Iniciativa da Articulação de Mulheres Negras e Quilombolas do Tocantins enfrenta o tema do racismo ambiental
A pauta do racismo ambiental se tornou prioritária na agenda das mulheres negras quilombolas do Tocantins, estado que possui mais de 36 comunidades quilombolas. Prioritária porque o Cerrado vem sofrendo ataques constantes dos grandes projetos do capital (desmatamento e uso descontrolado dos agrotóxicos, que afetam sua fauna e flora, além de acarretar doenças para população local). Com o objetivo de encontrar estratégias para enfrentar esse avanço e recuperar as áreas atingidas nasceu o projeto “Bem Viver no Cerrado: Mulheres Quilombolas na Agrobiodiversidade”, realizado pela Articulação de Mulheres Negras e Quilombolas do Tocantins.
Contemplado edital “Povos do Cerrado enfrentando as Mudanças Climáticas: Direitos Territoriais e Sistemas Alimentares”, o projeto teve início em 2022, ainda está em andamento e se integra ao conjunto de ações que a entidade vem fortalecendo território cerradeiro, especialmente em comunidades tradicionais e com lideranças femininas.
O projeto promove a realização de oficinas que abordam o tema do racismo ambiental, mas também práticas para o desenvolvimento de quintais produtivos. Cada quilombo tem suas lutas, demandas, cultura e história. “Como fazemos parte da região do MATOPIBA, o agronegócio com suas monoculturas, uso agrotóxicos e desmatamentos descontrolados têm trazido graves problemas para nosso povo. Ainda têm as mineradoras que poluem a água fazendo estragos no meio ambiente. Em consequência disso, a saúde, cultura, educação e religiosidade são gravemente atingidas”, explica Gilma Ferreira, coordenadora da Articulação Alagbara.
Segundo a professora, a maioria das comunidades são compostas e lideradas por mulheres que sofrem diretamente as consequências de atos racistas, com a expressão de suas violências. Cotidianamente, são inúmeros os desafios que afetam as comunidades, que ficam vulnerabilizadas: constância de invasão das terras por grileiros e grandes agricultores, que poluem os rios destruindo as nascentes e a fome, em decorrência da pulverização excessiva de inseticidas e pesticidas em suas plantações.
Beneficiando diretamente 50 mulheres, o projeto foi criado para suprir as necessidades das comunidades quilombolas que na maioria são chefiadas por mulheres negras e promover rodas de conversas nesses territórios e criar estratégias para lutar pela sobrevivência, fazer a recuperação das nascentes e o reflorestamento com plantas frutíferas nativas do cerrado. O projeto também visa o fomento à troca de saberes sobre saúde, agroecologia, plantas medicinais, geração de renda, autocuidado como condições estruturantes ao bem viver e empoderamento financeiro das mulheres quilombolas.
Nesse sentido, cabe também a reestruturação dos criatórios dos pequenos animais e a promoção de geração de renda a partir da agroecologia, a exemplo da troca de sementes crioulas, o compartilhamento de experiências de manutenção produtiva da terra e preservação dos rios e mananciais.
Segundo Gilma, “as mulheres das comunidades quilombolas precisam debater o cuidado com a natureza e a mudança na forma de implantação e cuidado com a terra, a exemplo do uso da agrofloresta e proteção das sementes crioulas. Também é necessário o debate sobre a questão da autoestima da mulher e a valorização da sua identidade, na luta também pela educação do campo, pois muitas escolas quilombolas estão sendo fechadas, o que faz com que as crianças precisem ir para cidade, onde podem ser expostas à droga e à violência. Os impactos socioambientais que vivem as comunidades quilombolas atingem também a zona urbana”.
Formação – As ações do projeto previram a realização de Oficina sobre Racismo Ambiental e Oficina sobre Quintais Produtivos, além de treinamento com técnicos rurais para assessorar as práticas de criações de animais de pequeno porte. Ainda está prevista a preparação da infraestrutura para os criatórios, bem como a compra dos animais, alimentos e remédios para os meses iniciais de criação e a realização de visitas às regiões afetadas por desmatamento onde serão feitos plantios de árvores do cerrado, com prioridade para as regiões de nascentes dos córregos.
“Tivemos várias reuniões com as mulheres das duas comunidades quilombolas, planejando as ações, definindo os locais de construção dos galinheiros através de mutirão. Também fizemos visita ao córrego da Malhadinha, onde percebemos a necessidade de reflorestar as nascentes locais. Temos feitos rodas de conversas para planejarmos esse reflorestamento”, afirma a coordenadora. De acordo com as observações dessa visita, é notório que já ocorre falta de água devido ao desmatamento das nascentes pela ação dos fazendeiros vizinhos. “Planejamos para fevereiro um grande evento na comunidade Malhadinha e quilombos próximos para troca de sementes crioulas e sementes de plantas nativas do cerrado” acrescenta a liderança.
A equipe do projeto ainda busca identificar as plantas que serão necessárias para reflorestar as nascentes do córrego, para consequentemente recuperá-lo através de parcerias com entidades ambientais e universidades. O projeto também garantiu a distribuição de cestas básica para as mulheres participantes das rodas de conversa.