INTRODUÇÃO
A CESE, organização ecumênica que atua na promoção, defesa e garantia de direitos, identifica e reconhece a existência do racismo individual, institucional e estrutural na construção histórica do Estado e da sociedade brasileira e que esse racismo é gerador de injustiças contra a população negra.
Movida pela missão institucional de “fortalecer movimentos e grupos populares e outras organizações empenhados nas lutas por transformações políticas, econômicas e sociais que conduzam a estruturas em que prevaleça democracia com justiça na perspectiva dos direitos humanos”, a CESE reafirma publicamente o compromisso com a luta antirracista ao elaborar sua Política Institucional de Equidade Racial na qual estão definidas estratégias para a superação do racismo no âmbito da gestão e ação institucionais.
Os componentes classe, raça e gênero são os pilares das profundas desigualdades existentes no Brasil e fundamentam o racismo na sociedade. A violência contra o povo negro, especialmente contra as mulheres, o genocídio da juventude negra, o encarceramento em massa e a discriminação das religiões de matriz africana são apenas algumas das expressões indignantes do racismo brasileiro. É imperativo denunciar o racismo e, por outro lado, reafirmar a identidade, a cultura, a religiosidade, o pensamento desses segmentos, enquanto sujeitos históricos, e a sua contribuição para a formação da sociedade brasileira.
CONCEPÇÃO DE EQUIDADE DE GÊNERO
Partindo do pressuposto da existência do racismo não apenas como fenômeno individual e institucional, mas especialmente estrutural, esta política considera que o racismo, juntamente com o patriarcado e o capitalismo, estrutura as opressões e a exploração da população negra. O racismo engendrado historicamente no processo de colonização e de escravização de negras/os gerou uma injustiça abismal entre a população negra e branca no Brasil. Esse abismo, porém, é disfarçado a partir do falacioso mito da democracia racial, que embora não se sustente diante dos indicadores socioeconômicos, possui um vigor na cultura do país e uma ampla capacidade de se reatualizar. Diante do indigno e violento quadro de desigualdade racial, a CESE compreende a importância da equidade racial para o cumprimento de sua missão.
Reconhecendo a desigualdade da sociedade brasileira e, diante das disparidades sociais, políticas, econômicas, ambientais e culturais entre a população negra e branca, a concepção de equidade racial aqui adotada tem uma relação direta com a concepção de justiça e igualdade expressa na missão da CESE. A equidade racial deve ser uma práxis que possibilite a construção de uma sociedade justa e igualitária do ponto de vista da garantia de direitos e da distribuição justa da renda e da riqueza. Diante da dívida histórica do Brasil com o povo negro, a CESE adota o princípio da equidade racial, intrinsecamente vinculada à equidade de gênero, para impulsionar institucionalmente a criação de condições e oportunidades concretas para as pessoas negras e, externamente, contribuir para a superação do racismo e para que o povo negro tenha acesso aos seus direitos.
O fundamento desta política tem relação com a Missão da CESE e com um dos princípios éticos: “Equidade, sem discriminação de raça, etnia, gênero, orientação sexual e credo religioso”. Para que esses pressupostos sejam efetivamente garantidos, a concepção de equidade racial é constituída pelos seguintes elementos:
- Adoção do pressuposto da interseccionalidade das dimensões de classe, gênero e raça/etnia na estruturação das desigualdades no Brasil;
- Reconhecimento e valorização da auto-organização e das lutas das organizações e dos movimentos negros, especialmente de mulheres negras;
- Valorização da diversidade religiosa através do enfrentamento do racismo religioso, da promoção do respeito e valorização das religiões de matriz africana;
- Ampliação, junto às igrejas cristãs, do conhecimento e das vivências de uma Teologia Negra de forma a contribuir para a desconstrução de uma teologia majoritariamente branca, estadunidense e europeia.
ORIENTAÇÕES PARA PRÁTICAS INSTITUCIONAIS
A Política de Equidade Racial da CESE traz orientações práticas distribuídas em 6 tópicos que estabelecem uma profunda integração entre si. Estas orientações, assim como os pressupostos desta política, se efetivam objetivamente no cotidiano institucional de forma a promover transformações internas e contribuir para mudanças externas que gerem equidade, igualdade e justiça racial.
1 Gestão
A CESE compreende que uma gestão democrática do ponto de vista racial pressupõe a presença negra na composição da equipe em todos os setores, com condições justas de trabalho e com representatividade das pessoas negras nos espaços de poder. Isso significa construir oportunidades para que as pessoas negras ocupem as instâncias de tomada de decisão. A superação da histórica ausência ou sub-representação de negros e, particularmente, de mulheres negras nesses espaços deve ocorrer de forma explícita, intencional e incisiva. Para isso, deve-se:
- Oportunizar o acesso de pessoas negras aos processos de seleção de pessoal ampliando a sua presença em todos os setores da CESE, inclusive para os casos de prestação de serviços;
- Estimular junto às igrejas a presença de representações negras na assembleia para que tenham oportunidade de compor a Diretoria Institucional;
- Estimular a participação e a fala de pessoas negras, particularmente das mulheres, em espaços de representação das igrejas que compõem a CESE;
- Criar espaços para acolhimento, reflexão e encaminhamentos sobre os casos de racismo ocorridos no ambiente institucional, bem como orientar e apoiar as vítimas;
- Criar um ambiente e uma cultura institucional de desnaturalização e de não tolerância com o racismo;
- Assegurar representatividade dos movimentos negros e de mulheres negras nos encontros e outras atividades da CESE, com o objetivo de subsidiar o processo de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização – PMAS Institucional.
2 Relações Ecumênicas e Diálogo Inter-religioso
Tomando como referência o princípio ético do respeito à diversidade religiosa, a CESE compreende haver uma construção histórica racista, de preconceito e discriminação às religiões de matriz africana e com os povos de terreiros. Por isso é importante favorecer a presença negra e sua participação ativa e protagonista nas igrejas com as quais a CESE mantém relação. A inter-relação que a CESE estabelece com as organizações da sociedade civil e movimentos sociais e o seu caráter ecumênico são potentes para gerar significativos espaços de diálogo e reflexão crítica sobre a diversidade religiosa, que pode ser fortalecida ainda mais com as seguintes estratégias:
- Fortalecer a relação e o diálogo inter-religioso entre igrejas cristãs, religiões de matriz africana e povos de terreiro;
- Favorecer o diálogo inter-religioso e as relações ecumênicas entre organizações, movimentos e experiências latino-americanos e do sul global;
- Promover reflexões e práticas que contribuam para o enfrentamento do racismo religioso e reafirmem o respeito à diversidade religiosa e valorização das religiões de matriz africana junto às igrejas, à Assembleia, à diretoria, à equipe e às organizações parceiras da CESE;
- Manifestar-se publicamente, sempre que possível, contra atos e posicionamentos que expressem o racismo religioso;
- Estimular reflexões e realizar processos formativos com lideranças e bases das igrejas que abordem o histórico, os fundamentos, as características e os conteúdos da Teologia Negra.
3 Apoio a Projetos
A adoção de estratégias no campo do apoio a projetos tem um grande potencial de fortalecimento de organizações e movimentos negros e de mulheres negras, bem como da ampliação da luta antirracista. Para que esta estratégia tenha efeito, é fundamental que nos programas de apoio a projetos da CESE seja explicitada a relevância da dimensão racial, buscando estimular a sua incorporação em todos os projetos. Também deve haver um esforço para:
- Assegurar metodologias e instrumentais que abordem a dimensão racial na sistemática de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização – PMAS;
- Estimular, na etapa de prospecção de fontes financiadoras, a reflexão sobre a questão racial a partir da análise dos projetos e mobilizar recursos para programas específicos de combate ao racismo e fortalecimento das organizações e dos movimentos negros e de mulheres negras;
- Abrir editais específicos direcionados a apoiar organizações e movimentos negros;
- Avançar na coleta de dados desagregados por raça e sexo de modo a favorecer análises quantitativas e qualitativas dos resultados e impactos dos projetos na vida da população negra, particularmente das mulheres negras;
- Estimular as organizações apoiadas a refletirem sobre a questão racial na perspectiva de incorporarem estratégias de ação sobre o tema em seus planejamentos e práticas institucionais.
4 Diálogo e Articulação
É de grande relevância que o diálogo e articulação que a CESE faz historicamente com as igrejas, movimentos sociais e agências, seja intensificado com os movimentos e organizações da população negra, além de quilombolas e povos de terreiro. A partir destas iniciativas, a CESE deve incidir em espaços onde se faz presente para ampliar a garantia de direitos desse segmento do campo e das cidades, das florestas e das águas. Além disso, a CESE deve:
- Reafirmar o posicionamento institucional na luta antirracista e contra a intolerância religiosa em todos os espaços de presença institucional;
- Estimular a reflexão crítica sobre a representatividade e a participação efetiva de pessoas negras nas igrejas e nas suas instâncias de decisão;
- Contribuir para o aprofundamento de temáticas como racismo, branquitude, luta antirracista, diversidade religiosa, genocídio da juventude negra e representação negra nos espaços de decisão e poder com as organizações parceiras e nos espaços de participação institucional como redes e articulações.
5 Formação
Os processos de formação internos são importantes para refletir sobre a realidade em que vive a população negra no Brasil e a sua contribuição para a formação da sociedade brasileira, o racismo, a branquitude e as lutas antirracistas. Diante disso, as iniciativas de formação devem contribuir para a reflexão das vivências pessoais e institucionais, para a ampliação de conhecimentos teóricos e metodológicos da equipe e para uma atuação consistente junto aos públicos com os quais a CESE se relaciona, especialmente grupos populares, organizações e movimentos sociais. Além disso, a CESE deverá:
- Realizar processos contínuos de formação interna que favoreçam o aprofundamento e as práticas previstas nesta política institucional;
- Apoiar e criar oportunidades internas de formação para as pessoas negras, buscando ampliar seus conhecimentos e capacidades;
- Abordar a questão racial, gênero e de classe nas temáticas de formação;
- Contratar, sempre que possível, educadoras/es negras/os para desenvolver ações de formação, não apenas aquelas relacionadas especificamente à questão racial;
- Sensibilizar e estimular a participação de pessoas negras nos diversos processos de formação promovidos diretamente pela CESE ou em parceria com outras organizações;
- Incluir nos processos de formação organizações e movimentos mistos que assumem a luta antirracista.
6 – Comunicação
A comunicação é fundamental não apenas para a difusão desta política, mas também para criar estratégias afirmativas específicas que favoreçam a representatividade de pessoas negras nas imagens, nas suas falas, realidades e lutas. Para realizar uma comunicação que denuncie o racismo e as violações de direitos enfrentadas pelo povo negro, desconstrua estereótipos racistas e sexistas e que valorize os elementos, simbologias, ancestralidade, estéticas e a história do povo negro, a CESE deverá:
- Visibilizar, apoiar, divulgar e desenvolver campanhas educativas de afirmação e reafirmação do povo negro, suas lutas e seus direitos, em diálogo permanente com organizações e movimentos desse segmento;
- Assegurar que as representações nos materiais destaquem a dignidade da pessoa negra;
- Desenvolver a produção de materiais de comunicação que expressem, através de linguagens diversas e de estética negra, o pensamento, os saberes, as práticas e os desafios do povo negro – particularmente de mulheres, jovens, idosos e comunidades negras e quilombolas;
- Disseminar a política de equidade racial junto às igrejas, à Assembleia, à diretoria, à equipe e às organizações parceiras da CESE;
- Dar visibilidade a questões raciais e destacar sua relevância na divulgação de apoio a projetos.
CAMINHOS PARA IMPLEMENTAÇÃO
Fazer a revisão do texto das políticas referenciais e institucionais, dos principais documentos e dos canais de comunicação da CESE de forma a fazer ajustes que incorporem os pressupostos desta política;
Monitorar e avaliar a implementação desta política, fazendo ajustes quando necessário em articulação com momentos coletivos mistos e específicos, com pessoas que se autodeclarem negras e com as não negras;
Criar espaços para acolhimento, reflexão e encaminhamentos sobre os casos de racismo ocorridos no ambiente institucional ou não, bem como, orientar e apoiar as vítimas;
Assegurar que o processo de Planejamento, Monitoramento, Avaliação e Sistematização utilize uma metodologia e adote instrumentais que abordem e evidenciem a questão racial e possibilitem a mensuração de resultados e impactos do trabalho da CESE.
VEJA O
QUE FALAM
SOBRE NÓS
A CESE é a marca do ecumenismo na defesa de direitos. É serviço aos movimentos populares nas lutas por justiça. Parabéns à Diretoria e equipe da CESE pela persistência e compromisso, sempre renovado nesses cinquenta anos, de preservação da memória histórica na defesa da democracia em nosso país.
Conheço a CESE desde 1990, através da Federação de Órgãos para Assistência Social (FASE) no apoio a grupos de juventude e de mulheres. Nesse sentido, foi uma organização absolutamente importante. E hoje, na função de diretor do Programa País da Heks no Brasil, poder apoiar os projetos da CESE é uma satisfação muito grande e um investimento que tenho certeza que é um dos melhores.
A relação de cooperação entre a CESE e Movimento Pesqueiro é de longa data. O apoio político e financeiro torna possível chegarmos em várias comunidades pesqueiras no Brasil para que a gente se articule, faça formação política e nos organize enquanto movimento popular. Temos uma parceria de diálogos construtivos, compreensível, e queremos cada vez mais que a CESE caminhe junto conosco.
Somos herdeiras do legado histórico de uma organização que há 50 anos dá testemunho de uma fé comprometida com o ecumenismo e a diaconia profética. Levar adiante esta missão é compromisso que assumimos com muita responsabilidade e consciência, pois vivemos em um país onde o mutirão pela justiça, pela paz e integridade da criação ainda é uma tarefa a se realizar.
A família CESE também faz parte do movimento indígena. Compartilhamos das mesmas dores e alegrias, mas principalmente de uma mesma missão. É por um causa que estamos aqui. Fico muito feliz de poder compartilhar dessa emoção de conhecer essa equipe. Que venham mais 50 anos, mais pessoas comprometidas com esse espírito de igualdade, amor e fraternidade.
Parabéns à CESE pela resistência, pela forte ancestralidade, pelo fortalecimento e proteção aos povos quilombolas. Onde a política pública não chega, a CESE chega para amenizar os impactos e viabilizar a permanência das pessoas, das comunidades. Que isso seja cada vez mais potente, mais presente e que a gente encontre, junto à CESE, cada vez mais motivos para resistir e esperançar.
Nós, do SOS Corpo, mantemos com a CESE uma parceria de longa data. Temos objetivos muito próximos, queremos fortalecer os movimentos sociais porque acreditamos que eles são sujeitos políticos de transformação. Seguiremos juntas. Um grande salve aos 50 anos. Longa vida à CESE
Quero muito agradecer pela parceria, pelo seu histórico de luta com os povos indígenas. Durante todo o tempo que fui coordenadora executiva da APIB e representante da COIAB e da Amazônia brasileira, nós tivemos o apoio da CESE para realizar nossas manifestações, nosso Acampamento Terra Livre, para as assembleias locais e regionais. Tudo isso foi muito importante para fortalecer o nosso protagonismo e movimento indígena do Brasil. Deixo meus parabéns pelos 50 anos e seguimos em luta.
Viva os 50 anos da CESE. Viva o ecumenismo que a organização traz para frente e esse diálogo intereclesial. É um momento muito especial porque a CESE defende direitos e traz o sujeito para maior visibilidade.
A CESE completa 50 anos de testemunho de fé ativa no amor, faz jus ao seu nome. Desde o início, se colocou em defesa dos direitos humanos, denunciou atos de violência e de tortura, participou da discussão de grandes temas nacionais, apoiou movimentos sociais de libertação. Parabéns pela atuação profética, em prol da unidade e da cidadania. Que Deus continue a fazer da CESE uma benção para muitos.