A 5ª Jornada Ecumênica chega promovendo encontros entre diversidades de fé para um mundo com menos fundamentalismos e violência de gênero
A palavra Ubuntu, da filosofia sul africana, significa união, solidariedade. E foi ela a grande motivadora da 5ª Jornada Ecumênica 2023, que teve como tema: “Eu sou porque nós somos” – Ubuntu – “Somos muitos, formamos um corpo, e cada membro está ligado a todos os outros” (Romanos 12:05) – Contra os fundamentalismos e pela justiça de gênero”.
Mais de 150 representantes de movimentos sociais e comunidades de fé se reuniram entre os dias 12 e 15 de outubro, no Centro Mariápolis Ginetta, em Vargem Grande Paulista – SP para debater as consequências dos fundamentalismos religiosos na América Latina e no Caribe. Principalmente no que se refere à violência contra as mulheres e as diversidades de gênero e o racismo religioso, especialmente contra as religiões de matriz africana.
A assessora para ecumenismo e diálogo inter-religioso da CESE, Bianca Daébs, falou sobre o tom do evento: “A Jornada aborda os fundamentalismos religiosos e a equidade de gênero. São duas pautas importantes do movimento ecumênico, porque os fundamentalismos acirram concretamente as violências contra as mulheres, população LGBTQIAPN+, povos e
comunidades tradicionais, povos de terreiro. Quando a gente traz isso numa perspectiva inter- religiosa, é um processo formativo. Nada mais importante do que produzir informação de qualidade no exercício de comunhão e reciprocidade. A Jornada traz para o centro o respeito mútuo, que é de fundamental importância para uma vida digna a todas as pessoas”
Construindo movimentos pela democracia
Os trabalhos na Jornada geralmente começavam com místicas de abertura. Eram feitas intervenções artísticas a fim de traduzir o sentimento de união. Primeiramente, foram destacados a pluralidade do evento e sua perspectiva latino-americana. Nesse momento, os diversos movimentos sociais presentes puderam colocar pelo espaço suas bandeiras de luta.
Uma das participantes da mística, Priscilla Ribeiro (Semente da Democracia), relata: “A justiça de gênero tem sido muito importante em termos de reflexão, porque a gente sabe que a nossa realidade é de muita violência. Lutar pela justiça é lutar pela democracia real, por uma sociedade mais fraterna para todos. Precisamos pensar novas consciências e construir novas frentes.”
Em seguida, como primeira demonstração do comprometimento entre as lideranças religiosas, Ana Gualberto (Koinonia Presença Ecumenênica), Sônia Mota (CESE- Coordenadoria Ecumênica de Serviço), Romi Bencke (CONIC-Conselho Nacional de Igrejas) e Renate Gierus (FLD- Fundação Luterana de Diaconia) acenderam velas em memória das Quatro Jornadas Ecumênicas anteriores. Foi lembrado de que forma elas foram luzes para a caminhada ecumênica. Ana Gualberto dispôs: “Ser Ubuntu é ser um só, em união, esse é o espírito dessa Jornada”.
Os(as) participantes puderam também colocar em evidência suas realidades particulares através de atividades em grupo. Uma delas foi o “Cochicho”. Os “jornadeiros e jornadeiras” trocaram informações sobre o que os mobilizava para o evento. Foi produzida uma nuvem de palavras que incluía “ecumenismo, intolerância, resistência, religião”, entre outras. Tais temas foram então discutidos em uma mesa composta por Ana Gualberto (Koinonia), Sônia Mota (CESE), Ricardo Mendes (Comunna-SP) e Waneska Bonfim (Diaconia Recife).
Um dos destaques entre as atividades foi o momento em que os grupos puderam circular pelo espaço e visitar os varais expositivos que contavam as histórias das organizações. Entre eles estava o da CESE. O varal resgatou a trajetória da organização desde a fundação em 1973 destacando os principais eixos de trabalho: Programa de Pequenos Projetos, Ações de Formação, Incidências Públicas, com destaque para as ações voltadas para o ecumenismo. Os(as) visitantes puderam também levar alguns exemplares de publicações importantes da CESE.
Oficinas: rodas de diálogo para o ecumenismo
A CESE ofereceu duas oficinas na Jornada. A primeira foi “Como os Fundamentalismos religiosos atingem a vida das mulheres e a população LGBTQIAPN+ na Amazônia e no Cerrado” e a segunda “Fé e Resistência: a luta dos povos amazônidas e do cerrado contra o racismo religiosos em seus territórios”. Estas oficinas foram facilitadas por pessoas convidadas pela CESE que puderam compartilhar suas vivências. Entre eles estavam Amilton Gonzaga, do CONAQ-Coordenação Nacional de Articulação de Quilombos, que destacou como os territórios quilombolas são afetados pelos fundamentalismos; Breno Vinícius, da SOMAR- Rondônia que trouxe a perspectiva da violência contra a população LGBT; Sandriele Kaiowá e Jaqueline Aranduhá, da Kuñangue Aty Guasu, Grande Assembleia de Mulheres e Guarani e Kaiowá no Mato Grosso do Sul; Isabel Dessana, da Associação das Mulheres Indígenas do Alto Rio Negro, e Mãe Nilda de Oxum, líder umbandista de Porto Velho-RO.
Isabel Dessana afirmou: “Hoje procuro na minha atuação nos movimentos sociais indígenas e não-indígenas levar essa conscientização, essa abertura do ecumenismo para outras pessoas com quem eu convivo, com quem eu participo. Porque o fundamentalismo mata.”
Como resultado dos trabalhos, Sônia Mota celebrou a diversidade de vozes: “Creio que a presença das representantes dos povos indígenas tanto da Amazônia quanto do Cerrado e também de quilombolas trouxe uma reflexão bem diversificada e com outros olhares. Isso nos desafia enquanto movimento ecumênico a abraçar essas causas. Acho que as oficinas foram bem concorridas. Muitas pessoas tiveram interesse de vir escutar e penso que as pessoas que passaram por lá saíram bastante impressionadas e também bastante motivadas e comprometidas com aquilo que escutaram”.
As oficinas e o depoimento das representantes indígenas do MS fizeram também surgir mobilizações políticas. Foi feita um pronunciamento público da Jornada em apoio a Grande Assembleia das Nulheres Indígenas Kuñangue Aty Guasu, condenando veementemente as violências cometidas contra os povos indígenas e denunciando os fundamentalismos religiosos que causam dor e morte aos povos indígenas. Leia aqui
Ao final dos quatro dias de evento, foram semeados encontros, reencontros e parcerias entre os(as) diversos(as) participantes. Que venha a próxima Jornada!