Na noite da última terça-feira, 24 de setembro, a Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil, o Processo de Articulação e Diálogo (PAD), o S.O.S Corpo, o Movimento Nacional de Direitos Humanos e o Fórum Ecumênico ACT Brasil, que estão em Agenda de Incidência internacional na Europa, realizaram um debate na sede de PPM em Berlim, Alemanha, sobre os impactos da mudanças climáticas em diversos territórios do nosso país, além da validação da demarcação da Terra Indígena Munduruku.
Para relatar alguns dos casos de impactos e violações de direitos humanos, a agenda contou com a participação de representantes dos casos apresentados.
Uine Lopes de Andrade (foto acima), de Ilha de Maré, um dos casos apresentados, relatou que mesmo o território sendo considerado uma Reserva Ecológica Municipal, pertencente à Área de Proteção Ambiental da BTS, o ecossistema da área de influência e do território da Ilha de Maré, assim como seus habitantes, vêm sendo expostos e afetados há décadas pelo avanço de grandes empreendimentos do complexo portuário, industrial, petrolífero e petroquímico, assim como pela correspondente concentração de atividades poluidoras e contaminantes que provocam diversos impactos socioambientais e violações de direitos humanos.
Foi apresentado por Andréia Muniz Lisboa (foto acima), o caso de Taquaril dos Fialhos, comunidade que está localizada no município de Licínio de Almeida, no sudoeste da Bahia, e foi formada há mais de 100 anos. Contando hoje com 31 famílias assentadas num vale com disponibilidade hídrica e terra fértil, tem sua economia baseada na agricultura familiar. As práticas de subsistência e os modos de vida dessa comunidade estão em risco desde que teve início a exploração mineral de ferro e manganês na região. Segundo a representante, o avanço da mineração na comunidade impacta o modo de vida e produção centenária, além de colocar em risco o único recurso hídrico que abastece mais de 4 municípios, o corredor ecológico que faz parte da Serra Geral, área que abriga espécies endêmicas que estão sendo estudadas para patologias diversas como o câncer.
Outro caso apresentado foi o do 4º Distrito (4D), uma região urbana em Porto Alegre (RS), formada por assentamentos/ocupações irregulares em terrenos públicos ou privados. Embora esta área seja gravada legalmente como Área Especial de Interesse Social (AEIS), aguarda a décadas por políticas públicas habitacionais, de regularização fundiária e urbanística. Além da irregularidade fundiária, da insegurança da posse e da carência de serviços públicos essenciais, as milhares de famílias que ocupam esses assentamentos moram em condições habitacionais inadequadas (paredes externas com materiais não duráveis, ausência de banheiro de uso exclusivo, adensamento excessivo de moradores em coabitação), assim como desprovidas de infraestrutura urbana básica (limitado fornecimento de água e energia, falta de acesso às redes de saneamento e falta de drenagem urbana pluvial sustentável).
Ainda no contexto da região sul, Cristiano Muller do Centro de Direitos Econômicos e Sociais(CDES) -(foto acima), que representa o caso do 4D, também apresentou a situação das chuvas intensas no Rio Grande do Sul. Ele relatou os impactos devastadores que atingiram quase 2 milhões de gaúchos com a catástrofe climática no estado e que levou à morte de quase 200 pessoas, revelando o desastre da política climática nacional e estadual. Tal cenário retrata a falta de ações em relação à emergência climática, debatida exaustivamente nas últimas décadas por cientistas e ativistas pelo clima. A exposição dessas violações se ancoram nas informações dispostas no recente relatório produzido pelo CDES.
Em conclusão, a centralidade do debate teve como objetivo chamar atenção sobre o modelo de desenvolvimento dependente da mineração, explorador de bens da natureza, cujos efeitos atingem fortemente os territórios. Também foi destacado, que tais impactos são de responsabilidade de todos os países que tratam o Brasil como colônia para alimentar os projetos de produção de energia “limpa”, de tradição energética, de produção de alimento para animais. A responsabilidade diante da seca na Amazônia, das queimadas, da poluição dos rios e do ar é de todos países que investem recursos em tais projetos.
Para Júlia Esther Castro, secretária executiva do PAD, “a crise climática já se transformou em Emergência Climática. Enquanto estamos nesta agenda internacional, o Brasil está em chamas, e dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE) mostram que, em setembro, o número de focos de incêndio superou o mesmo período do ano passado em cinco dos nossos seis biomas. E isso implica em um 2025 sujeito a uma estiagem sem precedentes nas últimas décadas, colocando em vulnerabilidade, centenas de municípios brasileiros”.
Enéias da Rosa, secretário executivo da Articulação para o Monitoramento dos Direitos Humanos no Brasil avaliou que o espaço aberto para o debate por PPM foi muito importante. “O relato dos casos deixou claro o contexto de desproteção dos direitos humanos no nosso país e a responsabilização do Estado Brasileiro, do setor privado e dos governos que investem em projetos que impactam territórios e o planeta. E precisamos do apoio internacional para o combate às violações e redução das desigualdades”, acrescentou.
Demarcação de terra indígena Munduruku no Pará
Alessandra Korap Munduruku e Cacique Jairo Munduruku (fotos acima) também participaram do debate na sede da PPM, representando o povo Munduruku de Alto e Médio Tapajós/PA. Ambos denunciaram a atuação dos garimpeiros em seus territórios, a violência, a contaminação recorrente e a lentidão no avanço das demarcações das Terras Indígenas Munduruku na região. Também cobraram o Estado Brasileiro para que avance nesta pauta importantíssima, que é a demarcação de Terras Indígenas no Brasil.
Nesse contexto, ontem, 25 de setembro, um dia após o debate, tivemos uma grande vitória no Brasil. Finalmente, o Ministro Lewandowski determinou a demarcação de terra indígena Munduruku no Pará. O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, validou a demarcação da Terra Indígena Sawré Muybu, localizada na bacia do Rio Tapajós, no Pará. A decisão deve encerrar um processo de 17 anos de luta do povo Munduruku pela demarcação, ameaçado pelo avanço da soja, do garimpo ilegal e pela construção da ferrovia Ferrogrão.
A disputa ocorre desde 2007, quando foi solicitado a criação de um grupo técnico para a realização dos estudos de delimitação da área, com a documentação aprovada em 2016. Desde então, os Munduruku aguardam a demarcação, o que motivou protestos durante os últimos 5 anos. Agora, com a decisão de Lewandowski, a conclusão depende da formalização da homologação pela Casa Civil.
Alessandra Munduruku, extremamente emocionada, comentou essa vitória em suas redes sociais. “A gente estava na expectativa da portaria sair, e saiu. Que é essa boa notícia! Estou aqui na Europa, estou em Genebra, mas quando chegar sei que vou estar com eles (parentes) também. Foi uma luta e tanto […] Sempre foi muita pressão, muita luta de dizer que o território era nosso […] Estou muito, muito grata pelas pessoas que acreditam na luta do povo. Muito, muito, muito grata por essa força dessas lideranças, dos caciques e dos pajés”. Confira o vídeo completo aqui.
Texto: Kátia Visentainer (comunicação PAD)
Edição: Manoela Nunes (comunicação AMDH)
Fotos: Douglas Pingituro