“Uma devastação incalculável”. É o que sintetiza o pastor Wellington Santos, da Igreja Batista do Pinheiro, sobre o crime ambiental provocado pela mineradora Braskem em Maceió, capital de Alagoas. Na última semana, a Defesa Civil da cidade emitiu um alerta devido ao risco de colapso da mina nº 18, localizada no bairro Mutange, gerando medo e insegurança em milhares de famílias do entorno. No dia 1º de dezembro, a prefeitura da capital alagoana chegou a decretar situação de emergência por conta do risco de afundamento do solo em vários bairros da cidade.
A instabilidade da mina é resultado de quatro décadas de exploração de sal-gema, uma matéria-prima usada na indústria para obtenção de produtos como bicarbonato de sódio, cloro e soda cáustica, pela empresa Braskem. Em 2018, um tremor de terra provocado pelo afundamento do solo atingiu cinco bairros de Maceió, fazendo com que milhares de famílias precisassem ser evacuadas com urgência. De lá pra cá, cerca de 60 mil pessoas precisaram abandonar suas casas por conta do risco de desabamento. Estudos apontam que essa é a maior tragédia socioambiental em zona urbana no mundo.
Na última terça-feira (05), o Instituto do Meio Ambiente do Estado de Alagoas (IMA-AL) multou a Braskem em mais de R$72 milhões pelo risco de colapso da mina nº 18 e pelos danos ambientais causados. Apesar dessa ser a vigésima vez que o órgão multa a mineradora desde 2018, o sentimento da população diante da postura do Estado e da empresa é de impunidade.
“Estamos no bairro do Pinheiro para denunciar acordos que foram feitos entre o Ministério Público Estadual, Ministério Público Federal e a Braskem. A partir da nossa visão crítica e das entidades de luta contra a Braskem, avaliamos que eles beneficiaram mais a empresa criminosa do que os cidadãos que ali viviam. Por trás de tudo isso tem o jogo político, econômico e imobiliário”, alerta o pastor Wellington.
Resistência profética
Wellington Santos lidera a Igreja Batista situada no bairro do Pinheiro, uma das áreas afetadas pelo crime e que fica ao lado do Mutange, território em que se encontra a mina com risco de colapso. Organizada na área desde 1970, a Igreja Batista do Pinheiro é a primeira comunidade religiosa do bairro, e, em 2021, foi tombada como Patrimônio Material e Imaterial de Alagoas. Além disso, o templo tem um importante histórico de envolvimento com causas políticas, sociais e comunitárias. Desde 2018, a igreja tem participado diretamente das discussões e mobilizações em torno da denúncia do crime da Braskem e na busca por reparações aos moradores.
“Nossa presença é uma presença simbólica, profética e política pra dizer: alguma coisa muito errada foi feita. É importante que as entidades acordem para que possam pelo menos criminalizar a Braskem e trazer uma reparação financeira para as famílias que foram retiradas.”, ressalta o pastor. “Mas, do ponto de vista ecológico, cultural, folclórico, religioso, do território, das memórias, da história, é uma devastação incalculável”, completa.
Diante da iminência de colapso da mina 18, a Pastoral Ambiental e Juventude da Igreja Batista do Pinheiro lançaram uma nota na última sexta-feira (01) reiterando as denúncias sobre a impunidade do crime e denunciando o racismo ambiental em torno da tragédia. “O que estamos presenciando é mais um desdobramento do racismo ambiental praticado por um conluio entre empresa privada e gestão pública, os detentores do poder que decidem quais existências importam mais e quais devem viver, padecer ou morrer”, destaca o documento.
Até então, a igreja permanecia em funcionamento no território do Pinheiro – hoje praticamente vazio por conta das evacuações – como forma de resistência. No entanto, na última segunda-feira (04), a Defesa Civil interditou o templo após decisão judicial que determinou a desocupação dos imóveis localizados na área de risco. Em entrevista ao G1, o pastor Wellington Santos afirma que, por respeito à memória, o endereço do templo vai permanecer o mesmo e, enquanto o local estiver fechado, os cultos serão realizados em outros espaços.
“Nós vamos nos reunir nas praças ou na casa de alguém e deixar que a Justiça decida”, aponta a liderança religiosa.
O que pode brotar das ruínas?
Como parte das ações permanentes de mobilização e denúncia em relação ao crime da Braskem, o Fórum de Juventude da Aliança de Batistas do Brasil e a juventude da Igreja Batista do Pinheiro realizaram nos dias 7 e 8 de outubro a Conferência “O que pode brotar das ruínas?: Fé, Justiça e Cuidado Socioambiental na Vida Comunitária”. Apoiado pela CESE, o projeto reuniu cerca de 100 pessoas, sobretudo de Alagoas e Pernambuco, no templo da igreja do Pinheiro para contribuir na reflexão, organização e luta em defesa do meio ambiente e da comunidade.
Alana Barros, da coordenação da Juventude Batista do Pinheiro, aponta que a motivação para a conferência surgiu não apenas devido ao templo se situar em meio às ruínas do bairro, mas também pelo envolvimento do grupo com questões referentes à emergência climática e justiça ambiental em todo planeta.
“Por todos nós estarmos inseridos num momento de emergência, de ebulição climática, de muitos impactos nesse campo ambiental e também o incômodo pelo fato do campo cristão, principalmente evangélico, se distanciar muito da reflexão sobre justiça socioambiental e nossa comunidade já ter um histórico de reflexões em torno disso”, destaca.
A programação do encontro contou com rodas de conversa, mesa de partilhas de saberes com participação de coletivos ligados ao ativismo ambiental e com a exposição fotográfica “Cicatrizes na Alma em Meio às Ruínas”, do fotógrafo e antropólogo Carlos Eduardo. “O desejo era de colocar uma pergunta que apontasse para práticas que a gente acredita que estão dentro dessa confluência entre fé, justiça e cuidado socioambiental, que faz parte do nosso compromisso como juventude cristã, sociedade civil, em vários níveis”, explica Alana.
A coordenadora destaca que, mais do que um espaço de diálogo, o objetivo da conferência é de incentivar a comunidade para a ação. Por isso, um dos pontos altos do evento foi o lançamento da Pastoral Ambiental, que, segundo Alana, irá contribuir de forma permanente com a organização comunitária em torno da temática do meio ambiente. “A pastoral ambiental tem sido um desdobramento muito importante da Conferência porque tem nos ajudado a pensar uma prática comunitária dentro da igreja de fato comprometida, sensível e ecologicamente responsável”.
Além disso, a jovem destaca que o encontro tem instigado a Aliança de Batistas do Brasil a seguir dando importância ao tema a partir de outras ações concretas dentro da vida comunitárias, “e também pensando as comunidades e igrejas como espaços políticos e formativos dentro dos territórios em que estão situadas”, afirma.
Mais do que a contribuição financeira, Alana aponta que o apoio da CESE contribuiu com o impacto político do encontro e com o fortalecimento do grupo sobre a importância da luta coletiva. “Ter a CESE com a gente foi a afirmação de que não estamos sozinhos. Por mais que pareça muito difícil lutar contra o grande rolo compressor do capital, que é a empresa Braskem, é de reoxigenar a nossa luta e dizer: continuem firmes porque do lado de cá nós podemos apoiá-los”, finaliza.
O Fórum de Juventude da Aliança de Batistas do Brasil participou do Encontro “Cá entre nós: diálogos com juventude do nordeste na defesa de direitos” que aconteceu no primeiro semestre desse ano e teve como objetivo contribuir com o fortalecimento de organizações de juventude na defesa de direitos. A iniciativa contou com o apoio de DKA Áustria e Pão para o Mundo/ Brot für Die Welt.