Agência de Notícias das Favelas promove práticas de educomunicação na periferia de Salvador

Iniciativa beneficiada pelo Programa de Apoio a Pequenos Projetos da CESE promove ações de comunicação para jovens do Bairro da Paz, em Salvador (BA)

Perfurar as barreiras sociais e políticas para produzir uma comunicação diversa. É esse o compromisso da Agência de Notícias das Favelas (ANF), organização não-governamental nacional que promove práticas de democratização da comunicação. Em Salvador, destaca-se o projeto Juventude Digital – A Educomunicação Conectando Caminhos, que foi selecionado e apoiado pela CESE dentro do Edital Juventudes e Direitos Digitais.

O projeto Juventude Digital teve como objetivo formar jovens para o uso adequado e consciente das mídias digitais e, desse modo, contribuir para a promoção da cidadania digital. Meninos e meninas receberam instrumentos para produzir contranarrativas, colaborando para uma comunicação representativa e assertiva. A intenção é, através desses produtos de comunicação gerados pelos jovens, ajudar a desmistificar estereótipos sociais, combatendo a criminalização das favelas, além de estimular a produção de conteúdos educativos e representativos.

De acordo com Paulo de Almeida, editor e coordenador de Ação Social da ANF, o projeto desenvolveu atividades formativas em comunicação comunitária com 30 jovens do Bairro da Paz, periferia de Salvador, local onde a ANF mantém sua sede. As ações foram realizadas em subgrupos e de forma coletiva, focadas no combate às Fakes News, representatividade e diversidade, contranarrativas, além da valorização dos Direitos Humanos. As atividades aconteceram em parceria com o Colégio Mestre Paulo dos Anjos.

Através do projeto, foram promovidas atividades formativas que envolveram três oficinas: de leitura digital, de produção de vídeo por celular” e outra entitulada “A Periferia é Central”. O projeto ainda envolveu a realização do seminário “Educação Midiática e Combate às Fake News”, promovendo, além do combate à disseminação de notícias falsas, o debate sobre a importância de entender como funciona o ambiente midiático e como utilizá-lo de maneira adequada, colaborando para o uso responsável e ético das mídias digitais.

Segundo o editor, um aspecto importante do contexto atual de comunicação é como “o advento de novos recursos tecnológicos, assim como a internet, tem contribuído para que cada cidadão por ser um comunicador, saindo do papel de mero receptor e assumindo função também de emissor, que faz parte da democratização da comunicação”. O contexto de ampliação dos canais de produção e pulverização das notícias tem um outro lado: o risco de criar condições favoráveis para disseminação de Fake News, que na avaliação de Paulo, tem impactado de forma bem presente nas classes mais vulneráveis.

Atenta a esse cenário e urgência de boas práticas, a Agência de Notícias das Favelas lançou o livro “Novos Rumos da Comunicação Comunitária no Brasil”. A publicação conta com a participação de nove comunicadores de todas as regiões do país, trazendo suas percepções regionais de como a comunicação comunitária tem combatido as Fake News.

Agência Notícias das Favelas – O projeto Juventude Digital – A Educomunicação Conectando Caminhos se insere nas ações constantes da ANF de criar contra narrativas, bem como promover a quebra de estereótipos. Entre os desafios está realizar esse trabalho e identificar parceiros comprometidos com causa para captação de recursos visando a manutenção da sua equipe e a continuação das ações. “Por ser uma instituição social alicerçada no terceiro setor, é uma disputa constante e desigual contra as empresas de comunicação” acrescenta o editor da Agência.

“Para uma agência que atua às margens da sociedade com o foco na comunicação comunitária, furar as bolhas sociais políticas e burocráticas que impedem a produção nas favelas e a visibilidade desses produtos/comunicadores, é um dos principais desafios” afirmou Paulo.

Considerado um símbolo de resistência, dentro do conceito de quilombo urbano, o Bairro da Paz é um polo artístico cultural efervescente e criativo, reconhecido por ser um grande receptor, emissor, proponente e mobilizador de atividades, desde o princípio, na década de 80, época das primeiras ocupações. É lá que fica a sede Norte e Nordeste da ANF, que tem atuação internacional, com sede matriz no Rio de Janeiro/RJ. A entidade surgiu da necessidade dos moradores das favelas terem espaço midiático para contar as realidades das periferias, oportunizando que cada morador/cidadão seja o porta-voz da própria realidade.

Criada em 2001, a instituição atua na produção de conteúdo e notícias feitas por/com/para moradores das favelas, por meio de jornal impresso, redes sociais e portal de notícias. Uma das principais atividades que a ANF realiza é a formação de comunicadores, com cursos de extensão em comunicação comunitária, além de cursos pré-vestibular, oficinas e eventos culturais, tendo o público da periferia como principal beneficiário – formado por adolescentes, jovens e adultos de diversos gêneros, credos e raças.

Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação – De um lado, as novas tecnologias impulsionam a pulverização da formadores de opinião, de outro, mesmo nos espaços digitais, velhas práticas são mantidas, especialmente a disseminação de boatos e manipulação dos conteúdos partilhados. A hegemonia dos meios de comunicação nas mãos de poucos grupos políticos e econômicos, a falta de pluralidade e diversidade na concepção de produtos de comunicação de massa e a constante disputa de narrativas. Num sobrevoo breve, podemos enxergar em que cenário se dá o Dia Nacional de Luta pela Democratização da Comunicação no Brasil – celebrado esta semana, no dia 17 de outubro, e que em 2022 ocorre em meio ao período eleitoral, com embates em curso, especialmente na política nacional.

A data nasceu em 2003, relacionada ao Dia de Democracia na Mídia, celebrado em diversos países do mundo como um espaço de questionamento à concentração dos meios de comunicação em grupos hegemônicos, que atuam em oligopólios (consistem em propriedades privadas, que envolvem emissoras de TV, rádio, TV por assinatura, serviços de streaming, portais de notícias, revistas e jornais impressos). A data chega como um marcador pela democratização da produção e do acesso à comunicação, pautando a efetivação do que a Constituição Brasileira de 1988 preconiza e garantiria maior pluralidade e diversidade, além da própria liberdade de expressão e condições de fala de diferentes camadas da sociedade.

Para Paulo, “o cenário atual tem se mostrado perigoso, tanto para os veículos de comunicação quanto para os profissionais que lidam diretamente com a produção de notícias. As ameaças à democracia afetam também no que se refere às tentativas e iniciativas na democratização da comunicação”. Em sua avaliação, mesmo com o contexto político pouco propício e de risco democrático, é necessário manter o assunto em debate. “Se faz necessário e é urgente manter o foco em democratizar a comunicação e a informação, contribuindo para descentralizar as ações de formação na produção de conteúdo nas periferias do Brasil” acrescenta.

De acordo com dados organizados pela Federação Nacional dos Jornalistas no Brasil, o país vive uma explosão de casos de violência a jornalistas e contra a imprens.