A luta contra o feminicídio no estado que mais mata mulheres

Cerca de 68 mulheres – dentre negras, indígenas, jovem, idosas, mulheres trans, mulheres com deficiência, do campo e da cidade – se reuniram em Rondônia em 2024 com o mesmo objetivo: pensar estratégias para enfrentar a violência contra a mulher no estado. Foi o “I Encontro Estadual contra o Feminicídio, Transfeminicídio e Lesbocídio em Rondônia”. Ao todo foram 76 participantes. A iniciativa recebeu apoio da CESE.  

A luta contra o feminicídio no estado que mais mata mulheres

De acordo com o último Anuário Brasileiro de Segurança Pública, Rondônia teve a maior taxa de feminicídio em todo o Brasil no ano de 2023. Lá, 43,8% dos homicídios foram motivados por questões de gênero. O estado tem uma média de homicídios de mulheres maior do que a nacional.

O estado é o segundo do ranking com relação a violência doméstica – taxa de 520,9 casos a cada 100 mil mulheres, perdendo apenas para Mato Grosso; em medidas protetivas distribuídas com urgência (973,1 a cada 100 mil habitantes); e também em registros de estupro e estupro de vulneráveis – são 107,8 a cada 100 mil habitantes.

As cinco cidades que mais registraram casos de estupros no Brasil estão localizadas em regiões mais conservadoras. Que guinaram à extrema direita em anos recentes. Porto Velho, capital de Rondônia, é a segunda do ranking. Ela vem acompanhada de Sorriso (MT), Boa Vista (RR), Itaituba (PA) e Dourados (MS), por ordem.

Benedita do Nascimento, do Fórum Popular de Mulheres, esteve à frente da organização do Encontro. “O assassinato de mulheres nos jornais, espalhadas pelas cidades brasileiras, tem sido a realidade que a sociedade tem convivido rotineiramente. Cabe tanto aos órgãos de governo, como a sociedade permanecer vigilantes e desconstruir esse comportamento. De um estado patriarcal que coloca mulheres e meninas em situação de extrema vulnerabilidades. Combater o feminicídio precisa ser política de estado”, pontua a liderança.

A luta contra o feminicídio no estado que mais mata mulheres

Fundamentalismo e violência contra a mulher

Em 2023, a CESE realizou um Tapiri Ecumênico e Inter-religioso em Rondônia. Na ocasião, a reverenda Elineide Oliveira, da Igreja Episcopal Anglicana do Brasil (IEAB) e coordenadora de uma instituição que acolhe mulheres sob medida protetiva e em situação de ameaça, falou sobre a relação entre as igrejas e a violência doméstica. A ênfase foi para templos neopentecostais. A maioria das mulheres atendidas era cristã (75%).

“Quando questionamos se elas buscaram ajuda de seus pastores, elas dizem que foi a primeira pessoa a quem procuraram. Lá, foram orientadas a orar mais, que dobrem seus joelhos. São questionadas se estão fazendo a comida do jeito que seus maridos gostam. Se não estão indo pouco à igreja. Existe essa complexidade desse Deus que diz que elas precisam ser submissas ao ponto de se manterem nessa situação”, relata.

Em fevereiro de 2023, a Assembleia Legislativa do estado aprovou a realização de missas e cultos evangélicos como ato de abertura de suas sessões às segundas-feiras. Manifestações do Candomblé ou Umbanda, por exemplo, ficaram de fora do texto do requerimento apresentado.

A luta contra o feminicídio

Diante de um contexto ultraconservador, violento e misógino, as mulheres do Fórum se organizaram para pensar estratégias de luta. A atividade teve a participação diversificada. Da sociedade civil organizada, dos movimentos socais, ONGs, mulheres indígenas, trabalhadoras rurais, sindicalistas, mulheres religiosas, coletivos feministas, associação de mulheres, mulheres negras e jovens pesquisadoras universitárias.

“Temos que nos articular. Buscar atuação em redes de apoio, como sindicatos, associações, igrejas, escolas, Ministério Público. Realizar campanhas de sensibilização e prevenção junto à sociedade. Mas também de empoderamento de mulheres para denunciar a violência sofrida”, pontua Benedita.

O grupo também cobra a resposta do Estado, propondo a formulação de políticas públicas.

“Exigir a instalação de delegacias de mulheres 24h nos municípios, a implementação da Casa da Mulher Brasileira em cidades com mais de 100 mil habitantes, criação de uma ferramenta tecnológica rápida para agilidade da denúncia, treinamento para equipes multiprofissionais realizarem acolhimento e atendimento em equipamentos como Cras, Creas e Deams”.

Ela complementa. “Os serviços de atenção da rede de atendimento, em que pese, com baixa cobertura, alcançam apenas as mulheres da cidade, da capital. As mulheres ribeirinhas, do campo, das terras indígenas, ficam à mercê do apoio da comunidade, quando tem, ou da igreja e associações rurais.”

O apoio da CESE

Benedita avalia que o resultado da ação foi muito bom, ao garantir a presença de mulheres diversas com depoimentos e narrativas sobre a violência contra a mulher em diferentes territórios.

“Revelou um cenário de extrema vulnerabilidades das mulheres. Entretanto, o encontro inaugurou uma agenda comum com definições de prioridades locais e responsabilidades entre sociedade civil e governos, com ações de monitoramento e controle social, e com proposições de políticas públicas para o enfrentamento de tal fenômeno”, aponta.

Benedita afirma que o apoio da CESE para a realização do encontro foi como salvaguarda dos valores e convicções do Fórum. “Talvez, o sentimento seja que esse apoio reforçou não só a parceria entre a CESE e as Organizações locais, mas a nossa resistência, nossas alianças de continuar a trajetória de luta, mesmo que seja com muitas dores, choros, perdas. Nos fez avançar na insistência em resistir e continuar a luta. Não estamos sozinhas”, finaliza.