Formação promovida por CESE e Coiab discute participação política, memória, comunicação e violência entre mulheres indígenas

Arte: Ingrid Silveira.

Um passado de lutas que não pode ser esquecido, a disputa constante de narrativas, a incidência e luta por seus direitos. A luta pela vida! A memória, a comunicação, a participação política e a violência são fenômenos que atravessam profundamente a trajetória dos povos indígenas da Amazônia Brasileira. Entre os dias 25 e 26 de abril, mais de 20 mulheres indígenas se reuniram para trocar experiências sobre estas pautas.

O encontro “Guerreiras e Guardiãs: fortalecendo as mulheres indígenas da Amazônia”, realizado pela CESE em parceria com a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab), contou com participação de mulheres indígenas de 24 organizações, além de 10 comunicadoras da Rede de Jovens Comunicadores da Coiab. A iniciativa teve apoio do Instituto Clima e Sociedade (ICS) e Fundação Ford.

No tema da participação política, os debates foram inspirados por relatos de Nara Baré, coordenadora executiva da Coiab, e O’e Kayapó, coordenadora da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira (Umiab). Judite Kari Guajajara, advogada da Associação das Mulheres Indígenas do Maranhão (AMIMA) e Braulina Baniwa, da Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (ANMIGA) falaram sobre violência. E Alana Manchineri, articuladora da Rede de Jovens Comunicadores Indígenas da Coiab e Claudia Ferraz, do povo Wanano, da Rede Wayuri, conduziram os debates sobre comunicação e memória.

O’e falou sobre como vêm crescendo aos poucos o número de mulheres presentes em espaços de tomadas de decisão. Ela própria é um exemplo disso: além de coordenadora da Umiab, ela é cacica de sua aldeia. O’e conta que em terras Kayapó, existem 6 mulheres cacicas, mas faz questão de enfatizar que essas mulheres ainda enfrentam barreiras machistas nestes espaços.

“A gente sabe que não é fácil estarmos nesse espaço. A maioria são homens e eles têm um posicionamento. A gente tem que se manter firme diante disso. Resistir dentro dos nossos ideais, diante de algumas decisões que a gente discorda. A gente não tá lá pra competir com os homens, mas sim ajudando, complementando nessas necessidades.”, afirma a liderança.

Ela complementa apontando que existem hoje mulheres representantes em outros espaços – a nível estadual, nacional. “Isso inspira outras mulheres. A gente sabe que tem muitas mulheres da base que não conhecem essas outras, que posicionamento têm, o que fazem. Muitas não têm acesso a telefone, internet. É preciso a gente multiplicar isso dentro do território.”

Nara Baré reforça que falar em um grupo de mulheres sobre os espaços que hoje elas conseguem ocupar – algo que há um tempo atrás não era possível – já é um sinal do que representa esse empoderamento. “Por isso também precisamos cada vez mais de organizações de mulheres, políticas, de defesas de direitos, de segmentos diferentes, seja de artesãos, estudantes, de canto, de dança. E também de articulações ou até mesmo departamento de mulheres dentro das organizações que nós temos nas nossas regiões.”

Mas ela faz questão de lembrar que a história que começa a dar frutos agora não é romântica como os livros ditos “oficiais” querem contar. “Nossa história foi romantizada para nós e não por nós, mas ela é de massacre. De resistência. Nossa sociedade é machista, como foi colocado aqui. Precisamos trazer esse ponto para cada região, para cada povo. Nos questionar ‘onde é que eu me encontro em um quadro nesse exato momento?’”.

A Rede de Jovens Comunicadores da Coiab conta com mais de 40 jovens indígenas dedicados/as a fortalecer as comunicações das organizações de base da Coiab e apoiar na proteção e acesso a direitos, dentre outros objetivos. A Rede trabalha com materiais de comunicação diversos (podcasts, animações em vídeo, cartilhas, etc.) que, em alguns casos, há um esforço de tradução para a língua materna dos povos.

“Quando a gente fala, é a nossa história sendo contada por nós. Nenhum não indígena vai mais contar a nossa história sendo que tem a gente pra contar as nossas próprias histórias”, afirma Alana Manchineri, articuladora da Rede. O trabalho dessa juventude assume um papel importante na trincheira das disputas de narrativas que permeiam a realidade dos povos da floresta.

A Rede Wayuri é mais uma na trincheira dessa disputa. Ela surgiu com o objetivo de fortalecer mais a comunicação dos povos indígenas do Rio Negro, levando as informações mais importantes para os parentes e dando vez e voz para jovens e mulheres indígenas. A Rede tem um programa de rádio na sede de São Gabriel da Cachoeira (AM), no qual fala sobre os principais problemas que ameaçam os povos indígenas, dentro do cenário atual.

A comunicação feita na língua materna dos povos indígenas das comunidades do entorno do Rio Negro também é uma estratégia utilizada pela rede. Ambas as redes atuam no combate às fake news. Claudia Ferraz, conta que no período de pandemia, uma grande preocupação interna foi a desinformação vinculada às vacinas, o que mobilizou a Rede em uma grande camada de atividades.

“Fizemos boletins informativos e cartilhas nas línguas, chamadas pra ser circulado em carro de som, tanto na sede e quando nas próprias comunidades. A preocupação era grande e continua sendo. Ainda hoje, nós seguimos reforçando a importância da vacinação, a importância dos cuidados.”, explica. Ela também pontua que as fake news vêm sendo alvo de formações dentro da Rede.

Judite Kari Guajajara e Braulina Baniwa falaram sobre seus trabalhos de pesquisa e de atuação no tema da violência contra mulheres indígenas; como esse tema está sendo trabalhado no âmbito do movimento indígena; exemplos de como lidar com esse tema em situações de conflito nas aldeias; o que é violência doméstica no âmbito de uma TI; relação com a Lei Maria da Penha e com o movimento anti-punitivista; importância e cuidados de trazer à tona esse problema; violência contra mulher x tradições culturais.

A ideia de incluir as comunicadoras como participantes do encontro foi aproximá-las das lideranças mulheres, de tal maneira que pudessem aprofundar mais e dar visibilidade à história da atuação política das mulheres indígenas em suas aldeias e territórios e no movimento indígena de forma mais abrangente.