Quem nos separará do amor de Cristo? A tribulação, ou a angústia, ou a perseguição, ou a fome, ou a nudez, ou o perigo, ou a espada? (…) em todas estas coisas somos mais do que vencedores, por aquele que nos amou. (Romanos 8,35.37).
Após as eleições de 2018 que ungiu Jair Bolsonaro no poder, a montagem do novo governo, como esperado, evidencia de um lado a militarização do poder e, de outro, a reedição de critérios fisiológicos que apontam para o agravamento de violações de direitos e intensificação de conflitos, ditada também pelo fundamentalismo religioso, da super exploração no mundo trabalho e da extração predatória dos recursos naturais.
A nossa percepção em relação à sociedade civil é que vivemos bastante ameaçados e assediados por práticas e medidas de exceção, ameaça diária à democracia, o desafio de tratar da chamada “guerra híbrida”, em que o campo da comunicação vai virando um espaço constante na disputa de narrativas, para que prevaleça no sentimento comum das pessoas, valores fundamentais de solidariedade e explicitação de que temos lado ao lado das maiorias espoliadas, e dos grupos mais vulneráveis – mulheres, juventude negra, populações tradicionais, de pessoas vítimas das múltiplas formas de preconceito como o público LGBTT e da intolerância religiosa, especialmente os/as que vivem a crença de matriz afro-indígena.
Situação ainda mais complexa do que no período ditatorial porque ocorreu um ‘destamponamento’ do espírito do ódio em que qualquer movimento ou pessoa que esteja fora do padrão civil imaginado, como a condição de ser negro, população tradicional, estar fora da lógica do mercado ou da moral ‘judaico-cristã’, é objeto de perseguição e criminalização. O uso predatório dos recursos como solução fácil no equilíbrio das contas, a radical desregulamentação do mundo do trabalho, a privatização dos setores estratégicos da economia, a desconsideração dos territórios identitários revelam quanto este neofascismo se aproxima do neoliberalismo.
Terminamos o ano envolto num mar de incertezas. Mais que o retrocesso das políticas sociais, de vidas ceifadas, matáveis é que estamos falando. A naturalização da violência nas periferias alcançou seu ápice num baile funk em Paraisópolis, bairro de S Paulo, neste emblemático fim de ano. Foi preciso cenas flagrantes de um cotidiano perverso e destruidor em que jovens, muito jovens, de 14, 16, 18, 22 anos fossem pisoteados para que o governador Dória admitisse a gravidade escancarada pelo choro desesperado de mães, tios e irmãs, contudo salvaguardando a ’correta’ conduta de seus policiais e que se algum deslize houvesse, seria investigado…
Não precisava este contorcionismo – Domingos Mariano, histórico militante de Direitos Humanos, à frente da Ouvidoria de Polícia de S Paulo, foi categórico na responsabilização do batalhão que invadiu os becos de Paraisópolis, como que tangendo gado para que o pânico se estabelecesse – nove vidas, nove historias precocemente interrompidas.
Da grande cidade ao coração da floresta.
Humberto Peixoto, trabalhava na Caritas de Manaus, assessor de mulheres indígenas do Alto Rio Negro, morto em ato de extrema violência. Humberto era indígena da etnia Tuiuca, tinha 37 anos. A morte em série dos Guajajara do Maranhão é aterradora – primeiro, assassinaram um jovem indígena ‘guardião da floresta’, em seguida dois caciques e mais recentemente, dois índios deste povo foram atropelados. A deputada Joênia Wapichana denunciou ao mundo os assassinatos, onde participava a COP 25 sobre Mudanças Climáticas, na Espanha. Em meio a defesa dos Direitos da Natureza, ela denunciava a violação dos Direitos Humanos de seus irmãos. “O interesse na Amazônia não é no índio, nem na porra da árvore, é no minério” vociferava o presidente Bolsonaro para ávidos garimpeiros que se acotovelavam no Palácio do Planalto.
Neste 10 de Dezembro, cabe perguntar porque o governo federal deliberadamente indica prepostos aos cargos públicos que são a negação de suas finalidades? Uma mulher machista no Ministério dos Direitos Humanos e da Mulher, um racista declarado assumindo a Fundação Palmares, um obtuso maestro de valores medievais para comandar a FUNARTE, espaço de arejamento e criação? Seria uma orquestração destinada a provocar e deprimir a opinião pública, suscitar uma revolta para justificar um golpe? Afinal, assustados com as manifestações populares na América Latina, importantes autoridades relembraram o fantasma do AI-5.
Para o psicanalista Christian Dunker, em recente entrevista, observa que “o capitalismo descobriu o sofrimento como capital”. É que o neoliberalismo utiliza o sofrimento como elemento fundamental para a reprodução da vida social, inscreve-se numa nova moralidade para além do modo de produção, mas como elemento constitutivo de uma variante do fascismo.
Mais que nunca esta data testemunha uma profunda crise civilizatória no Brasil, na AL e no mundo. Devemos nos irmanar, nos esperançar para junt@s sairmos às ruas e barrar o descalabro, a perda de direitos e a impunidade. Precisamos acreditar no ciclo da história, para retomar com mais democracia o caminho do Bem Viver, da Paz e da Justiça para a humanidade e para a natureza que nos acolhe.
COORDENADORIA ECUMÊNICA DE SERVIÇO