Sociedade Civil se manifesta em carta sobre visita ao Brasil do Relator Especial da ONU

O relator especial da ONU sobre o direito à liberdade de reunião e associação pacífica, Clément Nyaletsossi Voule, fará visita oficial ao Brasil, entre os dias 28 de março e 8 de abril. No Brasil, Voule receberá uma carta assinada pela pelo Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos – que é composto por 45 organizações da sociedade civil – pela Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE) e Anistia Internacional Brasil.

A visita ocorre em um momento significativo para a democracia brasileira: ano de eleições para cargos estaduais e federais dos Poderes Legislativo e Executivo, com destaque à Presidência da República. A conjuntura nacional está marcada por intensa polarização política e um forte cenário de retrocessos na garantia de direitos e liberdades fundamentais, além de uma escalada em casos de graves e sistemáticas violações aos direitos humanos, violência política, institucional e armada contra mulheres, pessoas negras, indígenas e LGBTQIA+.

Voule levantará informações sobre como as autoridades brasileiras têm lidado com manifestações pacíficas e com o direito à livre associação. O relator dará ênfase em sua apuração ao uso de força durante protestos organizados por movimentos sociais e por indígenas.

O Brasil é o 4º país que mais mata defensores e defensoras de direitos humanos no mundo, enfrentando o aumento dos conflitos agrários e urbanos em todo o território nacional. Está em curso no país um desmonte de políticas públicas e sociais, com prioridade às que buscavam promover igualdade e justiça em questões históricas e estruturais da nossa sociedade.

Aliado a isso, há significativas ações do atual governo que influenciam e disseminam discurso de ódio contra grupos historicamente vulnerabilizados e, na prática, resultam em restrições ao direito à liberdade de expressão, de reunião pacífica e associação.

“A visita do senhor relator para o conjunto de organizações da rede do Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos é uma oportunidade para que a ONU identifique violações e ameaças em curso, bem como para que solicite do estado brasileiro medidas preventivas e a averiguação de fatos já concretizados. Assim, as nações unidas poderão estar ainda mais alertas em 2022, colaborando para que o processo eleitoral no país ocorra de forma livre, democrática e bem informada, com a garantia de participação política e social forte da população brasileira”, afirmam as organizações na carta.

Diante desse contexto, o Comitê Brasileiro de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, a Anistia Internacional Brasil e a Coordenadoria Ecumênica de Serviço (CESE), chamam a atenção da Relatoria Especial para 10 pontos essenciais que precisam ser observados in loco:

  1. Ameaças legislativas e de mudanças nas práticas estatais, como o Projeto de Lei 1595/2019 e o Projeto de Lei do Senado 272/2016, bem como vetos à Lei de Segurança Nacional, a fim de restringir as liberdades fundamentais e os espaços democráticos. Em particular as liberdades de associação e reunião e os direitos de protesto e participação política;
  2. Perseguição e ameaças à vida e à integridade física de comunicadores/as e jornalistas que atuam para conscientizar a população sobre seus direitos e informá-la sobre violações de direitos humanos;
  3. Perseguição e censura das manifestações sociais, individuais ou coletivas, que são críticas ao atual governo ou defendem pautas de grupos historicamente marginalizados;
  4. Uso de legislações já em vigor, como a Lei de Organizações Criminosas e os crimes contra a honra, para a repressão e criminalização da atuação social;
  5. Casos de violência política, de perseguição e ameaças à vida e à integridade física de políticos e lideranças sociais;
  6. Uso excessivo da força e violência cometidos por agentes policiais e militares, que reprimem e perseguem a organização e atuação social e comunitária;
  7. Criminalização burocrática das organizações e movimentos sociais no país, que estão tendo suas liberdades fundamentais e sua própria existência limitadas por meio de requisitos indevidos pela administração pública e por meio de cortes orçamentários e desmonte institucionais;
  8. Uso de tecnologias e redes sociais para restringir e perseguir a organização e participação social;
  9. Disseminação de notícias falsas em massa como instrumento de promoção da desinformação social e violação da participação informada e do direito de acesso à informação;
  10. Impunidade dos agentes públicos e conivência do sistema de justiça na reparação e garantias de não repetição em casos de graves violações.

“Esperamos que os dez pontos destacados possam apoiar a sociedade e o senhor relator a compreender e observar o contexto da grave crise democrática em curso dentro do país, que expõe ao risco a integridade do espaço cívico e a vida de ativistas em todo o país”, concluem as organizações da rede do Comitê Brasileiros de Defensoras e Defensores de Direitos Humanos, CESE e Anistia Internacional Brasil.