Ancestralidade, identidade, renovação e luta popular. Esses são alguns pontos estratégicos que o coletivo Movimenta Juventude, da Comunidade Quilombola de Lagoa Grande, na zona rural de Feira de Santana (BA), tem buscado articular para fortalecer a organização dos jovens no seu território. Com entusiasmo e dedicação, o grupo se prepara para a “I Pré-Jornada da Juventude”, evento que será realizado entre os dias 6 e 9 de junho e busca fortalecer a identidade comunitária e ampliar a luta em defesa da soberania popular. O encontro, apoiado pela CESE, parte da necessidade de envolver a juventude nas atividades e debates políticos da comunidade quilombola.
Tamille Ferreira, educadora popular, filha do território e idealizadora do Coletivo Movimenta Juventude de Lagoa Grande, explica que a criação do grupo – que surge após em novembro de 2023, no contexto das mobilizações antirracistas – é fruto do seu contato com a Teia dos Povos e com a inquietação de vários jovens que sentiram a necessidade de se reconectar com sua própria comunidade. “A ideia do coletivo parte de um desejo, de uma vontade, mas também de um olhar de necessidade de retomada dos vínculos e laços com nossa história, nossa identidade e nossa terra”, aponta.
O lema do encontro – “Eu sou a continuação de um sonho: das águas das lagoas emergem jovens guardiões pela defesa da terra e do território” – é uma síntese desse processo que vai da formação do coletivo à realização da Pré-Jornada, e aponta a ideia de circularidade presente na relação dos jovens com seus mais velhos. “O lema nasce com esse foco de conectar a juventude com a ancestralidade, perseguindo uma ideia muito orientada por Nêgo Bispo, de que a vida é esse ciclo de começo, meio e começo”, salienta Tamille.
A tecedora da Articulação Teia dos Povos também denuncia o processo de racismo ambiental nos territórios quilombolas, que vêm sofrendo não apenas com a degradação das águas, mas também com os impactos das energias consideradas “limpas”. “Nosso território enfrenta muitos desafios, principalmente no que se refere às suas águas, lagoas e nascentes, num processo de degradação violentíssimo, inclusive de responsabilidade do poder público. Outro aspecto é o da linha de transmissão, que traz a ideia das energias ‘renováveis’, abordada como energia limpa, mas que têm causado uma devastação e um impacto absurdo às comunidades”, destaca. O encontro, nesse sentido, também pretende ampliar a consciência dos jovens para lutar contra esses impactos. “Então a gente traz essa identidade de luta, tanto das águas quanto das energias renováveis, mas fazendo essa leitura de reconexão entre a experiência mestra dos mais velhos e a vontade da juventude em retomar esses vínculos”, completa Tamille.
Mobilização da juventude
A Pré-Jornada pretende reunir 200 jovens da região numa programação que mescla atividades culturais e rodas de conversa sobre temas como conflitos territoriais, educação escolar quilombola e agroecologia. Tamille destaca que já foram realizados encontros de mobilização para dialogar sobre a proposta do encontro com a juventude e ainda estão previstas pelo menos outras duas atividades. O sentimento é de animação e muita expectativa. “A gente tem sentido o poder e a guiança da ancestralidade e da espiritualidade em cada passo que a gente dá”, relata. Além das iniciativas mobilizadoras, os jovens também irão se organizar em mutirões para preparar o espaço do evento.
Mais do que uma atividade, a jovem destaca a riqueza do processo de construção do encontro e como a aprovação do projeto pela CESE trouxe confiança para o coletivo ampliar as articulações e parcerias. “Foi um sentimento de vitória imensa, de dizer ‘a gente pode, a gente consegue’. A partir daí, tivemos mais fôlego de buscar outros passos, com a UFRB, UEFS, sabendo que, se a gente quer construir essa atividade com essa grandiosidade, a gente vai precisar de muito mais mãos contribuindo. E isso tem acontecido de uma forma muito linda”, diz, emocionada.
E esse é só o começo. O objetivo é que a Pré-Jornada seja apenas um ponto de partida para outros processos de mobilização e luta da juventude. “A ideia é que essa atividade seja um pontapé e que, em outros momentos, a gente consiga garantir recursos para que esses encontros se perdurem. Então esse momento inicial, que foi permitido sonhar a partir do apoio da CESE, tem trazido outras expectativas, outros sonhos, outra esperança. A juventude de Lagoa Grande está esperançando outras vivências e fazendo isso de forma muito potente”.