A defesa dos Guarani e Kaiowá pelos seus territórios no MS

A defesa dos Guarani e Kaiowá pelos seus territórios no MS

Assembleia do povo Guarani e Kaiowá na retomada Guapo’y Mirim, em Amambai/ MS.

“Esse ano, nós, o povo Guarani e Kaiowá, tivemos muita luta. Também muitos jovens, muitas lideranças, tombaram pelo território. Tombaram tentando o sonho de ter um território demarcado”. O depoimento de Janio Kaiowá, comunicador da RAJ – Retomada Aty Jovem e representante da juventude da Aty Guasu, é também uma denúncia da escalada da violência contra os povos Guarani e Kaiowá no último período.

Sob ameaças, tiros, incêndios e contaminação das águas, dentre outros crimes, as comunidades têm sido vítimas de um projeto genocida financiado, sobretudo, pelos interesses do agronegócio. No Mato Grosso do Sul, um dos epicentros do conflito fundiário no país, a retomada dos territórios pelos povos indígenas demonstra que resistir e lutar são as únicas opções para os verdadeiros donos da terra.

O ano de 2024 foi marcado por graves episódios de ataques aos povos tradicionais. Em julho, os Guarani e Kaiowá retomaram territórios tradicionais em Douradina e Caarapó, ambos no Mato Grosso do Sul. Isso intensificou os conflitos na região. De acordo com nota do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania, os territórios indígenas Panambi-Lagoa Rica e Amambaipeguá I, localizados nesses municípios, passam por processos de demarcação que aguardam solução judicial. Segundo reportagem do Brasil de Fato, sobrepostas à área de 12.196 hectares que compõem territórios indígenas Guarani e Kaiowá, há pelo menos 26 propriedades rurais, boa parte delas usadas para monocultura de soja e milho.

“Esse ano, os povos Guarani e Kaiowá foram muito atacados. Por exemplo, na retomada de Douradina, os ataques são muito frequentes. Em Marangatu [Terra Indígena Ñande Ru Marangatu, também no Mato Grosso do Sul] também perdemos mais um guerreiro. A milícia, os próprios policiais que deveriam proteger a população, ficam fazendo essas coisas, muitas vezes sem ordem judicial”, denuncia Janio Kaiowá.

Cerco e cercas de violências

Janio é de Amambai, município na fronteira com o Paraguai. Ela é apenas um dos cenários dos episódios de violência aos Guarani e Kaiowá. Dentre os problemas enfrentados nas retomadas, o jovem relata que, além da violência direta, o agronegócio têm, literalmente, envenenado os indígenas.

“A gente está morrendo de vários lados. Recentemente em Dourados morreu uma criança por não ter água encanada, água potável. Ela foi pegar água do rio e esse rio estava contaminado de agrotóxicos, que a menina bebeu e morreu. São muito frequentes esses casos no dia a dia que a gente vive”, denuncia.

Além disso, Janio aponta que diversos territórios se tornaram inférteis por conta do uso de substâncias venenosas. “[Os indígenas] Não conseguem plantar, [as plantas] não conseguem nascer, porque tem muito impacto de agrotóxicos nas terras. Exemplo mesmo, na aldeia Limão Verde, se plantar, lá não nasce, porque houve muito derramamento de químicos na terra”.

Comitiva composta pelo MDA, DPE, MPE e Funai, juntamente com representantes da Aty Guasu e do CIMI, em visita a comunidade Nhanderu  Marangatu após confronto que vitimou um jovem

Cenário de desesperança

Diante da lentidão na demarcação de terras, do avanço de leis como a do Marco Temporal e da violência direta contra os seus parentes, Janio destaca o cenário de desesperança que a juventude indígena tem enfrentado nos seus territórios.

“O contexto de tudo isso, essa roda de violência, de violação de direitos, reflete muito também na juventude. Hoje o Mato Grosso do Sul está num ranking muito infeliz, que é o de casos de suicídio. Muitos jovens pensam: ‘para quê eu vou viver se o meu povo continua morrendo?’ Então esses têm sido muito dos pensamentos dos jovens”, desabafa.

Os dados são realmente alarmantes. A taxa de suicídio entre indígenas supera em quase três vezes a da população geral. Junto com Amazonas, o MS é o estado com proporção de mortes mais elevada, sobretudo entre adolescentes e adultos jovens. Os dados são de uma pesquisa da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) em parceria com a Universidade de Harvard (EUA) divulgada em 2023.

Comunicação como estratégia de resistência dos Guarani e Kaiowá

Como forma de fortalecer a organização dos jovens e disputar as narrativas na mídia, a Retomada Aty Jovem realizou o projeto “Juventude Guarani e Kaiowá – nova estratégia de luta da comunicação do audiovisual”. A iniciativa, apoiada pela CESE, buscou fazer um mapeamento da violência sofrida pelas comunidades, documentar os ataques e fazer um documentário sobre o dia a dia da juventude Guarani e Kaiowá. Janio explica que um dos objetivos do projeto é contrapor a narrativa da mídia comercial sobre os conflitos pela terra.

Foto: Pedro Biava/RAIS

“Com os ataques, muitas vezes a própria mídia não mostra [o que acontece]. Usa só outro lado, mais forte, dos fazendeiros e dos policiais. E nós ficamos, de novo, como os culpados. Então o objetivo foi esse, de fortalecer a questão da comunicação para mostrar a realidade que se passa no território É usar a comunicação como uma ferramenta de luta”, explica.

Além disso, o comunicador ressalta que o material também pretende reconectar a juventude com sua própria ancestralidade. “Muitos jovens já desconheciam seus cantos tradicionais, as suas histórias, o seu modo de vida. Então foi um objetivo nosso usar esse projeto para reaproximar [a juventude] dos mais velhos, mas também usando as tecnologias”.

O documentário segue em produção e o lançamento está previsto para o ano que vem. Num misto de esperança e denúncia, Janio mostra que a juventude tem força para seguir na resistência. “A gente ainda sonha, mas o Estado também não vê os sofrimentos para continuar a luta”, ressalta o coordenador.

Programa de Pequenos Projetos

Desde a sua fundação, a CESE definiu o apoio a pequenos projetos como a sua principal estratégia de ação para fortalecer a luta dos movimentos populares por direitos no Brasil.

Quer enviar um projeto para a CESE? Aqui uma lista com 10 exemplos de iniciativas que podem ser apoiadas:

1. Oficinas ou cursos de formação

2. Encontros e seminários

3. Campanhas

4. Atividades de produção, geração de renda, extrativismo

5. Manejo e defesa de águas, florestas, biomas

6. Mobilizações e atos públicos

7. Intercâmbios – troca de experiências

8. Produção e veiculação de materiais pedagógicos e informativos como cartilhas, cartazes, livros, vídeos, materiais impressos e/ou em formato digital

9. Ações de comunicação em geral

10. Atividades de planejamento e outras ações de fortalecimento da organização

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