Comunicação estratégicaDiálogo e articulação com movimentos sociais
MULHERES DO CERRADO DIALOGAM SOBRE CLIMA, TERRITÓRIO E SISTEMAS ALIMENTARES
04 de agosto de 2025
Organizado pela CESE e Articulação de Mulheres do Cerrado, a roda intitulada “Mulheres do Cerrado no Diálogo sobre Clima e Sistemas Alimentares”, contou com a fala de lideranças indígenas, quilombolas, assentadas, de fundo e fecho de pasto, pescadoras e das periferias.
”Não há justiça climática sem justiça territorial”
O momento foi marcado pela denúncia ao agravante dos agrotóxicos nos territórios e do debate sobre o Cerrado não só estar presente na COP 30, junto a Cúpula dos Povos, mas ir além, cobrando sobre ações concretas para demarcar os territórios. Aliado a isso, a roda reforçou a importância de pensar sistemas agroalimentares e o racismo ambiental enquanto pautas que afetam as mulheres do Cerrado e seus modos de vida. Mesmo estas não estando nos espaços de decisão, são elas as primeiras a serem afetadas pelas mudanças climáticas.
Juvana Xakriabá
“Escutar as mulheres de povos e comunidades tradicionais não é um favor, é um compromisso político, a nossa presença tem que ser levada a sério. Não queremos ser convidadas pra COP só pra deixar o evento bonito, estamos falando de práticas concretas sobre soluções climáticas”, afirma Juvana Xakriabá. “Quando o Cerrado adoece, eu, enquanto cerradeira, nós adoecemos também. Porque a devastação não é apenas ambiental, ela é ambiental, cultural e espiritual”.
Diante de tantos debates sobre clima, que, muitas vezes, não chegam aos povos e comunidades tradicionais, o cuidado com as armadilhas da linguagem tem sido urgente face às manobras do agronegócio e as desigualdades ambientais.
A pesquisadora Diana Aguiar, da Campanha em Defesa do Cerrado, traz esse alerta ao mencionar o autoritarismo das emergências climáticas que propõem, a todo custo, as chamadas “soluções climáticas”, sacrificando as comunidades e seus saberes em nome de um bem maior. Como exemplo, Diana cita o discurso da ‘soja irrigada que emite menos carbono’, como sendo menos prejudicial ao meio ambiente, uma mentira das empresas do agronegócio que apaga a real devastação que esse processo continua a provocar.
”Os agrotóxicos são armas de morte contra os territórios”
Um tema recorrente na roda foi a insistência dos agrotóxicos em permear as vidas das mulheres no que tange à destruição dos alimentos, da saúde, provocando a morte dos rios e animais, expulsando os povos de suas terras, afetando, inclusive, as crianças em seus modos de viver o território.
Esse processo, fruto do pacote de destruição do agronegócio, impacta no clima, alterando o solo e as águas, e a possibilidade de acesso à segurança alimentar, sem contaminação. O que obriga as mulheres, como relata Elizete da comunidade de Fundo e Fecho de Pasto (BA), a repensar o modo de produzir comida, a se reprogramar diante da ausência de alimentos, tendo que comprar na cidade, se preocupar em suprir as necessidades nutricionais das crianças e do cuidado com os idosos. Isso ainda acaba gerando problemas de saúde para tais mulheres, como dores de coluna e depressão.
“Somos poucas para tentar salvar os seres vivos que são os alvos dos homens ricos que não se importam com a vida. Os peixes estão contaminados devido às ações do agronegócio e com a chuva cai nas águas. Os agrotóxicos jogados pelos aviões também têm impactado bastante a saúde, irritação da pele, tosses fortes com sangue”, relata Anna Terra Yawalapiti, do território Indígena do Xingu (MT).
”Cerrado em pé é o que nós mulheres queremos”
Ariana Gomes, da Rede de Agroecologia do Maranhão, reforçou o quanto a pauta sobre o clima tem sobrecarregado as mulheres que precisam se desdobrar para estar em vários espaços de debate e criar espaços que contemplem as diferentes problemáticas. E quanto mais se atenua o avanço dos agrotóxicos, mais o processo de criminalização e intimidação dos movimentos tem ocorrido como forma de tentar invalidar o que vem dos territórios.
“O Cerrado é o primeiro bioma a ser destruído devido aos impactos das grandes empresas, os incêndios e a morte de animais. Dependemos das plantas medicinais e frutas. Esse ano não conseguimos fazer a coleta, que acontece por época. E quando queima ficamos sem. Impactando em nossos alimentos. O alimento que vem da floresta também é uma medicina, mantém a nossa saúde”, disse Anna Terra Yawalapiti, do território Indígena do Xingu (MT).
“A luta vem de nossos úteros. O que estamos fazendo aqui é parir dores, vivências”
A crise climática é um acúmulo de várias outras crises, de forma que seus efeitos não são sentidos da mesma forma por todas as pessoas e quem causa não é devidamente responsabilizado.
Muito antes dos debates sobre justiça climática ganharem a dimensão atual, os povos e comunidades tradicionais, especialmente as mulheres, já estavam trabalhando com a medicina da terra e as sementes crioulas, realizando ações efetivas para manter a sociobiodiversidade de pé. Por isso, na roda, as mulheres ainda expressaram o quanto são ausentes políticas efetivas para os territórios, mesmo diante de um governo que dialoga, mas não chama para a construção, para a demarcação de terras.
Joice Silva, Educadora popular e dirigente nacional do MST (TO), ao ressaltar a reforma agrária como urgente contra as violações de direitos, ainda lembra da importância do sagrado como caminho na luta pela vida: “Se não fosse a minha fé em tempos difíceis! Para nos proteger e o nosso grito para ecoar para além das violências. Não dá para falar de justiça climática sem falar no quanto isso dói na gente”.
Arilene Martins, da Coletiva Pretas de Angola (GO),
A comida de verdade, que produz vida, que alimenta nossas famílias e comunidades, tem sido afetada pelo avanço de mudanças climáticas, que não ocorrem naturalmente, mas são provocadas por um sistema patriarcal e racista do agronegócio que insiste em eliminar as mulheres e seus saberes. Como pontua Arilene Martins, da Coletiva Pretas de Angola (GO), “Goiás é um estado dominado pelo agronegócio, mas temos pessoas que produzem. A fome em nosso país nunca foi devido ao grande número populacional. Dificilmente uma pequena produtora conseguirá disputar com os grandes varejistas”. E quem mais produz e está nas feiras, são as mulheres, que buscam subsistência para suas casas, estão atentas ao tempo da terra e suas mudanças. Mas isso precisa de recursos, principalmente, para o escoamento das produções.
Na conexão entre campo e cidade, a luta que vem enraizada nas experiências das mulheres consegue encontrar formas de mobilizar a vida nos territórios. Mesmo diante das violências que recaem sobre seus corpos, é preciso, além de denunciar, reconhecer as suas forças.
As Mulheres do Cerrado, que mantêm o Cerrado de pé e vivo, chegam para fortalecer a continuidade de suas tecnologias ancestrais de autonomia e exigir respostas do poder público para que barre a PL da Devastação, que se apresenta como mais uma ameaça aos povos e territórios tradicionais.
“Apesar de todo esse cenário existe a gente que está fazendo. Quando se soma às muitas que estão fazendo, faz muita diferença. Quando se junta, mesmo para chorar, a gente ainda passa forças umas pras outras. Esse espaço aqui é para esperançar e se renovar”, finaliza Elizete.
ESSA LUTA NÃO É FÁCIL, MAS VAI TER QUE ACONTECER. AS MULHERES ORGANIZADAS TEM QUE CHEGAR AO PODER!
Eu acho extraordinário o trabalho da CESE, porque ela inaugurou outro tipo de ecumenismo. Não é algo que as igrejas discutem entre si, falam sobre suas doutrinas e chegam a uma convergência. A CESE faz um ecumenismo de serviço que é ecumenismo de missão, para servir aos pobres, servir seus direitos.
Eu preciso de recursos para fazer a luta. Somos descendentes de grupos muito criativos, africanos e indígenas. Somos na maioria compostos por mulheres. E a formação em Mobilização de Recursos promovida pela CESE acaba nos dando autonomia, se assim compartilharmos dentro do nosso território.
A luta antirracista é o grande mote das nossas ações que tem um dos principais objetivos o enfrentamento ao racismo religioso e a violência, que tem sido crescente no estado do Maranhão. Por tanto, a parceria com a CESE nos proporciona a construção de estratégias políticas e de ações em redes, nos apoia na articulação com parcerias que de fato promovam incidência nas políticas públicas, proposições institucionais de enfrentamento a esse racismo religioso que tem gerado muita violência. A CESE nos desafia na superação do racismo institucional, como o grande vetor de inviabilização e da violência contra as religiões de matrizes africanas.
Parabéns à CESE pela resistência, pela forte ancestralidade, pelo fortalecimento e proteção aos povos quilombolas. Onde a política pública não chega, a CESE chega para amenizar os impactos e viabilizar a permanência das pessoas, das comunidades. Que isso seja cada vez mais potente, mais presente e que a gente encontre, junto à CESE, cada vez mais motivos para resistir e esperançar.
Celebrar os 50 anos da CESE é reconhecer uma caminhada cristã dedicada a defesa dos direitos humanos em todas as suas dimensões, comprometida com os segmentos mais vulnerabilizados da população brasileira. E valorizar cada conquista alcançada em cada luta travada na busca da justiça, do direito e da paz. Fazer parte dessa caminhada é um privilégio e motivo de grande alegria poder mais uma vez nos regozijar: “Grande coisas fez o Senhor por nós, e por isso estamos alegres!” (Salmo 126.3)
Nós, do SOS Corpo, mantemos com a CESE uma parceria de longa data. Temos objetivos muito próximos, queremos fortalecer os movimentos sociais porque acreditamos que eles são sujeitos políticos de transformação. Seguiremos juntas. Um grande salve aos 50 anos. Longa vida à CESE
Viva os 50 anos da CESE. Viva o ecumenismo que a organização traz para frente e esse diálogo intereclesial. É um momento muito especial porque a CESE defende direitos e traz o sujeito para maior visibilidade.
Conheço a CESE desde 1990, através da Federação de Órgãos para Assistência Social (FASE) no apoio a grupos de juventude e de mulheres. Nesse sentido, foi uma organização absolutamente importante. E hoje, na função de diretor do Programa País da Heks no Brasil, poder apoiar os projetos da CESE é uma satisfação muito grande e um investimento que tenho certeza que é um dos melhores.
Minha história com a CESE poderia ser traduzida em uma palavra: COMUNHÃO! A CESE é uma Família. Repito: uma Família! Nos dois mandatos que estive como presidente da CESE pude experimentar a vivência fraterna e gostosa de uma equipe tão diversificada em saberes, experiências de fé, histórias de vida, e tão unida pela harmonia criada pelo Espírito de Deus e pelo único desejo de SERVIR aos mais pobres e vulneráveis na conquista e defesa dos seus direitos fundamentais. Louvado seja Deus pelos 50 anos de COMUNHÃO e SERVIÇO da CESE! Gratidão por tudo e para sempre!
Quero muito agradecer pela parceria, pelo seu histórico de luta com os povos indígenas. Durante todo o tempo que fui coordenadora executiva da APIB e representante da COIAB e da Amazônia brasileira, nós tivemos o apoio da CESE para realizar nossas manifestações, nosso Acampamento Terra Livre, para as assembleias locais e regionais. Tudo isso foi muito importante para fortalecer o nosso protagonismo e movimento indígena do Brasil. Deixo meus parabéns pelos 50 anos e seguimos em luta.