Ferreira, diretor da FBAC, no EncuentroMadrid organizado pela ONG Cesal e pela prefeitura da capital espanhola.
Fonte: El País
VEJA O
QUE FALAM
SOBRE NÓS
Comecei a aproximação com a organização pelo interesse em aprender com fundo de pequenos projetos. Sempre tivemos na CESE uma referência importante de uma instituição que estava à frente, na vanguarda, fazendo esse tipo de apoio com os grupos, desde antes de outras iniciativas existirem. E depois tive oportunidade de participar de outras ações para discutir o cenário político e também sobre as prioridades no campo socioambiental. Sempre foi uma troca muito forte.
A família CESE também faz parte do movimento indígena. Compartilhamos das mesmas dores e alegrias, mas principalmente de uma mesma missão. É por um causa que estamos aqui. Fico muito feliz de poder compartilhar dessa emoção de conhecer essa equipe. Que venham mais 50 anos, mais pessoas comprometidas com esse espírito de igualdade, amor e fraternidade.
Eu preciso de recursos para fazer a luta. Somos descendentes de grupos muito criativos, africanos e indígenas. Somos na maioria compostos por mulheres. E a formação em Mobilização de Recursos promovida pela CESE acaba nos dando autonomia, se assim compartilharmos dentro do nosso território.
A gente tem uma associação do meu povo, Karipuna, na Terra Indígena Uaçá. Por muito tempo a nossa organização ficou inadimplente, sem poder atuar com nosso povo. Mas, conseguimos acessar o recurso da CESE para fortalecer organização indígena e estruturar a associação e reorganizá-la. Hoje orgulhosamente e muito emocionada digo que fazemos a Assembleia do Povo Karipuna realizada por nós indígenas, gerindo nosso próprio recurso. Atualmente temos uma diretoria toda indígena, conseguimos captar recursos e acessar outros projetos. E isso tudo só foi possível por causa da parceria com a CESE.
A CESE foi criada no ano mais violento da Ditadura Militar, quando se institucionalizou a tortura, se intensificaram as prisões arbitrárias, os assassinatos e os desaparecimentos de presos políticos. As igrejas tiveram a coragem de se reunir e criar uma instituição que pudesse ser um testemunho vivo da fé cristã no serviço ao povo brasileiro. Fico muito feliz que a CESE chegue aos 50 anos aperfeiçoando a sua maturidade.
Celebrar os 50 anos da CESE é reconhecer uma caminhada cristã dedicada a defesa dos direitos humanos em todas as suas dimensões, comprometida com os segmentos mais vulnerabilizados da população brasileira. E valorizar cada conquista alcançada em cada luta travada na busca da justiça, do direito e da paz. Fazer parte dessa caminhada é um privilégio e motivo de grande alegria poder mais uma vez nos regozijar: “Grande coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres!” (Salmo 126.3)
A relação de cooperação entre a CESE e Movimento Pesqueiro é de longa data. O apoio político e financeiro torna possível chegarmos em várias comunidades pesqueiras no Brasil para que a gente se articule, faça formação política e nos organize enquanto movimento popular. Temos uma parceria de diálogos construtivos, compreensível, e queremos cada vez mais que a CESE caminhe junto conosco.
A CESE completa 50 anos de testemunho de fé ativa no amor, faz jus ao seu nome. Desde o início, se colocou em defesa dos direitos humanos, denunciou atos de violência e de tortura, participou da discussão de grandes temas nacionais, apoiou movimentos sociais de libertação. Parabéns pela atuação profética, em prol da unidade e da cidadania. Que Deus continue a fazer da CESE uma benção para muitos.
A luta antirracista é o grande mote das nossas ações que tem um dos principais objetivos o enfrentamento ao racismo religioso e a violência, que tem sido crescente no estado do Maranhão. Por tanto, a parceria com a CESE nos proporciona a construção de estratégias políticas e de ações em redes, nos apoia na articulação com parcerias que de fato promovam incidência nas políticas públicas, proposições institucionais de enfrentamento a esse racismo religioso que tem gerado muita violência. A CESE nos desafia na superação do racismo institucional, como o grande vetor de inviabilização e da violência contra as religiões de matrizes africanas.
Viva os 50 anos da CESE. Viva o ecumenismo que a organização traz para frente e esse diálogo intereclesial. É um momento muito especial porque a CESE defende direitos e traz o sujeito para maior visibilidade.