Roda de Diálogo aponta caminhos para construção do antirracismo nas Igrejas

Por que crianças negras são impedidas de vivenciarem a plenitude da sua infância? Quantas pessoas negras morrem nas filas dos hospitais? Quantas mulheres negras sofrem violência obstétrica? Quantas irmãs pretas de igrejas choram por filhos/as assassinados/as? Ciclos de dor e violência renovados diariamente pela perversidade do racismo e pela manutenção das estruturas do poder da elite branca brasileira.

E nas Igrejas? Onde estão as mulheres negras? Desempenhando atividades braçais? Quais são as referências teológicas? Como são os cânticos e as tradicionais celebrações? Porque falar da reprodução de práticas racistas nas igrejas causam incomodo e constrangimento? Infelizmente, interpretações racistas da Bíblia foram base para a escravidão e sustentam o racismo e a intolerância religiosa ainda hoje.

Essas reflexões foram trazidas pela pedagoga e educadora popular, Liz Guimarães, e pelo Reverendo Anglicano, Adriano Portela, durante a “Roda de Diálogo: Caminhos de Fé e Justiça, por uma igreja ANTIRRACISTA”, realizada pelo Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC) e pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE). A iniciativa faz parte da Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC), coordenada no Brasil pelo Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil.

Vinculada ao tema: “Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça.” (cf.: Isaías 1,17), a roda de diálogo trouxe a importância do debate antirracista nas igrejas, a garantia da dignidade humana das pessoas negras, e a necessidade permanente de combate e denúncia de todas as formas de racismo e discriminação.

A negação da África na Bíblia

Em 14 de maio de 1888 iniciou-se no Brasil a negação do passado, de todas as revoltas populares, constituídas em sua maioria por pessoas negras e pardas, livres e escravizadas para “abolir” a escravização no país. E assim tem sido invisibilizada todas as contribuições e conquistas negras, seja na ciência, na literatura, na tecnologia, e na cultura. E isso não é diferente quando se trata do ambiente das igrejas. As experiências cristãs são repletas de apagamentos do que vem da África. “Se observamos o final das bíblias antigas há mapas que mostram a trajetória do povo e as viagens de Paulo, por exemplo. Neles há bastante circunscrito mapa mundi, E nos fazer refletir onde está a África.”, descreve Liz Guimarães.

Para a pedagoga, há ainda no imaginário popular a universalização da África, como um lugar único, que desconsidera a diversidade de países e povos africanos. E esse desconhecimento influencia a forma com que as narrativas bíblicas chegam nas pessoas: “Há evidências importantes da presença do povo do continente africano. Quando uma mulher fica branca ao contrair lepra traz indícios que ela não era branca. Há várias histórias de mulheres negras. Histórias que precisar ser apresentadas de forma diferente da perspectiva colonizadora que circulam nas comunidades cristãs.”, afirma a educadora, que também é integrante da Rede de Mulheres Pretas Evangélicas.

Muitas vezes a perspectiva política do racismo é negada em muitas igrejas. Mestre e doutor em Literatura e Cultura, Adriano Portela traz para o debate a importância de reconhecer esse problema como estruturante na sociedade e nas igrejas. Para o reverendo o exercício começa dentro de casa, olhando para as próprias comunidades: “A ação de denunciar práticas racistas ou se posicionar sobre esse tema parece que algo é dado, mas não. Há uma perspectiva maior de engajamento, mas existem também as dificuldades. Os casos de racismos podem acontecer, mas vão se amontoar e não serão colocados nos grupos e nem nos púlpitos das igrejas de forma tão explícita. O lugar da fé e da religiosidade continua sendo um espaço privilegiado de escuta, alcance e formação. Temos que aproveitar esses espaços para reverberar a luta antirracista”, declara.

Adriano traz como o desconhecimento sobre história, geografia e a cultura da África atravessa as igrejas e trazem o referencial branco/europeu. Para ele é extremamente importante investir em espaços permanentes para debates, liturgias, educação teológica e pastoral: “É necessário criar cadeiras que pensem temas emergentes e trazer a influência africana no cristianismo.”.

Neste aspecto Liz conta que essa violência simbólica estabelece um projeto também de dominação teológica: “Os/as africanos/as estão na história universal. A origem da ciência não vem da Europa e sim do Egito. Então, a mesma seletividade que socialmente acontece no aspecto científico de história e reprodução, acontece com a teologia. Teólogos negros e, principalmente teólogas negras, foram apagadas/os e silenciadas/os.”. E complementa que essa teologia tradicionalmente branca vem de uma fonte muito perversa: “Não há uma estruturação para cuidar e acolher as pessoas negras. E sim para trabalharem para o desenvolvimento de um determinado lugar.”, exemplifica.

Se por lado, a recepção do texto sagrado favoreceu a domesticação, e o sofrimento dito como necessário para a manutenção das estruturas de dominação, por outro trouxe também a questão da identificação. “Pessoas negras em situação de escravização souberam olhar para escrituras e relacionaram com suas histórias, para que pudessem ter forças para enfrentar a dura realidade. É impossível pensar nas minorias étnicas e raciais, sem pensar na fé. Uma fé manifestada diversas formas.”, afirma o representante da Igreja Anglicana.

E continua: “Lançar um olhar sobre essas questões, não vai nos restringir apenas ao cristianismo colonizador. Nos coloca enquanto cristãos em outra forma de organização. Nos encaminha a promover igualdade e diversidade nas relações internas e externas, que vão desde publicidade, referência ilustrativas até a estética negras nos cultos. E nos estimular a criar estratégias e remover obstáculos para que negros/as estejam em posições de liderança.”, finaliza.

Sobre a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC)

Promovida mundialmente pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade dos Cristãos e pelo Conselho Mundial de Igrejas, a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) acontece em períodos diferentes nos dois hemisférios.

No hemisfério Norte, o período tradicional para a Semana de Oração pela Unidade Cristã (SOUC) é de 18 a 25 de janeiro. Essas datas foram propostas em 1908, por Paul Watson, pois cobriam o tempo entre as festas de São Pedro e São Paulo, e tinham, portanto, um significado simbólico.

No hemisfério Sul, por sua vez, as Igrejas geralmente celebram a Semana de Oração no período de Pentecostes (como foi sugerido pelo movimento Fé e Ordem, em 1926), que também é um momento simbólico para a unidade da Igreja. No Brasil, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs (CONIC) lidera e coordena as iniciativas para a celebração da Semana em diversos estados.

Levando em conta essa flexibilidade no que diz respeito à data, estimulamos a todos os cristãos, ao longo do ano, a expressar o grau de comunhão que as Igrejas já atingiram e a orar juntos por uma unidade cada vez mais plena, que é desejo do próprio Cristo (Jo 17:21). Clique aqui e baixe a logomarca da Semana. 

Semana de Oração (SOUC), edição 2023

▶ PERÍODO

De 22 a 28 de maio.


▶ TEMA


“Aprendei a fazer o bem, procurai a justiça.” (cf.: Isaías 1,17)


▶ ORAÇÃO OFICIAL


Clique aqui e confira a Oração oficial da SOUC para 2023.

▶ APRESENTAÇÃO E MOTIVAÇÃO

Leia, neste link, a carta da Diretoria do CONIC apresentando e motivando a SOUC.


▶ CARTAZ


A arte escolhida foi enviada por Hilda Souto e Eva Gislane Barbosa.

Clique aqui e leia a explicação do autor para a arte.

Clique aqui para baixar o cartaz em alta resolução.

▶ INTRODUÇÃO AO TEMA PARA O ANO DE 2023

O tema que inspira a Semana de Oração pela Unidade Cristã, edição 2023, foi escolhido e preparado por um grupo ecumênico dos Estados Unidos da América, a convite do Conselho de Igrejas de Minnesota. Este grupo foi composto por pessoas ecumênicos, ativistas em direitos humanos, algumas delas pastores/as em comunidades e congregação, outras não. O grupo foi acompanhado por outro grupo internacional integrado pelo Pontifício Conselho para a Promoção da Unidade Cristã do Vaticano e pela Comissão Fé e Ordem do Conselho Mundial de Igrejas

Minnesota caracteriza-sehistoricamentepela profunda disparidade racial. Entre as inúmeras violências racistas, destaca-se a ocorrida do dia 26 de dezembro de 1862, quando 38 pessoas da etnia indígena Dakota foram enforcadas em Mankato. As execuções ocorreram no contexto da guerra travada entre os Estados Unidos e o povo Dakota. No momento da execução, as 38 pessoas cantaram o hino Wakantanka taku nitawa (Muitos e Grandes).   

A brutalidade do massacre contra o povo Dakota não contribuiu para que, ao longo dos anos, fossem assumidos compromissos para o enfrentamento do racismo. Ao contrário, outras histórias tão cruéis como a ocorrida em 1862 aconteceram. A mais recente, que repercutiu globalmente, foi o assassinato de George Floyd, em março de 2020, no contexto da Covid-19. O crime foi cometido pelo policial de Minneapolis, Derek Chauvin. Este crime, perpetrado por um agente a serviço do Estado, mobilizou a população afro-americana, que denunciou os inúmeros crimes racistas que ocorrem diariamente no país. Esta onda de mobilização e denúncia ficou conhecida como “Vidas negras importam” e contribuiu para a amplificação das denúncias de crimes racistas que ocorrem diariamente em diferentes países, em especial, naqueles em que o colonialismo se atualiza. O policial Derek Chauvin foi demitido e tornou-se o primeiro oficial de polícia na história moderna de Minnesota condenado pelo assassinato de uma pessoa negra.

O racismo nos Estados Unidos é o maior fator de divisão interna das comunidades eclesiais. É por isso que nossos irmãos e irmãs de Minnesota nos alertam, a partir de suas experiências, que não é possível falar em unidade da igreja e entre as igrejas sem assumir o racismo como um dos principais pecados geradores de divisão. Enquanto não conversamos sobre o racismo e não assumirmos compromissos concretos para superá-lo, seremos igrejas divididas. 

O Conselho de Igrejas de Minnesota nos convoca à reflexão sobre os desafios que precisamos enfrentar, para que o testemunho de fé em Jesus Cristo seja antirracista.  Como igrejas, temos o desafio de olhar para nossa história a fim de realizar a crítica da relação instrumentalizada entre a fé cristã e o colonialismo. Ao longo da história, essa relação nada evangélica legitimoucom argumentos teológicosa escravização de povos originários e africanos

Agradecemos profundamente ao Conselho de Igrejas de Minnesota por sua profecia antirracista realizada por meio das leituras da Escritura, das orações, das celebrações e das músicas escolhidas para a Semana de Oração pela Unidade Cristã, 2023.

▶ E-BOOK DA SOUC 2023

Desde o ano de 2021, os materiais alusivos à SOUC passaram a ser exclusivamente virtuais.

Clique aqui e baixe o Caderno de Celebração (e-book da SOUC 2023).