Articulações quilombolas discutem regularização de terras no Brasil

No dia 11 de outubro, representantes de articulações quilombolas do Tocantins, Maranhão e Bahia se reuniram na sede da CESE para o “Intercâmbio de Experiências: partilhando saberes e fazeres na regularização fundiária de comunidades quilombolas”. Estiveram presentes membros da CONAQ (Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas), COEQTO (Coordenação Estadual das Comunidades Quilombolas do Tocantins), ACONERUQ (Associação das Comunidades Negras Rurais e Urbanas Quilombola do Estado do Maranhão), UNICQUITA (União das Comunidades Negras Rurais Quilombolas de Itapecuru-Mirim), CEAQ (Conselho Estadual das Comunidades e Associações Quilombolas da Bahia), além de Negra Anastácia; Fundo Brasil; Grupo de Pesquisa GeografAR, Instituto Imuê e Tenure Facility.

Ivo Fonseca, fundador e coordenador da Conaq e membro da Aconeruq, ressaltou a necessidade de fortalecer o apoio estatal às políticas quilombolas: “Precisamos do apoio do Estado para construir uma política pública e resolver a questão fundiária. O Brasil precisa enfrentar a questão da terra para o desenvolvimento, uma luta que remonta à estrutura escravocrata.”

Foi destacada durante todo o encontro a relevância da luta quilombola: “Temos essa concepção de coletividade, do bem-estar de todos”, declarou Ivo. Sublinhou-se também a interligação entre as questões climáticas e agrárias, além da importância da atuação de profissionais do Direito na luta política: “O campo do direito precisa se unir e mudar suas estratégias. A estrutura agrária do Brasil ainda se baseia nas sesmarias, que permanecem nas mãos dos descendentes dos senhores de escravos.”

Robervone Nascimento, da Tenure Facility, ressalta a importância da titulação coletiva das comunidades quilombolas.”Quando as titulações são fracionadas, ou seja, não vão pro território todo, a consequência é o aumento dos conflitos, então é algo que precisamos pensar também na luta.”

Outros participantes reforçaram as falas, apontando a negligência estatal frente ao racismo fundiário. Amilton Gonzaga, representando o CEAQ, comentou: “O Estado brasileiro não enfrenta o mercado para regularizar nossos territórios.” 

Jorlando Ferreira, da COEQTO, também destacou: “Há uma lentidão por parte do INCRA Nacional e Estadual em responder às demandas quilombolas e acordos firmados”. Esse panorama foi endossado por Marcella Gomez, assessora de projetos da CESE: “É um ponto comum para os estados e CESE a questão da morosidade dos órgãos e a burocracia dos processos”. 

“Temos atuado de diversas formas no Maranhão. Entendemos que enquanto houver essa morosidade, estamos lidando com a expropriação territorial e nossas vidas ceifadas. Também temos apresentado muitas denúncias de crimes ambientais que temos acompanhado nos nossos territórios”, pontua a advogada quilombola Priscila Aroucha.

Cida Sousa, também da COEQTO, chama atenção para a necessidade de reforçar a identidade quilombola enquanto base da luta e para a apropriação dessa identidade em nome de uma falsa política. “Nós precisamos garantir que a palavra quilombola apareça, nós não podemos nos contemplar com o nome de ‘comunidades tradicionais’. Mas são mais de 6000 comunidades quilombolas no país. Sabemos, por exemplo, que metade dos prefeitos que foram eleitos declarando quilombolas não são quilombolas.”

Panorama Histórico

O DRº Tiago Rodrigues Santos, Professor do PPGEDUCAMPO/CFP/UFRB, pesquisador do GeografAR (POSGEO/UFBA/CNPq), trouxe um panorama histórico do racismo fundiário na questão quilombola, lembrando que o atual modelo de produção no campo é dominado pelo agronegócio e que, desde os anos 1990, houve poucos avanços na titulação de terras. Ele também destacou a concentração fundiária nos latifúndios, apesar da crescente diversidade de movimentos de resistência, anteriormente centralizados pelo MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra). 

A situação atual é fruto de dinâmicas que vêm desde a colonização. Ivo Fonseca lembra: “No Maranhão temos documentos de 1700, 1800, de que os quilombolas já enfrentavam as grandes fazendas para terem seu pedaço de chão. E isso vem se dando numa escala que chega até a CONAQ”. 

Apesar disso, os mais de 1,3 milhões de quilombolas no país (dados do IBGE) mantêm estratégias de resistência. Denildo Rodrigues de Moraes, conhecido como Biko Rodrigues, coordenador executivo da CONAQ, destaca a importância do trabalho em rede nesse sentido: “Nossa luta é coletiva, e nossa conquista também. A CONAQ é uma ferramenta que criamos para enfrentar os desafios modernos. Se hoje temos jovens quilombolas nas universidades, isso é fruto da nossa luta”. Já Carlos Eduardo Chaves, assessor de projetos na CESE, destaca a necessidade de incidência política: “Também ficamos com essa preocupação sobre o Incra, por exemplo, e por isso precisamos ver estratégias para fazer pontes e incidir com mais força”.

Também da CESE, Rosana Fernandes, assessora de projetos, ressaltou a interseccionalidade do conjunto das falas da mesa: “Focamos na questão de classe, mas também abordamos as desigualdades de gênero e raça. Estão todas interconectadas. Buscamos justiça social e agroecologia, enfrentando as lógicas do capital.”