O direito de ir e vir é interdependente do acesso aos outros direitos. Quando o nosso direito de se deslocar falha, as barreiras se estendem a todos os outros direitos. De tanto enfrentar desafios e descaso na situação do transporte público, a Associação de Juventudes, Cultura e Cidadania – AJURCC construiu um processo de mobilização, articulação e formação prioritariamente de jovens do distrito de São José da Mata, sobre incidência política com foco na defesa de transporte público de qualidade para a comunidades. O processo formativo recebeu apoio do Programa de Pequenos Projetos da CESE, o que tornou possível aliar formação para incidência e o desenvolvimento de uma ação política pela melhoria da qualidade do transporte público.
A iniciativa ofereceu atividades de sobre incidência para lideranças jovens de São José da Mata no primeiro semestre de 2022 e fomentou a articulação de grupos e coletivos juvenis, mulheres, trabalhadores/as na defesa do transporte público de qualidade para o distrito. Os encontros trouxeram subsídios para a intervenção das juventudes e população do distrito nos espaços de participação política institucional. Um dos destaques desse processo foi o seminário “Transporte Público em Campina Grande e o Direito à Cidade”, realizado no dia 12 de fevereiro.
A AJURCC se dedica a ações pedagógicas e cria dinâmicas de construção coletiva de conhecimento. No projeto com foco em protagonismo juvenil pelo transporte de qualidade, foram valorizados e criados espaços que garantiram a afirmação da autonomia dos sujeitos, oferecendo um ambiente favorável ao exercício do diálogo e da participação, estimulando assim o surgimento, nesses espaços formativos, de relações para lidar com os conteúdos abordados com a realidade durante a caminhada do projeto.
São José da Mata e os desafios do transporte público – O distrito de São José da Mata está localizado no município de Campina Grande na Paraíba. É composto por cerca de 20.000 habitantes (IBGE 2017), dos quais 40% das pessoas vivem na Zona Rural. A maior parte das famílias tira seu sustento da agricultura familiar, construção civil e do pequeno comércio. Quem trabalha nas zonas urbanas de Campina Grande ou no Distrito Industrial, faz um deslocamento de 15 km de distância em média e dependem diretamente de uma única linha de ônibus, principalmente os que utilizam vale transporte ou passe estudantil (principais afetadas/os: estudantes e trabalhadoras/es).
As limitações do transporte público no distrito afetam diretamente as oportunidades de trabalho dos moradores. Muitos dos empregadores negam vaga a quem mora no distrito alegando o atraso. Para além do trabalho, os desafios se estendem também nos outros aspectos da vida: não é fácil o acesso a tratamentos de saúde, educação, aos serviços bancários, ao lazer e à cultura, enfim, tudo que implique em deslocamento para fora do território. Isso porque o transporte público do distrito não funciona regularmente. A frequência dos ônibus é de hora em hora, com última viagem às 19h. Nos finais de semana, a situação tende a piorar: não há disponibilidade de ônibus nos domingos e feriados.
“A gente sabe que tem direitos, mas eles não são colocados em prática. Com o sistema de transporte é muito complicado, porque não tem concorrência. Eles colocam o horário que querem, do jeito que querem, os ônibus que querem. Apesar de que eles têm algumas regras de colocar ônibus novos todo ano”, explica Kívia Figueiredo, diretora financeira da AJURCC. O distrito de São José da Mata fica na saída de Campina Grande, necessitando passagem pela BR – o que significa um trânsito de maior velocidade, bem como maior necessidade de segurança dentro dos ônibus, empregando o cinto de segurança, por exemplo. Na prática não é bem assim, os ônibus intermunicipais andam sempre lotados e tem frequência irregular.
“Os ônibus nunca têm um horário certo, o que é bastante prejudicial. Depois dessa audiência pública na Câmara de Vereadores, a gente conseguiu que eles trocassem os coletivos e que eles colocassem os horários corretos e que obedecessem aos horários”, lembra a ativista. De lá para cá, houve alguma melhora, porém o acesso a transporte público de qualidade segue na pauta das pessoas que vivem em São José da Mata. “É ocupar o nosso lugar e dizer: nós estamos aqui, temos nossos direitos, cumprimos os nossos deveres, pagamos impostos e tudo mais. Nós queremos um transporte de qualidade!” afirma Kívia Figueiredo, diretora financeira da AJURCC.
A luta por transporte de qualidade persistiu e foram muitos os diálogos com os órgãos responsáveis buscando melhores condições também para as estradas de acesso ao território, que eram ruins, esburacadas e que serviam de justificativa para os empresários não colocarem melhores ônibus.
Juventudes, Cultura e Cidadania – Por tantos desafios, a comunidade de São José da Mata tem um cotidiano de discussão sobre o direito à cidade, o que faz com os jovens também precisem se envolver nesse debate para poder acessar seus próprios direitos. Como por exemplo: como os jovens podem acessar os espaços de lazer e cultura, sem poder confiar no transporte público nos finais de semana; ou o deslocamento para universidade, no centro de Campina Grande. Para fazer a garotada se engajar nesta discussão, a AJURCC preparou o processo formativo que envolveu algumas palestras e oficinas, priorizando facilitadores também jovens e que estabelecessem proximidade com a turma e cursos para contribuir na formação sobre direitos. As rodas de conversas e encontros aconteciam em locais que levavam ao deslocamento.
“E a partir disso, a gente foi moldando esses jovens, porque a gente perguntava: ‘se você fosse fazer um protesto, como que seria?’. E eles responderam que colocariam um cartaz, e que bateriam de frente e tal. Aos poucos, a gente começou a lapidar, ensinar a importância do diálogo feito com as pessoas corretas para manifestar as necessidades” conta a gestora.
A parceria com a CESE tornou possível a realização do processo formativo com os jovens e a partir disso, o desenvolvimento da ação política de pressão junto aos órgãos públicos para melhoria da situação do transporte público no distrito. “Enviamos um documento para Secretaria de Transportes Públicos, pedindo mais horários para o transporte no final de semana e melhoria das condições. Enviamos também para os vereadores e vereadoras essa sinalização, o que gerou uma audiência pública junto com alguns líderes de outras comunidades. Naquele momento, houve períodos que as linhas foram retiradas do distrito. Houve uma greve e não chegava transporte coletivo para vários distritos além de São José da Mata, como Galante, Cuité e Salgadinho. Esses distritos ficaram sem coletivo em nenhum horário do dia, nenhum dia da semana. Muita gente se prejudicou porque não vinha nenhum carro por aplicativo”. A audiência e a pressão popular deram o resultado esperado e garantiram o retorno de circulação do transporte público.
Assim, as aprendizagens da formação criaram as condições para a ação política necessária. “A parceria com a CESE, para nós, é super importante, porque nos trouxe orientação e informações para sabermos como agir. O projeto ocorreu de forma prática, objetiva e que deu resultados para a comunidade” conclui.