Em parceria com diversas organizações, CESE realiza oficina e intercâmbio na Terra Indígena Apinajé

As queimadas criminosas, a seca dos rios, morte das plantações, as mulheres sofrendo mais os impactos dos agrotóxicos e das mudanças climáticas. Todos esses foram aspectos relatados por diferentes das representações que participaram da oficina “Intercâmbio Povos do Cerrado”, realizado pela CESE em parceria com a Articulação Agro é Fogo, APA-TO, MST-TO e PEMPXÀ – Associação União das Aldeias Apinajé.

O encontro aconteceu em Araguatins (TO), entre os dias 11 e 13 de julho, e teve por objetivo promover um espaço de reflexão política sobre os impactos das mudanças climáticas, sobre direitos territoriais e a importância de iniciativas produtivas nos territórios do Cerrado, em especial, do MATOPIBA;  além de refletir sobre as resistências e lutas pela garantia de direitos de mulheres, população negra e indígenas e das comunidades nos referidos territórios, e sobre o enfrentamento aos incêndios criminosos.

Com a presença de povos indígenas, comunidades tradicionais, quilombolas, camponesas e camponeses do Cerrado e da Amazônia, três dias do encontro foram marcados por momentos para compartilhar saberes e fazeres, dialogar sobre os problemas que assolam a região e vidas daquelas pessoas, e articular redes para enfrentar os projetos de morte do ciclo do agronegócio, queimadas criminosas e desmatamento que interferem nas mudanças climáticas a nível global.

Na oportunidade, o grupo se deslocou até a Aldeia Cocalinho, na Terra Indígena Apinajé, e vivenciou um dia de muita troca, pé no chão conhecendo as belezas do Cerrado e ouvindo a sabedoria das lideranças.

O fogo é um elemento central da vivência dos Apinajé. A queima tradicional é um conhecimento e experiência desenvolvida a partir da coexistência e relacionamento direto dos povos indígenas, quilombolas e populações tradicionais com o Cerrado no decorrer dos séculos. É a forma de utilizar o próprio fogo para prevenir os grandes incêndios. A técnica consiste em queimar parte das folhas, gramíneas, galhos, cipós e troncos secos no período antes da estiagem e período seco e extremamente crítico.

A queima tradicional não representa nenhuma ameaça às florestas, nascentes ou matas ciliares, pois no período em que são realizadas essas áreas ainda encontram-se encharcados e úmidos. Nestas circunstancias o fogo avança até certos limites e logo se apaga por conta própria, pois não encontra condições para avançar floresta a dentro. E nos campos abertos os pequizeiros, cajueiros, bacurizeiros e outras plantas frutíferas do Cerrado não sofrem nenhum dano nas floradas que inicia se nesse mesmo período.

Os Apinajé também lidam com as queimadas naturais – que acontecem em períodos mais secos, de ventos fortes e acúmulo de materiais no interior das matas ciliares, um cenário que pode fazer com que focos de incêndio saiam de controle com maior frequência.

Mas dentro de todo esse espectro também existem as queimadas criminosas, executadas pelo agronegócio, com interesse de desmatar, invadir e implantar cultivos de soja nessas regiões. Nas áreas do Matopiba, essas têm sido violências estratégicas e, frequentemente, há tentativas de criminalizar a queima tradicional dos povos e comunidades tradicionais do Cerrado diante dos incêndios causados pelo agro.

As queimadas criminosas aprofundam a gravidade das mudanças climáticas e as mudanças climáticas, por sua vez, aumentam as queimadas naturais.

Para proteger o território, foi criado em 2014 a Brigada Indígena Apinajé, com a finalidade de realizar a prevenção e combate às queimadas criminosas. A maioria dos brigadistas são homens, mas mulheres também atuam. São jovens, em média, entre 18 e 25 anos de idade. Eles e elas são treinados e preparados pelo Ibama e junto com os saberes tradicionais realizam os combates ao fogo criminoso e os manejos integrados.

Integrantes da Brigada Indígena Apinajé e mulheres da Brigada Feminina Xerente

Enfrentamento aos incêndios

O fogo também é um elemento central na realidade de participantes da Oficina. A quilombola Silvanei Barros vive em um território disputado, em que frequentemente as pessoas sofrem com esses incêndios criminosos. “Às vezes, não conseguimos controlar. Surge do nada, ninguém sabe de onde vem. No último perdemos três casas, não deu tempo tirar nada. O que estamos orientando é que as pessoas deixem o mais limpo possível nas áreas próximo às casas.”

Marlene Santos, da Articulação Camponesa do Tocantins, traz um relato parecido. “Todo ano a gente sofre com queimada, e são as criminosas. Porque querem mesmo fazer aquela injustiça. É de um lado, do outro. Aquele fumaceiro. Afeta a saúde. Fumaça, Gripe, garganta, febre.” Ela também denuncia os impactos dos agrotóxicos utilizados por fazendeiros nos arredores de sua comunidade.

“O tempo seca, as plantas morrem, não se cura. A gente tá apertado lá, os fazendeiros por perto, todo mundo quer mexer com soja, tem o veneno que eles jogam, o vento traz, mistura tudo. Fumaça, veneno, atinge o mato, as águas, a gente bebe e aí vira uma mistura doida que termina em morte. Eu penso que se aprofundar mais um pouco as pesquisas em nossa região, vão confirmar que o veneno e as queimadas, tudo prejudica”, complementa.

Intercâmbio

A troca de experiências entre os grupos é sempre um momento de riqueza, de muito compartilhamento de sabedoria e inspiração para continuar na luta. Socorro Teixeira, do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB), falou sobre as diversas estratégias de incidência que elas têm adotado em seus estados de atuação e destacou a importância do diálogo.

“Intercâmbio é importante porque eu escuto a sua história, você escuta a minha. Coisas que eu faço, as vezes você ainda não fez. Tanto pra denúncia, quanto pra anunciar, pra questionar, reivindicar, preservar. É assim que a gente aprende. E também, o que é mais importante, pegar na mão do outro. A gente saber que as histórias são juntas. A gente dar as mãos pra buscar os resultados.”

Adenil Ferreira, também da Articulação Camponesa do Tocantins, reforçou a necessidade desses momentos de troca. “É uma forma de se compartilhar o dia a dia do homem do campo, de forma geral. Cada vida é uma história. Cada local tem um problema. Quando a gente se reúne assim, parece que a energia de um passa pro outro. Um encoraja o outro. A gente aprende.”

Com informações da Articulação Agro é Fogo