Mulheres de organizações populares do Nordeste discutem estratégias de incidência política em curso promovido pela CESE

Aconteceu na CESE, entre os dias 28 de junho a 01 de julho, a primeira etapa do Curso de Incidência Política com a Comunidade de Prática, no âmbito do Programa Doar para Transformar. A atividade contou com a participação de 26 mulheres, a maioria da região Nordeste, entre elas, mulheres com deficiência, negras, ativistas, quilombolas, indígenas, camponesas, pescadoras, quebradeiras de coco babaçu, catadoras de mangaba, jovens, comunicadoras, evangélicas, de terreiro, e LGBTQIA+, que protagonizam diariamente a luta pela defesa de direitos e pela democracia no Brasil.  Realizado pela CESE em parceria com a AATR – Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais, o curso envolve a metodologia do ‘’Virando o Jogo’’, programa que integra 12 países com o objetivo de fortalecer organizações nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política através de cursos online e presenciais.

Durante quatro dias, as participantes, representando 14 organizações de mulheres, discutiram estratégias de fortalecimento de suas ações, e deram início a uma jornada de ações de incidência que desenvolverão sob monitoramento da CESE ao longo de 2022.

A diversidade entre os movimentos e diversidade ecumênica foram pontos de atenção do curso. As participantes foram provocadas a trazer para o encontro seus sonhos e aspirações de transformação social para seus territórios e movimentos: liberdade, diversidade, igualdade, reconhecimento da interseccionalidade foram algumas das palavras chaves compartilhadas pelas integrantes.

Segundo Viviane Hermida, assessora de projetos e formação da CESE, os problemas estruturais e suas profundas raízes culturais se refletem como uma conjuntura preocupante para as mulheres, agravada com a elevação da aquisição de armamentos, que coincide com o aumento das taxas de feminicídios, chacinas, execuções e acidentes domésticos com armas: ‘’Os grupos de mulheres estão fora dos espaços de discussão e acesso à recursos, silenciadas nos espaços de construção política e por essa razão demandam de mais apoio para que possam ter melhores ferramentas para luta, num momento de desafios grandiosos’’.

Formação para transformação – As discussões perpassaram a conjuntura política, o desenvolvimento de estratégias, a reflexão sobre a cooperação internacional, análise de problemas e soluções táticas, aspectos jurídicos e enquadramento das mensagens e ações de mobilização de comunicação, além de pensar sobre monitoramento e indicadores, planejamento de ações e avaliação. As temáticas de gênero, raça e reflexões sobre os impactos e exclusões que o capacitismo provoca foram transversais à formação, tanto no âmbito da discussão quanto nas aprendizagens durante o convívio, provocando descobertas pelas participantes. A presença de mulheres cegas demandou que todo o grupo fosse mobilizado para se expressar de modo que garantissem às participantes visualizar materiais, mas também reconhecer umas às outras.

As mulheres indígenas falaram amplamente sobre as dimensões do racismo afetando suas vidas e trazendo insegurança em seus territórios: ‘’Colocam em nossos territórios placas de proibido indígenas, falam abertamente em nos colocar para correr com balas. Desmontaram as estruturas de proteção e o racismo segue violentando as populações do campo, nossas aldeias”, afirmou Elisa Urbano Ramos, representante das Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos e Organizações Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espírito Santo – APOINME.

Para Priscila Xavier Lima, do povo Pataxó Hã Hã Hãe e Tupinambá/BA, a violência policial deixou marcas ainda em sua pele. “Estava caracterizada como uma mulher indígena e fui brutamente agredida por policiais, simplesmente por eu e meu companheiro pedimos licença. Hoje temos como denunciar através de fotos, vídeos. Sem a gravação da situação por terceiros, talvez eu não pudesse estar aqui hoje”.

Haldaci Regina, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, destacou que o momento exige muito das mulheres negras, imbrincadas nas mais diferentes lutas: ações emergenciais contra a fome, lutas por moradia, lutas pelo direito à vida, lutas pelo transporte público, defesa dos territórios tradicionais e das condições de vida nas grandes cidades. Mas nas discussões sobre a autonomia do próprio corpo das mulheres, a solidão e a falta de apoio são grandes. “As mulheres estão presentes em todas as lutas, mas são invisibilizadas em todos os espaços. Silenciadas em todas as suas lutas” desabafa a liderança.

Comunicação de Causas e Incidência Política – O momento preocupante de disseminação de notícias falsas e de muita desinformação, bem como da criminalização dos movimentos sociais foi também abordado durante a formação, debatendo aspectos do direito à comunicação em contraposição ao contexto de hegemonia e a concentração dos meios nas mãos de poucas famílias e grupos de poder. Mais do que isso, as participantes também pensaram como a disputa de narrativas e a comunicação são estratégicas para a ação política dos grupos e a transformação social. De acordo com Vanessa Pugliese, assessora de projetos da CESE, a comunicação para incidência política exige uma especificidade de lançar perguntas que poderão mobilizar o público para a causa. ‘’É necessário também que ela traga dados e uma mensagem explícita da posição dos movimentos.”

“A formação agrega para gente renovar o nosso trabalho e nossos conhecimentos sobre incidência, deixando bastante evidente a importância do planejamento e da sistematização da ação política. Mas também é valoroso vivenciar tudo isso com tanto cuidado, carinho, delicadeza nos detalhes como tivemos nesses encontros, proporcionadas pela equipe da CESE”,  afirmou Duvarlina Rodrigues Silva, da  Rede de Mulheres Negras do Nordeste.

Depois de tanto tempo sem encontros presenciais, trocando experiências com pessoas de diferentes realidades, Denise Ribeiro, integrante do Fórum Marielles, admite a falta que momentos assim estava fazendo: “estávamos precisando de encontros presenciais como estes, que nos permitem aprofundar as conversas, planejar iniciativas com maior convívio dentro e fora da sala”.

“A parceria da CESE com o Movimento Brasileiro de Mulheres Cegas e com Baixa Visão/ MBCBV,  é valorosa para nós mulheres com deficiência, porque não somos lembradas nos espaços de formação política. Não é mais possível construir transformações sociais sem incluir as pessoasom deficiência” afirmou Kelly Nascimento de Araújo, representante do MBCBV, ressaltando o espaço da CESE como acessível para pessoas com deficiência.

Para Maria Rita Rosa dos Santos, do Movimento de Mulheres Camponesas/MMC, destacou uma diferente descoberta no curso: “nestes dias aqui, aprendi que é preciso estudar – e muito – meus adversários, para ter ações mais preventivas. Nossos adversários os estudam, nos conhecem e aprendem com nossos passos”.

No retorno às suas organizações, as participantes do curso estão desenvolvendo um plano de incidência a partir do contexto identificado durante o encontro e do olhar para realidade local, bem como dos movimentos aos quais estão vinculadas. Em encontros de mentoria com a equipe da CESE, realizados virtualmente após o curso, as participantes dialogaram sobre o plano e as estratégias para o desenvolvimento da ação, abrindo assim o ciclo de incidência política – que envolverá também ações de comunicação, identificadas por cada organização.

De acordo com a diretora executiva da CESE, Sônia Mota, o encontro potencializa as estratégias de ação dos movimentos de mulheres e renova os vínculos de cooperação e trocas entre as participantes. “Para as organizações comprometidas com a transformação social, é importante perceber que podemos nos dar as mãos em todas as lutas. E nesse momento, é nossa fé que nos impulsiona a estarmos juntas para fazer as mudanças necessárias” afirmou Sonia.  A segunda etapa do curso acontece de 19 a 21 de julho, em formato virtual.

Sobre o Programa Doar para Transformar

Em 2021, a CESE iniciou uma caminhada de cinco anos com Programa Doar para Transformar (Giving for Change), apoiado pela agência da cooperação holandesa Wilde Ganzen, através do Ministério das Relações Exteriores. O programa envolve internacionalmente oito países do sul global: Brasil, Burkina Faso, Etiópia, Gana, Quênia, Moçambique, Uganda e Palestina.

A iniciativa tem entre seus objetivos contribuir para a adoção de práticas mais equitativas no sistema internacional de desenvolvimento, inclusive a partir das ideias de mobilização de recursos nacionais e filantropia comunitária. Na CESE, o foco do trabalho será o fortalecimento e aprendizado coletivo entre organizações do movimento de mulheres do Nordeste.

O programa tem a duração de cinco anos (2021 a 2025) e conta com uma série de atividades: Apoio a projetos; Formação nas áreas de Incidência, Comunicação e Mobilização de Recursos; Encontros temáticos sobre Sustentabilidade, Comunicação Estratégica, Incidência Política e Jurídica; Diálogos Estratégicos com Academia e os Poderes Públicos; Planejamento, Monitoramento e Avaliação, e Sistematização.