Escrito em 12 de setembro por assessoria de comunicação da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado
Com o plenário 12 da Câmara dos Deputados, em Brasília, repleto de representantes de povos indígenas, quilombolas e de comunidades tradicionais, aconteceu dia 12 de setembro a audiência pública sobre o Projeto de Emenda Constitucional número 504 de 2010, a PEC 504, que transforma Caatinga e Cerrado em patrimônios nacionais protegidos pela Constituição Federal.
A atividade foi realizada no âmbito da Comissão da Amazônia e dos Povos Originários e Tradicionais da Câmara dos Deputados, e recebeu o título oficial de “Cerrado e Caatinga entre os bens do patrimônio nacional”, trazendo como tema a importância da aprovação da PEC e seus impactos positivos para o país.
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL/MG), autora do requerimento para a realização do encontro, iniciou a audiência com uma saudação coletiva junto a mulheres do povo Xakriabá presentes na atividade. Em sua fala de abertura, a deputada destacou a falta de políticas públicas para a proteção do Cerrado e da Caatinga, e a ameaça, pelo desmatamento, da existência da sociobiodiversidade nestas duas regiões ecológicas. “Cansamos de resistir, queremos pensar o Cerrado em pé, queremos pensar a cura da humanidade”. Para a deputada, a força da cura está nos saberes dos povos tradicionais, na sua relação com a terra e, principalmente, na diversidade que caracteriza os biomas. Para quem acredita que não há interdependência entre Caatinga, Cerrado, Amazônia, Mata Atlântica e outros biomas, Célia Xakriabá se posicionou de maneira enfática. “Para nós, povos tradicionais, toda monocultura mata. E o Brasil só é tão vivo por causa da nossa diversidade. A fronteira não está entre um bioma e outro, a fronteira está no racismo ambiental.”
Lourdes Laureano, da Articulação Pacari, membro da Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e uma das componentes da mesa, relembrou que o Brasil assumiu metas ousadas em relação ao combate ao desmatamento e à emergência climática, mas não protege seus patrimônios naturais em sua totalidade. “Queremos nos tornar patrimônio nacional para garantir maior proteção aos biomas. É um reconhecimento de que o Cerrado e a Caatinga tenham a mesma importância que a Amazônia e o Pantanal, por exemplo.”
Sobre os habitantes dessas duas regiões ecológicas, Lourdes fez questão de dizer que os povos do Cerrado e da Caatinga sabem conviver com a diversidade e a adversidade, e que na transição entre os biomas vive a resistência de um povo que respeita a sociobiodiversidade. “Os monocultivos dividem e separam a integração desses ecossistemas”, afirmou, ressaltando a necessidade de integração de todos os biomas e de seus povos.
Maria Silvanete Benedito de Sousa Lermen, mulher negra, mãe de quatro filhos, educadora popular, agricultora experimentadora da Articulação Semiárido Brasileiro (ASA), orientadora em saúde comunitária, benzedeira de mãos postas e habitante da Serra dos Paus Dóias, no Sertão do Araripe, em Pernambuco, também defendeu em sua fala, como membro da mesa da audiência, a união entre os povos dos diferentes biomas e a necessidade de se combater a ideia de separação entre as regiões.
“A Caatinga nos ensina a importância da coletividade e da irmandade do povo para que a gente continue existindo. Trago esta fala para dizer que nós não somos povos separados. Não somos e nem nunca quisemos ser. O poder, as grandes empresas, os grandes laboratórios, as grandes mídias que não trabalham a nosso favor, as universidades que não estão ao lado do nosso povo dizem que somos povos isolados. Por isso fiquei muito feliz de ser convidada para fazer esta fala. Nesse momento convocamos todos os territórios para dizer que somos um povo só, com nossas diferenças e particularidades”, defendeu Maria Silvanete.
Lourdes Laureano e Maria Silvanete dão voz e rosto à petição pública pela aprovação da PEC 504 aberta na plataforma Change.org, e que já conta com mais de meio milhão de assinaturas. A petição é a principal ferramenta de mobilização da campanha “Cerrado e Caatinga, patrimônios do Brasil: riqueza presente, herança futura”, lançada dia 11 de setembro pela Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e pela ASA.
O objetivo da petição é chegar a um milhão de assinaturas, a serem entregues em mãos aos e às parlamentares responsáveis pela votação da PEC 504.
“A PEC já está pronta para ser votada, não se pode mais adiar. Se as violências [dos desmatamentos] não adiam, nós não podemos também adiar a solução”, disse a deputada Célia Xakriabá ao final da audiência, sinalizando o compromisso de articulação interna para levar a pauta às demais lideranças parlamentares. “Para que seja aprovada a PEC 504, vamos nos debruçar com todos os líderes de bancada, estaremos engajados nas próximas semanas nessas conversas articuladas juntamente com o presidente da Casa [Artur Lira]. Esse projeto não pode mais ser esperado, e precisamos pautar e aprovar nesse plenário. Incluir o Cerrado e a Caatinga como patrimônios nacionais é uma reparação histórica.”
CONHEÇA A PEC 504 E ASSINE A PETIÇÃO
A mesa da audiência pública ainda foi composta por Paulo Pedro de Carvalho, da ASA; Ro’otsitsina Juruna, do povo Xavante; Alexandre Pires, diretor do Departamento de Combate à Desertificação da Secretaria Nacional de Povos e Comunidades Tradicionais e Desenvolvimento Rural Sustentável, do Ministério do Meio Ambiente; Maria de Lourdes Nascimento, presidente da Rede Cerrado; e Silvio Porto, Diretor-Executivo de Política Agrícola e Informações da Conab (Companhia Nacional de Abastecimento). Marcaram presença na audiência as deputadas federais Dandara Tonantzin (PT/MG) e Erika Kokay (PT/DF), e os deputados federais Fernando Mineiro (PT/RN) e Túlio Gadêlha (REDE/PE).
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Confira a seguir alguns destaques das falas das e dos demais membros da mesa.
Paulo Pedro de Carvalho, ASA
“Estivemos aqui dia 28 de abril, Dia da Caatinga, dizendo que não queremos esmola, nem ser mais importante do que ninguém. Quando os constituintes reconheceram os biomas, por que Caatinga e Cerrado foram deixados de fora? Queremos uma coisa simples: fazer justiça com esses dois biomas. Entendemos que não estamos aqui contra o desenvolvimento. A Caatinga em pé tem uma grande capacidade para segurar o carbono no seu solo. Na Caatinga tem quase a metade das famílias agricultoras desse país, 47%. Caatinga e Cerrado formam, juntos, 30% do território nacional. A gente precisa aprovar essa PEC, e essa audiência pública faz parte desse importante momento político do Brasil.”
Ro’otsitsina Juruna, Povo Xavante
“Há uma escassez e vontade política de efetivar políticas públicas. Não tem que ser uma boa vontade, tem que ser um reconhecimento de fato do potencial que existe nos nossos biomas. Leiam a nota técnica sobre a PEC 504, os argumentos pela aprovação, é importante conhecer. O Brasil foi um dos países que assinou as metas das ODS da ONU (Objetivos de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas) para 2030. Se tiver política pública de fato, vamos garantir segurança alimentar nos biomas. Com a aprovação da PEC 504, é a nação brasileira que tem a ganhar.”
Alexandre Pires, Ministério do Meio Ambiente
“Entendo a importância da PEC não só para preservar os biomas, mas as formas de vida e os conhecimentos dos povos que vivem nesses territórios. Estamos passando uma crise climática no mundo. Depois dos últimos quatro anos de governo, nós retrocedemos 10 anos do ponto de vista socioambiental. Muita coisa foi destruída e desconstruída. A aprovação da PEC é fundamental para o enfrentamento das questões climáticas. A gente não vai conseguir enfrentar a agenda climática se não reconhecer a importância do conhecimento dos indígenas, quilombolas e comunidades tradicionais. A resposta para a emergência climática, essencialmente, as informações e conhecimentos para esse enfrentamento, estão nos povos indígenas e comunidades tradicionais. Me coloco à disposição como MMA para fazer os diálogos necessários nesta casa parlamentar. A separação dos biomas está na cabeça de alguém, porque os biomas estão conectados entre si”
Maria de Lourdes Nascimento, Rede Cerrado
“Todo mundo precisa cuidar da sua casa, senão ela desmorona. É esse sentimento que eu trago em relação ao nosso planeta. É graças aos gatos pingados que cuidam dela que ela ainda resiste. É preciso respeitar os povos e comunidades tradicionais que mantêm tudo isso em pé. Vivemos momentos muito tristes nesses últimos tempos. Tem um tal de um desenvolvimento que ninguém pergunta quem quer, e em nome dele se destrói tudo. As pessoas que podem aprovar essa PEC não precisam mais de terra, elas não tem nem como trabalhar as terras que têm. Ninguém tenha a ilusão que protegendo só a Amazônia o problema está acabado. Se Cerrado e Caatinga não sobreviverem, a Amazônia não sobreviverá.”
Silvio Porto, Conab
“O Brasil é signatário da Convenção Sobre a Diversidade Biológica, e tem responsabilidade mundial para se conservar. Estima-se que o Brasil detenha um quarto da biodiversidade mundial. Há dois elementos que colocaram em xeque a conservação do Cerrado e da Caatinga: um é que a Caatinga é um espaço não da convivência, mas um espaço de combate à seca. Por isso, as respostas pensadas para a Caatinga passam por levar soluções de fora do próprio bioma. No Cerrado, há a ideia de uma terra pobre e sem gente. Não podemos ter um pensamento de colonizado, em que sempre o que vem de fora é melhor. É preciso olhar para as soluções internas. Com a retomada do Programa de Aquisição de Alimentos do Governo Federal (PAA), recebemos propostas de 221 alimentos diferentes da Caatinga e 235 do Cerrado.”