Corra, porém, o juízo como as águas,
e a justiça, como o ribeiro impetuoso 5.24
A água, elemento que representa a vida, é um dom de Deus para todas as criaturas que habitam esta terra. Ela é de onde viemos, do que somos majoritariamente formados e da qual dependemos para continuarmos nossa caminhada, por isso, não pode ser um privilégio de poucos, subjugada para lucro de alguns em detrimento da morte de muitos/as. Ela é um direito humano, que deve ser garantido a todas/os.
Ainda hoje no Brasil, aproximadamente 35 milhões de pessoas não têm acesso a água tratada. E apesar de ser um dado constatado pelo Instituto Trata Brasil há mais de uma década, este quadro ainda não começou a ser alterado. Ele se torna ainda mais assustador quando colocado em termos comparativos: é como se as populações inteiras de 14 estados brasileiros vivessem sem o recurso de modo adequado.
Além desta situação, a edição de 2023 do Ranking do Saneamento do Instituto, realizado desde 2009, confirma que outros/as 100 milhões de brasileiros/as continuam sem ter acesso ao serviço de coleta de esgoto. Numa comparação ainda mais grave, neste caso, seria como se as populações de 22 das 27 unidades da federação do Brasil não contassem com esgotamento sanitário, estando expostas a inúmeros problemas sociais e de saúde.
Observamos que, mesmo diante deste quadro que se mantém há anos, o Congresso Nacional buscou abrir caminho para a privatização da água ao aprovar, em 2020, o novo marco legal do saneamento, que pode acabar sucateando ainda mais o serviço de distribuição do recurso e principalmente do esgotamento sanitário no país. Sobre isso, a CESE se pronunciou em um texto que tratou das ameaças que a nova legislação representa para o Direito a Água como um bem comum, publicado no dia Mundial da Água em 2022.
As lutas travadas pelos movimentos sociais e organizações baseadas na fé pelo Direito a Água como uma condição necessária à vida no planeta e, por isso, também um direito humano, se dão em vários tempos e espaços.
No Cerrado, berço das águas brasileiras, onde a CESE tem atuado no fortalecimento dos movimentos sociais em suas lutas, o recurso hídrico é parte vital da existência de povos e comunidades tradicionais, seja para a pesca, para o cultivo de suas pequenas plantações, ou para a continuidade de ritos ancestrais. E embora tenham seus modos de vida garantidos pela Constituição de 1988, incessantemente enfrentam tentativas de violação do seu direito às águas, principalmente quando são expulsas de seus territórios ou quando os mananciais que lhes dão sustento são envenenados pelo agronegócio e pela mineração.
Dialogando com a dimensão das lutas pela Justiça da Água, o Pe. Elias Wolff, membro da REDA – Rede Ecumênica das Águas, destaca que a água é elemento essencial para a nossa subsistência, para a manutenção e fortalecimento do nosso vínculo com o divino “Possui uma dimensão espiritual dentro da mística de várias religiões. No Cristianismo é citada como ‘fonte da vida eterna’, numa metáfora para uma vida digna e justa”.
Para a Reverenda Bianca Daébs, assessora para Ecumenismo e Diálogo Inter-religioso da CESE, o fortalecimento das lutas pelo acesso digno à água precisa ser apoiado em todas as ambiências da sociedade civil organizada, com destaque para os movimentos sociais e organizações baseadas na fé. “É extremamente necessário que se amplie a compreensão da água como um bem comum, e que se fortaleçam as reivindicações por políticas públicas de acesso a água tratada para todas as pessoas”.
Para a Coordenadoria Ecumênica de Serviço, celebrar o Dia Mundial da Água implica em sua missão profética de denunciar como crime e pecado os maus usos e descasos com as águas que ferem profundamente o meio ambiente, colocando em colapso não apenas a vida humana, mas toda nossa sociobiodiversidade. De alimentar a mística das águas presente nas mais diversas religiões, e anunciar cada conquista que permita o acesso a água como um dom divino, bem comum e direito humano, resultado animador de sua caminhada por Direitos, Justiça e Paz.