CESE e COIAB promovem debate sobre “Contabilidade e os desafios à sustentabilidade das organizações indígenas da Amazônia”

Grupos e populações tradicionais como quilombolas, famílias de pequenos agricultores e os próprios povos indígenas tem uma coletividade que é natural de sua vivência. Têm sua própria organização social. Entretanto, o estado não reconhece esta coletividade como suficiente para tratar de alguns assuntos como administrar recursos específicos ou se enquadrar como uma organização ou representação oficial de um grupo. É preciso “formalizar” uma associação, burocratizar. Portanto, dificultar.

Essa foi uma das premissas que nortearam o debate entre alguns representantes de povos e associações indígenas e contadores/as, realizada pela CESE no mês de maio, em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab) e DH Advocacia. A Roda de Conversa “Contabilidade e os desafios à sustentabilidade das organizações indígenas da Amazônia” fez parte do projeto de Fortalecimento Institucional de Organizações Indígenas da Amazônia Legal e teve apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e da Fundação Ford.

O jurista e advogado Carlos Marés foi um dos convidados do encontro. Ele fez críticas à legislação atual vinculada a organizações, associações, cooperativas, etc e principalmente à burocracia que envolve essa esfera. “São um problema até para as organizações formadas por brancos, que se organizam para isso. Antes da constituição de 88, a reclamação de alguns povos indígenas era justamente de defender direitos sem necessidade de associação”.

Ele defende que uma organização funciona muito melhor segundo sua própria coletividade. “Um grupo de camponeses que trabalha, faz solidariedade entre si, mesmo que seja trabalhando pra produzir, pra venda, pra ir pro mercado, eles têm uma organização para produção muito mais efetiva do que uma cooperativa, do que uma sociedade ‘civil’, por que agem coletivamente. Tem uma ação coletiva. Então colocar isso em regras – ‘quantas horas o trator vai colher? como é que faz o mutirão quando vai colher o feijão? quantas pessoas por família têm que ir colher o feijão?’ -, essa burocratização do sistema atrapalha a organização social. Por isso nossas dificuldades.”, afirma.

Uma organização formal capaz de gozar de seus direitos perante a lei exige de seus membros o cumprimento de procedimentos administrativos, contábeis, fiscais, entre outros, a exemplo de ter um estatuto atualizado e condizente com a sua atuação e manter uma contabilidade organizada. A administração de recursos é um ponto delicado citado pelo professor Marés em sua fala, em caso de descumprimento de alguma obrigação.

“O grande drama daí é que se você não cumpre, o banco não permite a movimentação da conta. O dinheiro é bloqueado. A associação não está suficientemente organizada pra movimentar o dinheiro, então o banco tranca. Eu acho que talvez o que a gente precise pensar é em alguma alternativa, evidentemente legislativa e institucional, pra facilitar a vida dessas organizações que se fazem por meio de gente existente. Que não seja só um atrapalho, mas sobretudo uma solução”, destaca.

Roda de Conversa “Contabilidade e os desafios à sustentabilidade das organizações indígenas da Amazônia”

Arte: Ingrid Silveira

A flexibilização das exigências feitas às organizações indígenas foi um ponto abordado durante os debates, passando aí desde a elaboração dos editais até as prestações de contas para até mesmo a diferença de modalidade de prestação entre diferentes financiadores, algo que dificulta mais ainda o processo; se é necessário pensar alternativas em que se definam um tipo de organizações que serão submetidas a auditorias mais rigorosas e outras que não, etc.

A roda de conversa contou com participação de outros convidados, entre eles, o contador e advogado da Coiab, Samuel Miranda. Antes da realização do encontro, a CESE enviou um questionário a 40 contadores as e contadoras que têm experiência de trabalho com organizações indígenas, fazendo algumas perguntas para, dentre outros pontos, mapear dificuldades e facilidades que identificaram em seus trabalhos junto a povos originários.

Eles/as também foram convidados/as a apresentarem sugestões para essas organizações. Algumas delas: projetos que garantam custos fixos do ponto de vista da contabilidade; parcerias com faculdades e instituições de ensino, com foco nos cursos de administração e contabilidade; além de capacitações nesses campos.

Há 4 anos, a CESE executa esse projeto em parceria com a COIAB e DH Advocacia com intuito de fortalecer organizações indígenas, especialmente as de bases locais da COIAB. Até o momento, 73 organizações tiveram projetos apoiados e participaram de uma capacitação jurídica que discutiu as obrigações para uma organização se manter regularizada, até um outro diálogo sobre o que é uma organização forte para elas.

Vinicius Benites Alves, Assessor de Projetos e Formação da CESE, explica que durante a execução desse projeto, foram encontradas dificuldades e facilidades no âmbito da realidade das organizações indígenas “Essa conversa é pra entender esses pontos e mapear recomendações pra que a gente possa juntos pensar novos desafios”, pontua.