Um olhar sob a pluralidade dos fundamentalismos, suas principais características e o que a ala progressista não pode perder de vista na luta para combatê-los. Estes foram alguns dos pontos centrais do bate-papo entre a dra. Magali Cunha e membros de igrejas, comunidades e organizações Ecumênicas, durante o Seminário Fé e Fundamentalismos, realizado de maneira virtual na noite desta quinta-feira (15).
O evento é resultado de parceria entre o Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs – CEBIC e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço – CESE e teve por objetivo debater em que medida os fundamentalismos afetam as igrejas; como se dá a sua relação com a fé; como eles afetam a agenda dos direitos humanos; entre outros aspectos.
Magali Cunha é jornalista e doutora em Ciências da Comunicação, coordenadora do Grupo de Pesquisa Comunicação e Religião da Sociedade Brasileira de Estudos Interdisciplinares da Comunicação (INTERCOM), membro da Associação Internacional em Mídia, Religião e Cultura e da Associação Mundial para a Comunicação Cristã (WACC).
Ela aponta que o termo “fundamentalismo” não é novo. Nasce entre cristãos protestantes dos Estados Unidos, se populariza no final da década de 1970 e passa a ser usado intensamente por jornais e mídias noticiosas após o atentado de 11 de setembro de 2001. “Comumente, recorre-se ao termo para classificar posturas de autoritarismo, intolerância, intransigência, fanatismo, recusa ao diálogo, etc.”, afirma.
Mas ela destaca que existe uma tensão conceitual acerca do termo. Estudiosos afirmam que ele não dá conta de explicar tudo que o fundamentalismo representa hoje em dia, pois, na atualidade, ele supera o âmbito religioso, se mistura com a política e a economia, as influencia, mas mantém suas bases.
Sobre o contexto brasileiro, Magali recupera. “Lá nos anos 90, já existe uma relação entre as políticas neoliberais e algumas teologias que corroboravam com elas, como a da ‘Prosperidade’ e da ‘Guerra Espiritual’”. Ela vê as bases coloniais e de ditaduras militares do Brasil como estruturantes para a onda reacionária que cresce no país, a partir de 2010.
Magali faz questão de ressaltar que o debate não pode se prender à ilusão da existência de um único fundamentalismo. “É plural. São uma visão de mundo com base na fé. São coisas diferentes que estão aí para enfraquecer os direitos reprodutivos, democráticos, políticas de diversidade. Eles têm uma coisa em comum: combater inimigos. O que lhes dá sentido é o oposicionismo”, explica.
Magali elencou sete características dos fundamentalismos: a reação sobre os direitos sexuais e reprodutivos; o discurso pró-família como um projeto econômico-político; pânico moral e permanente embate com inimigos; ameaça a comunidades tradicionais; ações coordenadas; apropriação dos temas do Estado laico e da liberdade religiosa; e atuação de novos movimentos fundamentalistas dos Estados Unidos
“Sobre o pânico moral, o destaque para disseminação de fake news – vacinas com chips, a volta do comunismo; a apropriação dos temas do Estado laico se materializa na criação de uma suposta “Cristofobia”; a ameaça às comunidades tradicionais está na aliança desses setores com mineradoras, o agronegócio, que financiam missões religiosas por que têm interesse na retirada de direitos desses povos”, explica.
Magali aponta que os discursos fundamentalistas têm ressonância entre as camadas populares – “proteção à família”, “empreendedorismo para não depender de patrão” – e também na classe média – “necessidade de desejos”, “busca pela felicidade”. E daí a necessidade da ala progressista pensar estratégias para chegar a esses públicos.
“Precisamos tomar para nós vários desafios. Aprender sobre processos, desnudar fundamentalismos, aprender a usar linguagem como esses grupos usam pra convencer as pessoas. Não copiar, mas tocar em pontos sensíveis para que as pessoas possam ouvir outras mensagens, de outra forma, de um evangelho não opressor. Nós sabemos falar muito, mas não sabemos ouvir. Grupos progressistas precisam saber afetar”, destaca.
Para Bianca Daébs, Assessora Ecumênica da CESE e membro da Coordenação Colegiada do CEBIC, é fundamental que as Igrejas Cristãs reflitam sobre a relação entre os fundamentalismos religiosos, política e economia. “Essencial para que possamos enfrentar esse tempo de crise fortalecendo as relações ecumênicas e o diálogo inter-religioso na luta cotidiana contra o racismo religioso, o patriarcado, o empobrecimento e pela promoção e garantia de Direitos em nossa sociedade”.