Povos e comunidades tradicionais do Cerrado trocam experiências com veículos da mídia alternativa e dialogam sobre comunicação estratégia para fortalecimento das lutas

Em 2022, o Cerrado e babaçuais estiveram sob ameaça no Estado do Tocantins. O projeto nº 776 de 2022 proposto pelo deputado Olyntho Neto (Republicanos) previa derrubada da Lei Babaçu Livre que proíbe a queima, derrubada e uso predatório das palmeiras de coco babaçu. A lei de proteção, em vigor há 14 anos, é fruto da luta das mulheres quebradeiras de coco de babaçu, guardiãs dos saberes e da socio biodiversidade do bioma.

O projeto chegou a ser aprovado na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), e o passo seguinte seria a votação no plenário, se não fosse a resistência e articulação do Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB) com movimentos sociais e populares, coletivos de comunicação e também a imprensa. “Conseguimos emplacar nossas pautas em vários veículos. Fizemos barulho nas redes. Várias organizações e movimentos distintos aderiram à essa movimentação. Após a repercussão negativa, o deputado fez a retirada do projeto para a votação”, quem conta essa experiência é Claudilene Maia, jornalista e comunicadora do MIQCB, durante a II Roda de Conversa Virtual – “Comunicação Estratégica: narrativas e saberes dos povos do Cerrado”.

Em um cenário de concentração histórica dos grandes meios de comunicação, associada ao aumento do poder das grandes plataformas digitais, é fundamental garantir espaços para que povos e comunidades tradicionais consigam trazer denúncias, anúncio e narrativas nos veículos da imprensa. Neste sentido, participantes da Roda de Conversa debateram como impulsionar a comunicação dos grupos, fortalecer parcerias com veículos alternativos independentes, e reforçar os processos comunicativos dentro das próprias redes.

II Roda de Conversa Virtual – “Comunicação Estratégica: narrativas e saberes dos povos do Cerrado

Com o objetivo de promover um espaço de escuta e troca de saberes sobre comunicação estratégica voltada para iniciativas produtivas e de defesa de direitos territoriais, a CESE realizou o segundo momento de diálogo, neste mês de julho. Além de Claudilene Maia, Karine Waridã Indígena do Povo Xakriabá, da Articulação da Juventude Xakriabá, e Viviane Brochardt, da Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), trouxeram suas vivências sobre a comunicação popular como parte integrante da luta.

Waridã Indígena do Povo Xakriabá, da Articulação da Juventude Xakriabá

Karine Waridã trouxe o exemplo de como as redes sociais e as novas tecnologias têm facilitado o compartilhamento de informações e a produção de conteúdos próprios. “Nosso território é muito grande, e sabemos o acontece em cada localidade porque estamos conectados/as, principalmente a juventude. Em 2015 uma jovem da comunidade foi atacada pela Polícia Militar e tornamos esse fato bastante visível. A comunicação é uma ferramenta de luta do nosso povo.”, descreve Waridã, e complementa que os/as jovens são comunicadores/as das próprias narrativas e histórias: “Pelo Instagram mostramos quem somos e por que lutamos.”.

As narrativas contra-hegemônicas, pautadas nos modos de vida dos povos e comunidades tradicionais, apontam as contradições da relação da grande mídia com os campos políticos e econômicos, e politizam o debate ao anunciar outros modos viver, de produzir e se comunicar. Nesse sentido, Viviane Brochardt trouxe a percepção coletiva da comunicação da ANA a partir da bandeira da agroecologia. “Construímos nossas práticas e nossas narrativas em três elementos importantes: denúncia, anúncio e testemunho, trazendo a voz os sujeitos que fazem a agroecologia. Se não falarmos através do nosso viés, a partir da nossa ótica, com o nosso discurso, ninguém fará. É o movimento agroecológico que precisa fazer isso.”, afirma a integrante da articulação.

Os/as participantes abordaram a importância de encontrar equilíbrio na forma como as organizações atuam na comunicação. Há necessidade de ampliar a capacidade de comunicar com a sociedade, o que leva a discussão sobre buscar a mídia independente como aliada na luta, como também aproveitar espaços na grande imprensa para levar as pautas das organizações.

Viviane Brochardt – Articulação Nacional de Agroecologia (ANA)

Nesse aspecto, Brochardt apresentou como a Articulação Nacional de Agroecologia possui espaços mais perenes com mídia independente e descreveu a importância dessas relações: “É uma relação importante não só para interferir nas pautas, mas para estar ali como ator ativo na construção da comunicação e dos produtos que são desdobrados a partir dela. É parceria, que discute desde as pautas até melhor momento de postagem.”, exemplifica.

Em paralelo, a essa discussão foi dialogado também que é precisar tratar a informação para imprensa de forma atrativa, ofertando subsídios, para além das narrativas, como números, fatos e pesquisas: “Como não temos contato direto com a mídia comercial, sustentamos nossos argumentos em conformidade com a função social e ambiental da lei para assegurar os modos de vida das quebradeiras e a preservação dos babaçuais. Foi assim durante o processo de denúncia. E quando anunciamos editais do Fundo Babaçu utilizamos a estratégia de spots para conseguir entrevistas. Ou seja, o desafio de um formato de conteúdo diferente para cada plataforma.”, contou Claudilene Maia, do MIQCB.

Claudilene Maia – o Movimento Interestadual das Quebradeiras de Coco Babaçu (MIQCB)

Atuar em bando e alimentar as próprias bolhas

A partir da escuta e das provocações trazidas pela plenária e pelas comunicadoras populares, as representações dos veículos da imprensa dialogaram sobre comunicação estratégica para defesa de direitos, dividiram com o grupo os desafios estruturais de estarem presentes nos territórios, e manifestaram interesse em abrir seus canais para o recebimento de pautas e realizações de parcerias.

O ponto alto do debate foi a reflexão sobre atuar em parceria com os pares e potencializar o alcance da comunicação dentro das próprias redes e “bolhas”, buscando formatos e conteúdos que dialoguem com diferentes públicos a partir das questões que os mobilizam. Como lembra Karine Waridã, os processos comunicativos não podem estar apenas na internet, precisa considerar sua atuação no chão das comunidades: “Nossos mais velhos/as não se comunicam pelas redes sociais, mas através do boca a boca. As informações do Marco Temporal só circulavam pela internet. Tivemos que fazer muitas reuniões, com uma linguagem adaptada para os anciãos, e assim, conseguir uma maior mobilização na comunidade.”, conta.

Pensar uma comunicação fortalecida é atuar de forma colaborativa e conjunta, e refletir sobre potencializá-la nos territórios, dialogando com vozes e corpos historicamente excluídos. Essas ideias foram bem sintetizadas por Bianca Pyl, do Le Monde Diplomatique Brasil “É importante articular e atuar em bando para emplacar as pautas e dar visibilidade para um tema. Mas, é muito difícil furar a bolha, exige algumas coisas que enquanto movimentos sociais não temos. Então, precisamos alimentar nossas próprias bolhas com histórias, argumentos, etc. Porque são essas pessoas que vão defender seus territórios de alguém que pensa muito diferente ou que não se atenta para isso.”.

Além da editora do Le Monde, o encontro contou com a participação de Thanee Degasperi, representante do Mídia Ninja; Natalie Hornos e Luma Prado, comunicadoras do veículo De Olho nos Ruralistas; e Flávia Quirino, jornalista do Brasil de Fato.