Este ano, o 8 de março tem um sabor especial para nós. A CESE completa 50 anos de sua fundação. Em 1973, em plena ditadura militar no Brasil, foram lançadas as sementes desse sonho compartilhado entre igrejas e movimentos sociais, entre comunidades e agências da cooperação ecumênica, entre mulheres e homens com profundo compromisso com os direitos humanos, com a democracia, com a vida em abundância para todas as pessoas. Chegamos a 2023 pela força desse sonho, que move cada gesto, diálogo, apoio e ação da CESE, depois de mais um período nefasto da nossa história, com impactos na forma de fome, autoritarismo, violência e morte. Chegamos até aqui e vamos a ajudar a reconstruir e transformar nosso país, através do fortalecimento dos movimentos populares, como afirmamos em nossa missão.
Nessa trajetória de cinco décadas, foi o olhar sensível, a escuta atenta e os pés no chão que tornaram possível construir relações de verdadeira parceria com os movimentos populares, respeitando sua pluralidade e autonomia. Com os movimentos de mulheres não foi diferente. O reconhecimento das mulheres como sujeito político esteve presente desde o início, a partir da concretude da convivência com as associações de bairro, sindicatos rurais, clubes de mães, coletivos feministas, comunidades eclesiais de base, grupos de jovens das periferias das cidades, movimento negro, sem terra, nas comunidades tradicionais, quilombos e aldeias. Em todos os espaços, as mulheres estavam lá, organizando, acolhendo, articulando, apontando contradições, criando possibilidades, construindo caminhos de justiça e igualdade.
Convivendo com as mulheres em movimento, a CESE aprendeu a caminhar ao lado delas. O ritmo dos passos foi mudando de acordo com as exigências de cada contexto, os jeitos de caminhar se diversificaram, a linguagem se enriqueceu, o horizonte se ampliou. Estávamos ali do lado quando movimentos nacionais de mulheres nasceram, quando segmentos de mulheres historicamente esmagados conquistaram direitos – as trabalhadoras domésticas e as trabalhadoras rurais, por exemplo, quando as mulheres conquistaram espaços de poder nas estruturas das igrejas. Não arredamos pé quando as mulheres lutaram na Constituinte, nos conselhos de direitos das mulheres, nas conferências de políticas para mulheres. Aguçamos nossa escuta para alcançar a vastidão do significado da “questão de gênero”, sobre como ela está entrelaçada com as dimensões de classe e étnico-racial, num país construído a partir da violência brutal contra os povos indígenas e contra o povo negro. Marchamos em Brasília com as Margaridas, com as mulheres negras, com as mulheres indígenas.
Convivendo com as mulheres em movimento, também nos desafiamos a refletir profundamente sobre nossa visão de mundo e sobre nossas práticas, dentro da CESE, nas igrejas e no movimento ecumênico como um todo. O diálogo com teologias feministas, a elaboração de Políticas Institucionais para Equidade de Gênero e Raça, a definição de metas de aplicação de recursos em projetos voltados para mulheres, a realização de campanhas conjuntas com organizações de mulheres para enfrentar a violência e os fundamentalismos. Esses são alguns dos passos importantes que pudemos dar a partir da provocação dos movimentos de mulheres.
Ao celebrar seus 50 anos, a CESE renova o compromisso de se manter ao lado das mulheres, ou dito de outra forma, sob inspiração da compositora negra baiana Sued Nunes: que a CESE siga povoada de sonhos de mulheres, pois bem sabemos que somos uma mas não somos sós*
*Referência à canção “Povoada”, de autoria de Sued Nunes