Formação de Formadores fortalece ativistas e grupos na luta por direitos humanos no Brasil

As organizações populares no Brasil têm experiências muito significativas de mobilização social e incidência política, mas nem sempre é possível realizar um planejamento mais estruturado destas ações ou refletir coletivamente sobre as estratégias adotadas. Da mesma forma são as ações para arrecadar recursos. São inúmeras as formas e as experiências, muitas sem sistematização e sem a reflexão necessária sobre a sustentabilidade política e financeira.

E se essas iniciativas pudessem ser sistematizadas e novas estratégias pudessem ser ensinadas para fortalecer esse trabalho? Nesse cenário, a CESE vem há dez anos, através do Programa Virando o Jogo, debatendo essas questões com movimentos sociais e se desafiando na realização de formações em incidência política e mobilização de recursos locais como cumprimento da sua missão de fortalecer os grupos.

Com o objetivo de formar uma nova equipe de formadores/as para ministrar os cursos do Virando o Jogo no Brasil, a CESE realizou a “Formação de Formadores” entre os dias 19 a 30 de agosto, em Salvador. Parte da equipe da organização, representantes de grupos populares e consultoras parceiras passaram por duas semanas de formação: a primeira, voltada à mobilização de recursos locais e incidência política; a segunda, direcionada à abordagem de técnicas e estratégias de facilitação e formação.

O curso foi ministrado por Lucyvanda Moura, Viviane Hermida, Ewoud Plate e Marcello Iniarra, formadores/as considerados/as masters nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política nos 16 países e 18 organizações da África, Ásia e América Latina, que compõem o Programa. 

A formação de formadores

Para Lucyvanda Moura, contribuir com a formação de pessoas para levarem adiante os conceitos e experiências de mobilização de recursos locais e incidência política tem uma grande importância. Ao participar dessa iniciativa proposta pela CESE: “as pessoas estão aptas a orientar as organizações para que passem a ver essas áreas de forma mais estratégica, que compreendam a necessidade de analisar as suas demandas, que percebam a importância de planejar e sistematizar suas ações, possam avaliar os acertos e o que precisa ser melhorado nestes dois campos.”, afirma Lucyvanda, que também é coordenadora do Virando o Jogo no Brasil.

Mulheres negras, indígenas, jovens, LGBTQIAPN+, ativistas e consultoras – são muitas as origens e as vivências dos/as companheiras que fizeram parte da turma. Oriundos/as de organizações diversas que atuam na defesa de direitos humanos no país, o curso tem a intenção de melhorar as capacidades dos/as participantes para compartilhar os conhecimentos adquiridos, assim como replicar os aprendizados em suas organizações.

É o que traz Albert França, militante do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto (MTST), Coordenador da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade e Pesquisador do Programa Saberes da Rede Comuá: “O curso é muito importante para fortalecer as organizações de base e os movimentos sociais como um todo. E nos oferece também, enquanto representantes desses movimentos, a oportunidade de replicabilidade onde atuamos, nas nossas redes e nos nossos territórios.”, declara.

Educação Popular

Um ponto muito interessante levantado pelo educador Marcelo Iniarra é sobre a forma como a CESE lida com Virando o Jogo junto às organizações brasileiras. Para ele é de extrema importância a forma metodológica como a organização estrutura os cursos a partir dos saberes acumulados dos/as participantes: “Nessa relação o que mais me impressiona é o uso da educação popular para compartilhar os conteúdos dos cursos. Saio dessa formação maravilhado com essa prática de valorização dos saberes e troca de experiências.”

Percepção também reiterada por Ewoud Plate, a de que a CESE tem um papel fundamental na adaptação do curso para a realidade brasileira, como ele aponta: “A CESE é muito importante para este programa, pois foi uma das organizações pioneiras na criação deste curso em 2015, no Brasil, e mostrou a necessidade de ajustar o conteúdo às condições locais das organizações, isso traz uma riqueza para este projeto”.

A proposta da metodologia baseada na educação popular foi utilizada durante todos os dias de formação, incorporando perspectivas críticas sobre a realidade, valorizando o intercâmbio de vivências e estimulando a elaboração de planos de mobilização de recursos e incidência  política sobre situações concretas em que as organizações participantes do curso estão envolvidas.

“Foi uma experiência ímpar trabalhar por duas semanas com um grupo de pessoas tão comprometidas com o fortalecimento das organizações no Brasil e com tanta bagagem na  área de educação popular. Juntas, criamos um espaço instigante e criativo para aprendizagem e que certamente se estenderá para além deste curso”, diz Viviane Hermida.

Nesse aspecto, Lucyvanda ressaltar que os/as participantes trouxeram uma grande bagagem das experiências vividas em suas próprias organizações ou como formadores/as em outros processos: “As trocas foram muito ricas e isso foi possível graças à metodologia baseada na Educação Popular que valoriza os saberes de todas as pessoas envolvidas. Ao final, as pessoas estavam estimuladas a seguir adiante neste processo de autoaprendizagem e de multiplicação dos conhecimentos em suas organizações”. 

Conhecimento para além da sala de aula

Ao longo de duas semanas, Luara Nascimento, do povo indígena Sapará de Roraima, conta que aprendeu “como diversificar fontes de financiamento, procurar apoiadores e montar estratégias de sensibilização através das mídias digitais”. A comunicadora da Umiab (União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira) também destaca o aprendizado de novas formas de facilitar conteúdos para sua comunidade: “Saio motivada com as dinâmicas e metodologias para aplicar em meu território.”, declara Luara.

Para conhecer uma experiência prática de ação de incidência e aliar a teoria do curso com a prática, as participantes do curso de incidência política visitaram a CAMAPET (Cooperativa de Coleta Seletiva Processamento de Plástico e Proteção Ambiental), onde puderam refletir sobre ações e táticas de incidência política. E os integrantes do curso de mobilização de recursos locais, conheceram de perto a experiência exitosa das ações da ACOPAMEC (Associação das Comunidades Paroquiais de Mata Escura e Calabetão) nesta área de arrecadação de fundos.

Cris Paula, do Instituto Cultural Steve Biko, descreve como as visitas são importantes para experienciar como ações ocorrem na prática: “Foi muito bom ver como a CAMAPET consegue avançar em suas iniciativas através da incidência política, em Salvador, na questão da reciclagem e da subsistência de catadores/as de material reciclado.”

Sobre o Programa Virando o Jogo

O Virando o Jogo oferece cursos online e presenciais nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política em 16 países na África, Ásia e América Latina. O objetivo do programa é capacitar grupos populares e organizações da sociedade civil para ações de defesa de direitos e transformação social, assim como diversificar fontes de recursos para garantir ações cotidianas e uma vida mais duradoura para as organizações.

No Brasil, os cursos são realizados pela CESE, com apoio da agência holandesa Wilde Ganzen,  que já capacitou diferentes organizações, contribuindo para movimentos sociais brasileiros construírem estratégias criativas para conseguir mais apoio e seguir lutando por transformações sociais.