RBJA apresenta denúncias sobre violações do Estado Brasileiro na Comissão Interamericana de Direitos Humanos

Com apoio da CESE, iniciativa gerou documentos sobre a situação da justiça ambiental no Brasil

Diante dos constantes ataques ao meio ambiente promovidos pelo Governo Federal anterior nos últimos quatro anos, a Rede Brasileira de Justiça Ambiental (RBJA) denunciou a situação de degradação da justiça ambiental no Brasil junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos. A ação faz parte do projeto “Em defesa dos territórios e dos bens comuns: diálogos e convergências entre redes pelo combate ao racismo ambiental e fortalecimento das lutas por Justiça Ambiental” e contou com apoio da CESE através do Programa de Pequenos Projetos dentro de sua estratégia de fortalecimento de redes que têm atuação na Amazônia brasileira.

O projeto teve como objetivo ampliar o debate sobre meio ambiente a partir da perspectiva crítica da justiça ambiental, diante da atual conjuntura de retrocessos socioambientais e de retomada econômica pós-Covid-19. O campo da justiça ambiental está diretamente ligado às desigualdades sociais estruturais da sociedade brasileira, que expõem mais à degradação e aos riscos ambientais os segmentos de menor renda, grupos raciais discriminados, povos indígenas e comunidades tradicionais.

Maiana Maia, assessora da FASE e integrante do Colegiado Político da Rede Brasileira de Justiça Ambiental, recupera a memória de um dos mais trágicos episódios de crimes socioambientais recentes que foi o rompimento da barragem em Mariana para observar o racismo ambiental: “Alguns dados, por exemplo, mostravam que quase 85% das vítimas diretas do rompimento da barragem do Fundão, lá em Bento Rodrigues, eram não brancas. E que aproximadamente 70% dos moradores das localidades mais atingidas pelo rompimento da barragem de Brumadinho também se declaravam como não branca. Há um componente explícito mesmo naquela tragédia, naquele crime que parecia universal, que parecia atingir todos de forma desigual e não seletiva. A força ali da lama devastadora, mas ainda assim se você joga a lente verá quais são as comunidades e quais são a cor das pessoas que vão comprar casas ao lado de uma grande barragem de rejeitos tóxicos de mineral”.

Ela destaca que a discussão sobre meio ambiente, a partir do ponto de vista do desenvolvimento tecnológico pode guardar perspectivas colonizadoras.  “A perspectiva colonial é de que a natureza está aí para ser dominada, de que os povos e comunidades que tem relações não capitalistas precisam ser incluídos. Existe uma tendência na sociedade de uma sensibilização maior do ponto de vista das questões ambientais, mas não necessariamente acompanhada da perspectiva da justiça ambiental. E essa tendência é facilmente capturada e desmobilizadora das potências de produzir uma crítica e uma ruptura. É a esse modelo que produz injustiça ambiental e os mecanismos de racismo ambiental” considera a liderança.

A Rede Brasileira de Justiça Ambiental carrega a missão de escancarar e produzir constrangimento público sobre essa desigualdade social que é uma marca de nascença da sociedade brasileira e que se reproduz na esfera ambiental. “Seja visibilizando que há muitos sujeitos políticos e as suas formas de se relacionarem com a natureza. Que a forma de apropriação da natureza é capitalista e olha para o meio como insumo para a produção de commodities.  A gente acredita piamente que só uma luta ambiental comprometida com mudanças estruturais tem condições de ampliar o marco da proteção ambiental e, por isso, necessariamente a luta ambiental. Ela é uma luta antirracista. Ela é uma luta de defesa dos territórios, dos povos indígenas e comunidades tradicionais” considera a Rede.

Os territórios estiveram presentes de modo ativo e direto tanto na elaboração quanto na apresentação da acusação durante audiência. Esse momento foi fundamental para fazer com que a denúncia chegasse ao Estado brasileiro, e também uma oportunidade para serem apresentadas recomendações incisivas ao alto comissariado da ONU – inclusive, por vezes, foi preciso desmentir as informações prestadas pelo Estado. De acordo com Maiana, foi a primeira vez que foi aceita uma denúncia com essa conexão entre defensores e desmonte das políticas públicos. “Foi extremamente importante diante do momento político em que vivíamos, sem abertura nas instituições brasileiras nacionais”. A ação de denúncia já foi encerrada e agora a Rede segue atenta aos seus desdobramentos. 

A denúncia foi realizada através da articulação entre os membros da RBJA, com expertise nas discussões sobre justiça global, tecendo uma interconexão entre o desmonte e o agravamento da violência contra defensores e a vulnerabilidade nos territórios, especialmente com o aprofundamento dos conflitos gerados pelo incentivo às atividades exploratórias, ao garimpo ilegal e ao armamento, além da falta de fiscalização e controle.

“A gente conseguiu dar um passo além das denúncias de injustiças ambientais e sistematizar algumas proposições que contribuiriam para a promoção da justiça ambiental. No diálogo com o governo de transição, tivemos espaço para falar sobre o desmonte da política de meio ambiente e a derrocada do sistema de licenciamento. Também conseguimos oferecer um primeiro esforço coletivo de propostas tanto do ponto de vista da gestão da política ambiental, quanto a possibilidade de que povos e comunidades tradicionais e movimentos sociais participassem destes debates”, relata Maiana.

O Projeto – Com ações formativas, de incidência política e estratégias de comunicação, o trabalho feito a partir da iniciativa contribuiu diretamente para o aumento da sensibilidade da sociedade para a questão ambiental e climática e disseminação da noção que o “meio ambiente” não é um só, mas envolve a cultura. O projeto debateu as relações entre as noções de justiça ambiental e racismo ambiental, compreendendo que o racismo baliza os impactos gerados por sobre comunidades, afetadas por grandes projetos que colocam em xeque a justiça ambiental.

Essa troca permitiu o encontro entre membros da Rede, atualização dos repertórios através do mapeamento de práticas e novas agendas. Na oportunidade, as participantes puderam ampliar suas trocas e alianças, especialmente com os territórios da Amazônia, permitindo o fortalecimento da articulação e a troca de experiencias entre sujeitos que enfrentam conflitos e injustiças ambientais em seus territórios.

A RBJA ainda rearticulou grupos de trabalhos temáticos para discutir e prever agendas sobre resistência aos desmontes, que tem foco na denúncia junto à Comissão Interamericana de Direitos Humanos; o Tratado União de Estados do Mercosul, com foco em explicitar o caráter colonial e racista do tratado, através da produção de um documento para incidir e articular a Rede à frente brasileira contra o tratado UE Mercosul; Águas, visibilizando os usos e sentidos múltiplos das águas para os povos e suas praticas de proteção e gestão das águas e ao mesmo tempo denunciar a sua captura e contaminação pelo agronegócio e pela mineração, entre outras.

O projeto também teve foco na comunicação, de modo estratégico, a fim de dialogar com diferentes públicos e fazer incidência política através da construção de documentos técnicos que serão apresentados ao novo governo – a própria denúncia foi uma destas peças. A RBJA produziu um documento para incidência junto às outras redes, denunciando o caráter colonial e racista do Tratado UE Mercosul, que aprofunda as injustiças e racismo ambiental.

“Alguns dos documentos e materiais de comunicação que a gente produziu tiveram esse caráter, inclusive para a incidência junto a outras redes, porque a gente acredita muito na cultura política, de diálogos e convergências entre redes. A gente acredita muito na tarefa que cabe à Rede Brasileira de Justiça Ambiental, que é também de atuar junto a essas outras redes”, explica Maiana.

 Além da preparação dos documentos, também foi estratégia da comunicação alimentar o site e as redes sociais da própria RBJA, produzindo conteúdo informativo sobre justiça ambiental e as ações da rede, bem como para o site territorioslivres.org, gerindo um repositório de conteúdo sobre as lutas. Também foram realizados podcasts, explorando essa ferramenta de comunicação para ampliar o alcance e os públicos.

“Este projeto com a CESE nos possibilitou uma primeira abordagem mais comprometida do ponto de vista da potência comunicativa da Rede e pela primeira vez poder contar com uma comunicadora. Desde o nascimento da Rede estava nos horizontes contar com uma base de comunicação e hoje a gente tem um site que organiza um pouco a nossa memória, que visibiliza as cartas, os documentos, as notas que foram lançadas, principalmente as mais atuais, produzidas no período de execução do projeto”, conclui a assessora.