A empresa Bahia Terminais S.A vem descumprindo a decisão judicial que determina a suspensão imediata da construção de um terminal portuário na região de Ilha de Maré, em Salvador, expedida na última quarta-feira (10) pelo Juiz Federal da 3ª Vara Cível, Eduardo Gomes Carqueija. Desde o último sábado (13), pescadores/as da localidade vêm flagrando e denunciando a continuidade irregular das obras.
Desde setembro de 2020, já em meio à pandemia de Covid-19, as comunidades tradicionais de Ilha de Maré foram surpreendidas por um processo de desmatamento dos manguezais da região iniciado com essas obras, causando a destruição de fauna e flora locais e dos meios de sobrevivência das pescadoras, pescadores e marisqueiras. À época, nenhum membro da comunidade foi sequer consultado.
A região foco de devastação situa-se dentro da Baía de Aratu. Desde o início das obras, pescadores/as já denunciavam que o espaço poderia vir a se transformar em mais um porto na região, desconsiderando a capacidade de suporte do meio, o ecossistema e os impactos sociais e econômicos, especialmente na pesca artesanal.
A decisão judicial também determina em caráter de urgência a suspensão imediata da licença da instalação do complexo portuário de titularidade da Bahia Terminais S.A; de autorização de supressão de vegetação; manejo de fauna; outorgas para intervenção em recursos hídricos; e de uma licença unificada para instalação de pátio de estocagem – todas concedidas à empresa pelo Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema). O empreendimento está localizado em Área de Preservação Permanente.
Segundo moradores da região, até a manhã desta terça-feira (16), nenhuma autoridade ou entidade fiscalizatória compareceu à localidade para verificar e garantir que as obras sejam interrompidas. Marizélha Lopes, uma das lideranças locais e representante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), diz que denunciou o fato ao MP.
“Falei com uma promotora. Ela me disse que iria notificar o fato ao juiz. Nós solicitamos que fizessem a fiscalização. Também entramos em contato com jornalistas de grandes veículos da imprensa na sexta-feira, mas não tivemos resposta até agora”, expõe a militante. Marizélha também denuncia a constante violação de direitos sofrida pelas comunidades de Ilha de Maré.
“Nós somos um grande bairro negro de Salvador, vítimas de racismo ambiental; constantemente sofremos violências desse tipo. A sensação que fica é de que está se seguindo a orientação do ministro do Meio Ambiente – de passar a boiada. A gente vive desse rio, é ele que nos dá condições de pesca no inverno, é onde a juventude dá seus primeiros passos na pescaria”, desabafa a pescadora.
O Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP), a Colônia de Pescadores da Ilha de Maré de Salvador e o Conselho Quilombola da Ilha de Maré enviaram uma nota ao Inema nesta segunda-feira (15), por meio do seu canal de denúncias, cobrando a execução das medidas determinadas pela Justiça Federal.
“A empresa Bahia Terminais descumpre a decisão judicial, continua realizando intervenções físicas na área, de modo ainda mais intenso, com a introdução de dezenas de retroescavadeiras e caçambas industriais, derrubando morros, devastando a Mata Atlântica e manguezais, afetando gravemente a fauna e aterrando manguezais em grandes proporções e colocando em grave risco a sustentabilidade do território remanescente de quilombo da comunidade Boca do Rio e inúmeras outras comunidades quilombolas que fazem uso ancestral desse território”, diz um trecho da nota.
Histórico de violações de direitos
Desde 1950, tem início um forte processo de industrialização da região, que já era habitada por comunidades quilombolas, com a instalação de indústrias ligadas à área petroquímica. Os efeitos deste processo foram rapidamente sentidos pelos moradores e moradoras locais e hoje estão documentados em pesquisas.
O Porto de Aratu é o principal escoadouro dos produtos produzidos no Pólo Petroquímico da Bahia, localizado na cidade de Camaçari (BA).
Há anos, o descarte irresponsável dos produtos tem contaminado as águas e adoecido a população de Ilha de Maré. Vários estudos comprovam o impacto dessa contaminação na saúde dos pescadores e pescadoras da localidade. Um dos casos mais graves aconteceu devido ao acidente do navio Golden Miller. Em 17 de dezembro de 2013, o navio das Bahamas espalhou uma mancha de óleo pela Baía de Todos os Santos.
Um estudo realizado por Neuza Miranda, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostra que a poluição das águas tem gerado um acúmulo de metais pesados em toda a cadeia alimentar regional. Como os peixes são parte fundamental da alimentação dos moradores, estes metais estão sendo ingeridos constantemente por eles.