Se valer da experiência de Fundos Rotativos e Solidários para contribuir para a construção da autonomia econômica de famílias, com especial foco nas mulheres e na juventude. Essa foi a motivação que levou o Centro de Ação Cultural – CENTRAC a desenvolver o projeto “Economia solidária gerando autonomia para as mulheres do semiárido paraibano”, contemplado no Programa de Pequenos Projetos da CESE. O projeto foi desenvolvido entre os meses de agosto e outubro de 2022, nos municípios de Aroeiras e Campina Grande, na Paraíba, e surgiu a partir das discussões sobre a problemática do desmantelamento das políticas públicas de desenvolvimento rural no âmbito governo federal.
A experiência com Fundos Rotativos Solidários (FRS) foi iniciada há anos por famílias camponesas de várias localidades do semiárido brasileiro, consistindo numa prática que funciona como uma poupança comunitária gerida coletivamente para fortalecer a agricultura familiar. “Aqui na Paraíba, na região do Fórum de Lideranças do Agreste (Folia), a experiência se fortaleceu principalmente após a chegada do Programa de Formação e Mobilização Social para Convivência com o Semiárido (Programa Um Milhão de Cisternas)” explica Patrícia Sampaio, coordenadora executiva da CENTRAC. Segundo a gestora, no início do Programa, as famílias criaram os Fundos Rotativos como forma de garantir a outras famílias não beneficiadas um reservatório de água potável perto de suas casas.
“Mesmo tendo seu início a partir desta necessidade, em virtude das constantes secas na região, os fundos rotativos e solidários foram se ampliando, modificando e se constituindo como uma estratégia para fortalecer a permanência das famílias no campo. Com o passar dos anos e com o sucesso das experiências, as comunidades agricultoras começaram a discutir sobre outras formas de contribuir com a melhoria da qualidade de vida das famílias” explica. A metodologia foi empregada para além da construção das cisternas: os fundos passaram a ser também utilizados para a construção de banheiros; empréstimo para compra de medicamentos; reforma de casas; compra de pequenos animais; cercamento de quintais e construção de tecnologias sociais, como reuso de águas, cerca de tela para quintais e fogões agroecológicos.
De acordo com Patrícia, “atualmente os fundos rotativos solidários têm sido uma estratégia utilizada principalmente por mulheres camponesas para suprir as carências estruturais de seus quintais produtivos e para suprir necessidades básicas, como reforma de casa, compra de eletrodomésticos, além de corte de terras e compra de sementes para plantio no período de inverno”. A iniciativa da CENTRAC buscou fortalecer os quintais agroecológicos geridos pelas mulheres agricultoras por meio da aquisição de animais nativos (galinhas de capoeira), a melhoria da infraestrutura dos quintais, com cercamento com tela e adoção de práticas agroecológicas na criação animal, associadas a um processo de formação de manejo e práticas agroecológicas. Esse processo foi pensado para seguir em paralelo a uma estratégia de visibilização do trabalho das mulheres no agroecossistema familiar e na organização comunitária.
O projeto priorizou a compra dos animais junto a outras mulheres agricultoras, gerando renda e valorizando a criação das raças nativas de galinha de capoeira no território. Com a metodologia utilizada também foi possível, no momento de formação com os grupos de Fundos Rotativos, definir quais mulheres/jovens seriam atendidas nos próximos repasses feitos pelas mulheres a partir dos animais recebidos. Foram beneficiados seis Fundos Rotativos Solidários, dos quais dois estão localizados em Aroeiras e mais quatro em Campina Grande. A CENTRAC sorteou para cada fundo integrante do projeto um pequeno plantel composto por oito galinhas matrizes e um reprodutor de raças nativas, juntamente com 25 metros de tela para cercamento dos quintais geridos pelas mulheres.
O projeto também possibilitou a aquisição de forrageiros para a produção de ração para alimentação animal. Segundo a coordenadora, “tais equipamentos têm facilitado a produção de alimentos para os pequenos animais do quintal, assim como contribui para a autonomia das mulheres quanto aos insumos externos, propiciando a produção de alimentos a partir das espécies de plantas forrageiras disponíveis no agroecossistema familiar”.
A metodologia envolvida visou a participação ativa das mulheres e jovens nas discussões, no entendimento sobre as escolhas dos animais e a importância da multiplicação das raças nativas no território. Um processo de formação em serviço foi realizado, oferecendo subsídios para que as mulheres possam futuramente escolher melhor e saber como identificar, a partir de algumas características, quais as espécies mais adaptadas ao local e quais as raças mistas que muitas vezes, por falta de conhecimento, as mulheres multiplicam em seu quintal/terreiro. “As oficinas de formação e intercâmbios também foram momentos muito importantes de troca de conhecimentos com agricultoras de outros municípios e territórios diferentes” acrescentou Patrícia.
ECONOMIA SOLIDÁRIA – Essa experiência tem se consolidado por favorecer e ampliar a infraestrutura dos quintais, espaço onde as mulheres fazem a gestão da produção e exercitam suas experiências, sendo também local de construção do conhecimento agroecológico, de reprodução da biodiversidade e ainda central para garantia da segurança alimentar e nutricional, da geração de renda e de autonomia das mulheres. Os fundos também são considerados expressão da Economia Solidária por serem instrumentos de Finanças Solidárias que praticam a autogestão, formando uma poupança voluntária, onde os recursos circulam na própria comunidade e a reposição desses fundos obedece a uma lógica da solidariedade e a regras de reciprocidade.
Nesse sentido, a parceria da CENTRAC com a CESE é estratégica para viabilizar as ações. “A CESE é parceira histórica do CENTRAC e tem contribuído de forma decisiva para a consecução de nossa missão institucional. O apoio da CESE para esta ação foi de suma importância, na medida em que contribui para empoderamento das mulheres agricultoras de nosso semiárido, o fortalecimento da organização comunitária e da Economia Solidária, através dos fundos rurais solidários. Além disso, o projeto contribuiu para o debate sobre a importância das sementes crioulas (animais e vegetais) e as ameaças em curso a sua conservação, levando os grupos a pensarem na construção de estratégias de conservação” declara a coordenadora.
Segundo a Patrícia, “esse projeto se deu em uma conjuntura particularmente difícil devido a conjunção de fatores negativos: perda sistemática de direitos promovida pelo governo federal e contexto dos efeitos devastadores da pandemia, que acentuou desigualdades e que, todavia, segue e reverbera nos vários setores da sociedade brasileira e especialmente em nossa região. Nesse contexto, tivemos mais uma vez a solidariedade da CESE, que entendeu a grave situação e se dispôs a nos apoiar, o que foi que grande valia para o trabalho que desenvolvemos”.
Mulheres do Folia – Está em constituição o coletivo “Mulheres do Folia”, que estaria inserido em espaços de participação como Associações Comunitárias, nos Bancos de Sementes Comunitários e nos Fundos Rotativos Solidários. Essas mulheres também se inserem nas Pastorais Sociais da Igreja Católica, na organização de Feiras de comercialização da produção e também nos Conselhos Municipais de Desenvolvimento Rural Sustentável de seus respectivos municípios.
De acordo com a liderança, “a partir de sua identificação como mulheres do Folia, participam também de outras articulações como a ‘Marcha pela Vida das Mulheres e pela Agroecologia’, que acontece anualmente em um dos territórios de atuação da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB), na qual o Folia se insere. Também participam ativamente da Marcha das Margaridas e outras mobilizações de massa que pautam a problemática das desigualdades nas relações de gênero e o empoderamento das mulheres agricultoras”.
A inserção no Coletivo Folia também tem contribuido para construção de sua autonomia econômica e valorização de sua autoestima, na medida em que acessam espaços de formação e outras oportuidades (projetos como esse apoiado pela CESE) que fortalecem o processo de transição agroecológica, a segurança alimentar e nutricional e de convivência com o semiárido.
CENTRAC – O CENTRAC se insere e se articula em instâncias coletivas, desenvolvendo suas ações no contexto do Fórum de Lideranças do Agreste-Folia, que congrega lideranças comunitárias rurais, associações, sindicatos e famílias agriculturas de 16 municípios da Região Agreste do Estado da Paraíba, incluido Aroeira e Campina Grande, municípios inseridos no projeto desenvolvido com o apoio da CESE.
O Folia é uma das dinâmicas territoriais da Articulação do Semiárido Paraibano (ASA-PB), criada no contexto da grande seca de 1993 e da qual o CENTRAC é membro fundador. A ASA-PB atua em 07 territórios e a partir de temáticas que são pautadas em grupos de trabalho (água, sementes, criação animal, comercialização, Fundos Rotativos Solidários, Mulheres e Juventudes), que, por sua vez, interage de forma sinérgica com a Articulação do Semiárido Brasileiro, criada em 1999.
Esses espaços têm por objetivo refletir sobre o semiárido brasileiro e paraibano e, ao mesmo tempo, buscar soluções para seus problemas dentro de uma perspectiva agroecológica e através de construção, proposição e implementação de políticas públicas de convivência com a região, a partir da construção do conhecimento agroecológico, da Educação Popular e da Economia Solidária, abordando temas como a conservação e o uso sustentável da biodiversidade, com foco nas sementes crioulas, o protagonismo das mulheres, a soberania e segurança alimentar e o abastecimento e a construção social de mercados, o acesso e a gestão das águas, a questão dos agrotóxicos e dos transgênicos e a comunicação.
O CENTRAC considera que esses espaços apresentam-se como importantes na contribuição para o debate sobre a importância da realização de alianças e incidência política que fortaleça a implementação participativa das políticas públicas, construindo condições institucionais para uma articulação e integração crescentes das ações voltadas para o desenvolvimento rural de forma sustentável e, portanto, de base agroecológica, pautado em uma economia justa e solidária e com maior participação das mulheres.