Jovens comprometidos em garantir a permanência no território e o acesso à água. Essa é a ação da organização Associação Agentes Agroflorestais Quilombolas (AAQ), criada por jovens adultos do quilombo Santa Rosa dos Pretos, zona rural de Itapecuru-Mirim, no Maranhão. O projeto foi contemplado pelo Programa de Pequenos Projetos da CESE, tornando viável a construção de um poço artesiano e uma fossa em campo agroflorestal de cultivo coletivo. A ação é vital para autonomia no acesso às águas no território, bem como para plantio e soberania alimentar da comunidade.
Instalado no campo de cultivo, o pleno funcionamento do poço artesiano e a construção da fossa da casa de apoio tornam possível o acesso a dois dos direitos mais básicos: o acesso a água e saneamento básico. A instalação desses equipamentos é estratégica para a garantia de produção de alimento periódica para as jovens do AAQ e suas famílias, bem como para a produção da panificadora da Associação. Essas conquistas também contribuem para a permanência dos mais jovens no território, ao viabilizarem as ações de geração de emprego e renda, seja na panificação, seja no plantio.
“A instalação do poço e da fossa significa ter acesso a questões básicas, ter acesso a saneamento e ter principalmente acesso à água. A gente, enquanto juventude, busca soberania alimentar, procura permanecer no território. A gente não quer ir pra grandes cidades passar pelo que sabemos que jovens pretos passam: o extermínio, a exploração em formas análogas à escravidão. A gente quer ficar em nosso território, em nossa casa, o que representa para a gente estar em segurança” revela a coordenadora geral da instituição, Josicléa Pires da Silva.
Juventude quilombola – A AAQ é fruto da ação de 20 jovens quilombolas, comprometidos com criar condições para permanência de seus pares, bem como trabalhar pela preservação dos modos de vida do território. “Essa é uma associação de jovens que estão se colocando num lugar de construtores da nossa permanência hoje, no presente: a gente está fazendo nosso amanhã hoje. Estamos muito conscientes do cuidado com a natureza. A gente tem muita consciência que as nossas ações dentro do território têm a ver com a manutenção cultural e dos meios de vida, dos costumes, também com a garantia da continuidade desse lugar, garantir a permanência de outros – que nós nem vamos saber, mas eles vão saber de nós” acrescenta a jovem liderança.
O processo de construção do poço foi fruto de uma ação conjunta entre os trabalhadores experientes em processos de escavação e perfurações e os próprios jovens do território. A ação significou também um processo formativo para a comunidade, que pôde aprender na prática como fazer todo processo. “O poço está ótimo e funcionando. Tem água na casinha, tem pia, tem o banheiro com chuveiro com tudo funcionando. A gente já fica lá também na casinha, pode dormir e tem cuidado e plantado” conta a gestora. Na casa, estão armazenadas as matérias primas para plantio e da padaria, empreendimento que deverá gerar trabalho e renda para a comunidade. “Até que a gente consiga construir a padaria quilombola, a gente está a todo o gás mesmo e acredita que é possível sonhar, porque o sonho já é real”.
A AAQ nasce em 2017, fruto da ação conjunta dos jovens quilombolas de Santa Rosa, seguindo os passos dos mais velhos na luta e resistência no território. A Associação nasce com a missão de ser um espaço de fortalecimento da comunidade e criação de estratégias diante das violências racistas cometidas pelo poder público, pelas grandes empresas e latifundiários. Um dos focos principais do coletivo é a garantia da permanência dessa geração e das futuras no território ancestral.
A continuidade em suas terras representa também garantir a preservação das matas e igarapés, que são moradas dos Voduns, entidades que vieram com os ancestrais africanos. A relação direta da espiritualidade com a o território se expressa também no acesso aos direitos básicos como a autonomia de água, a recuperação dos igarapés e no replantio de árvores nativas. A autonomia e soberania alimentar são pautas da AAQ, que já trabalha com agroflorestal, em áreas de plantio coletivo e hortas familiares.
A associação também garante formações com os quilombolas e originários, com foco no combate ao racismo e estímulo à autonomia dos povos. Um dos destaques dessa ação é a retomada da escola quilombola do território, implementando currículo autônomo antirracista, criado pelo AAQ.
Esperançar – A ação concreta no presente para criar caminhos no futuro é o que move o grupo em suas práticas de “esperançar”. Na avaliação da AAQ, é nesse horizonte que as parcerias com agências e organizações apoiadoras são significativas por contribuir na concretização dos projetos para melhoria da qualidade de vida do quilombo. “A parceria ajuda a vislumbrar essa esperança como possível. É a garantia para nós que outro mundo é possível, um mundo diferente desse que a gente tem. A parceria com a CESE, bem como com outras entidades, é importante para somar e fortalecer a autonomia dos povos. Fazer agora aquele mundo que a gente visualiza” afirma a coordenadora.
“Só é possível um outro mundo quando é considerada a autonomia dos povos da mata, dos povos da Floresta, dos povos que vivem nesse meio – que é entendido enquanto meio rural. É esse povo que faz toda a manutenção e a garantia da vida, seja aqui onde a gente está, no meio do mato, e da vida de quem está no espaço urbano. Se não fossem esses povos, não teríamos mais nada de natureza, se nós, enquanto povos tradicionais e povos originários, não estivermos onde estamos.”