Os movimentos quilombolas passaram por quatro anos de ataques sistemáticos, com estrangulamento de políticas públicas e dos processos de certificação das terras. Por essa razão, no dia 10 de agosto de 2022, os movimentos quilombolas de todo país rumaram para Brasília no Ato Político Aquilombar, que tinha como missão defender os direitos dessas populações e garantir os modos de vida tradicionais preservados para as próximas gerações. Em parceria com a CESE, através do Programa de Pequenos Projetos, a Associação da Comunidade Quilombola de Água Limpa – ACAQUIAL garantiu a participação de seus representantes, oriundos do Norte de Minas Gerais.
Realizado pela Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (Conaq), o evento conseguiu reunir mais de 3 mil pessoas no Eixo Cultural Ibero-americano, com representações de 22 estados brasileiros. O ato teve como objetivo denunciar o desmonte das políticas públicas, forçar o debate sobre a regularização dos territórios quilombolas, combater o racismo e cobrar os direitos negados às comunidades ancestrais. Além da forte discussão política e visibilidade da situação de paralisia na regularização das terras quilombolas (na oportunidade, havia aproximadamente 1800 pedidos de comunidades parados no INCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária e 55 processos sem conclusão de titulação), o ato contou com apresentações culturais, batuques, danças para renovar as energias e recuperar as forças para a luta.
De acordo com Emanoel Ferreira Silva Neto, professor e agricultor familiar, integrante da ACAQUIAL, “o Ato Político foi um momento de resistência! Devido a toda conjuntura política que a gente passou enquanto movimento social e quilombola ao longo desses quatro anos, foi um período de resistir, de lutar para não perder o que a gente já tinha alcançado. O encontro foi um momento de reivindicar, de apresentar nossas demandas como quilombolas”. Ele explica que para os movimentos quilombolas de Minas Gerais foi uma valiosa oportunidade. “Foi importante porque a gente pôde mostrar a força das comunidades da nossa região, o Vale do Mucuri e Vale Jequitinhonha – essa que é considerada uma das mais pobres regiões aqui de Minas Gerais. Foi um momento de levar nossas demandas para aqueles que criam leis, aqueles que distribuem o orçamento” acrescenta o professor.
Para o quilombola, alguns resultados podem ser identificados como fruto da realização do ato público. “Tivemos um diálogo com o FNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, mais especificamente com relação às bolsas permanência dos estudantes quilombolas na universidade. Por havia um tempo que não estavam abrindo mais vagas para indígenas nem quilombolas. Eles finalmente aumentaram essas vagas. A longo prazo, gente conseguiu apresentar nossas demandas e parcerias futuras para o poder público e pautar nossas lutas” argumenta o quilombola.
A parceria com a CESE tornou possível o deslocamento das representações quilombolas do Norte de Minas para o evento. Segundo Emanoel, “foi imprescindível a chegada desse esse recurso através da CESE. Sem esse recurso seria quase impossível a participação no ato. Estava muito caro deslocar as pessoas das comunidades e a gente estava num momento de crise. A gente não conseguiu acessar políticas públicas ao longo desses quatro anos, vivendo um momento de crise econômica para os quilombos. Para nós seria difícil fazer parte desse movimento e, por essa razão, o apoio foi muito bom, uma parceria que a gente quer fortalecer.
Defesa da Comunidade – A atuação da ACAQUIAL se dá no Norte de Minas Gerais, região de fortes desigualdades sociais e desafios seculares. “Em nossa associação, a gente busca trabalhar a questão da desigualdade social, existente em nossa comunidade. Muitos ainda têm que sair daqui do nosso território para trabalhar com café, para conseguir emprego e serem explorados por fazendeiros, que não pagam um valor justo pelo trabalho. A gente busca trazer políticas públicas para nossa comunidade, como por exemplo agora, que estamos buscando água e beneficiamento de frutas, que são desidratadas e saem direto dos nossos quintais” compartilha Emanoel.
O trabalho da organização perpassa a defesa do território de Água Limpa, das tradições quilombolas e luta pela garantia dos direitos, além de valorizar a memória. “A gente busca valorizar nossos guardiões, de forma que eles se sintam parte, se sintam valorizados, se sintam importantes em nosso meio. Nossa luta é também por educação e que os mais jovens possam acessar as universidades”, explica o ativista. A defesa socioambiental também faz parte da agenda da organização, que trabalha pela preservação da fauna e flora. “Recentemente passamos por um curso de recuperação de nascente, necessário porque enfrentamos um período de seca aqui na comunidade. O curso contribuiu para a conscientização dos moradores, aprendemos várias práticas para a conservação do solo e da água” afirma.
A preservação da memória da comunidade quilombola perpassa o cuidado com os artefatos históricos, ainda guardados com muito zelo. “A gente mesmo tem um vaso que foi de uma das primeiras famílias do quilombo. Gostamos de conservar as tradições, como os mutirões, por exemplo. Estamos trabalhando nesse sentido de resgate”.