Muxirum Jovem: a retomada de um saber tradicional no MT

Plantar, semear, limpar ou preparar a terra. Seja qual a for atividade, ela será feita por um grupo de pessoas da mesma comunidade, em mutirão. O Muxirum é uma prática secular das comunidades tradicionais, quilombolas e povos indígenas do Mato Grosso. Normalmente, ela envolve atividades de agricultura, mas não se limita a isso, nem mesmo a trabalho. Tem também diversão, cantoria, alimento, dança e troca de ideias.

Porém, segundo o jovem Wender Carvalho, presidente da Associação de Moradores Pequenos Produtores Rurais de Pedra Preta (AMPRETA), em Chapada dos Guimarães (MT), essa tradição vem perdendo força. Foi com intuito de resgatar essa prática, especialmente entre as juventudes rurais da baixada cuiabana, que a Associação buscou apoio do Programa de Pequenos Projetos da CESE para tocar o projeto Muxirum Jovem.

A iniciativa tem por objetivo contribuir para a valorização do saber tradicional das comunidades, e sua relação com a terra e território, além de encorajar a permanência da juventude no campo através do estímulo à produção agroecológica, entre outros pontos.

O Muxirum Jovem

Entre os meses de março e maio, o projeto Muxirum Jovem se dirigiu a duas comunidades da baixada: o Assentamento Roseli Nunes, na cidade de Mirassol D’Oeste, e a Comunidade Pedra Preta, em Chapada dos Guimarães, que é onde vive o Wender. Após ouvir as comunidades previamente e constatar quais eram suas principais demandas, os jovens partiram para o grande intercâmbio. Foram três dias dedicados a cada uma delas.

A proposta do projeto foi que cada comunidade contasse um pouco de sua história, quais os seus principais desafios, potencialidades. Cada encontro garantiu momentos de oficinas sobre antirracismo, princípios agroecológicos e a prática do mutirão, além de apresentações culturais. As moradoras/es mais velhas/os também tiveram um espaço para contação de história.  O Muxirum aconteceu no segundo dia.

Segundo Wender, em Pedra Preta, o trabalho realizado foi de capinação do algodão agroecológico. Já no Assentamento Roseli Nunes, o grupo realizou a cobertura do solo. Trata-se de uma estratégica para proteger a terra do Sol, evitando o rápido ressecamento e até mesmo erosões. A cobertura pode ser feita com palha, capim, galhos de árvores picadinhos. Só depende da disponibilidade da região.

Mas as atividades nas comunidades escolhidas poderiam ser diversas: plantio, semeadura, manejo de uma área já estabelecida, (bio)construção de espaços comunitários, reformas/benfeitorias ou limpeza, zoneamento, colheita, beneficiamento de alimentos, entre outras. Coisas que, sozinho, levaria dias para fazer. Em Muxirum, são feitas em um ou dois. E aí é só partir para ajudar a próxima comunidade.

Para Wender, o Muxirum tem dois significados: um enquanto presidente da AMPRETA, outro pessoal. “Pessoalmente, eu vejo que o Muxirum representa o coletivo, a união da comunidade, mesmo sem laço sanguíneo. Como presidente, vejo o quanto esse trabalho coletivo desenvolve as pessoas, a comunidade. Queremos resgatar essa tradição através deste intercâmbio”, explica.

Muxirum em queda: o êxodo da juventude

Um dos motivos apontados por Wender como causadores da diminuição da prática do Muxirum na sua região é o êxodo rural, especialmente da juventude. Segundo o presidente da Associação de Pedra Preta, vários fatores incentivam essa saída do campo. “Há falta de políticas públicas para as comunidades das zonas rurais. O estereótipo de que a vida está na cidade. Alguns pais falam que não querem ver seus filhos ‘nesse sofrimento’”.

Mas é o avanço do agronegócio que carrega uma grande parcela dessa responsabilidade. Wender afirma que as monoculturas vêm invadindo as comunidades e que o agro prega a individualização, o oposto do Muxirum. Com sua exploração predatória, o agro destrói o meio ambiente e as suas sequelas são cada vez mais sentidas e expostas.

Veneno e boi: a diminuição das águas

Sem água, não há produção das comunidades. As criações de gado contribuem para o assoreamento dos rios. “As nascentes não são cercadas. Então quando as criações se aproximam para beber água, o solo vai endurecendo. O gado é muito e é pesado. Aí chove, vem uma enxurrada e abre um buraco grande naquele lugar – a voçoroca –, que aterra os córregos”, explica o jovem.

Wender diz que sempre observou as águas de sua comunidade. Ele constatou que, apenas nos últimos três anos, sete das suas nascentes secaram completamente. “Elas não voltam mais, nem em época de cheia”.

Outra vertente que atinge os rios é o seu envenenamento por agrotóxicos. A nutricionista Márcia Corrêa, doutora em Saúde Coletiva, conduziu um estudo que analisou a qualidade da água no Assentamento Roseli Nunes. Ela constatou a presença de agrotóxicos em todas as amostras recolhidas. Foram sete tipos de venenos encontrados apenas no Rio Bugres, que corta o Assentamento, dentre inseticidas, herbicidas e outros.

A pesquisa confirmou a contaminação por agrotóxicos até mesmo do poço artesanal da escola da comunidade. Dentre as substâncias, está a Atrazina, proibida na União Europeia desde 2004. Ela pode causar doenças respiratórias, apresentar efeitos neurotóxicos e até mesmo câncer. A Clomazone, também encontrada no poço da escola, pode causar depressão, convulsões ou mesmo levar a um estado de coma e morte.

Um agricultor do Roseli Nunes conta que nem mesmo as enchentes que ocorriam todo ano por conta da cheia do Rio Bugres vieram em 2024. “A cheia é complicada, mas ao mesmo tempo ficávamos felizes por ver um monte de água. Cobria até a estrada. Hoje a gente fica um pouco triste de ver as nossas águas se perdendo, atravessado estiagem. Tem o veneno, tem a baixa. É preocupante para quem trabalha com agroecologia”.

O resgate do Muxirum e o apoio da CESE

Muxirum Jovem: a retomada de um saber tradicional no MT

Wender é um desses jovens que um dia deixou o campo para tentar a vida na cidade. Mas não teve jeito: suas raízes estavam em Pedra Preta, e uma delas é o Muxirum. Para ele, poder agir para reforçar essa tradição é de grande importância. “Fomos provocados pela FASE há um tempo atrás, que também abraçou a nossa ideia, e agora, poder contar com esse apoio da CESE é um sopro de vida”.

Wender Carvalho, ao lado de companheiras do projeto

Ele conta que o Muxirum Jovem já tem outras duas etapas previstas. É a juventude lutando para resgatar uma tradição que vem de longe, enfrentar o agronegócio e se manter viva. Sem perder suas raízes.

Desde a sua fundação, a CESE definiu o apoio a pequenos projetos como a sua principal estratégia de ação para fortalecer a luta dos movimentos populares por direitos no Brasil.

Quer enviar um projeto para a CESE? Aqui uma lista com 10 exemplos de iniciativas que podem ser apoiadas:

1. Oficinas ou cursos de formação

2. Encontros e seminários

3. Campanhas

4. Atividades de produção, geração de renda, extrativismo

5. Manejo e defesa de águas, florestas, biomas

6. Mobilizações e atos públicos

7. Intercâmbios – troca de experiências

8. Produção e veiculação de materiais pedagógicos e informativos como cartilhas, cartazes, livros, vídeos, materiais impressos e/ou em formato digital

9. Ações de comunicação em geral

10. Atividades de planejamento e outras ações de fortalecimento da organização

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