Povos do campo, das florestas e da cidade se encontram na 7ª edição do CESE e Movimentos Sociais

Entre os dias 25 e 26 de março, a Coordenadoria Ecumênica de Serviço recebeu a 7ª edição do CESE e Movimentos Sociais. O evento contou com a presença de uma diversidade de movimentos populares e organizações do campo, das florestas, das águas e da cidade, além de agências de cooperação internacional. Realizado a cada dois anos, a reunião configura-se como um momento de fortalecimento institucional, um espaço de diálogo sobre o contexto de atuação dos movimentos e as ações necessárias para fortalecê-los.

Os dois dias de reunião foram dedicados à reflexão coletiva sobre os impactos da conjuntura política para as populações de mulheres, indígenas, negros e negras, pescadores, pescadoras, marisqueiras, trabalhadores e trabalhadoras rurais, populações tradicionais, movimentos urbanos, ambientalistas, agroecológicos, de direitos humanos, convivência com o semiárido, economia solidária, comunicação, educação, lideranças ecumênicas e religiosas, jovens, entre outros. Também foram desenhadas estratégias políticas de lutas pela defesa de direitos e para as inúmeras formas de resistência.

Pós-verdades, fake news, militarização da política, crescimento dos conservadorismos e intolerâncias, discursos de ódio. Esses pontos se repetiram em diversas apresentações dos cinco grupos que se dividiram na manhã do dia 26, quando os movimentos foram convidados a sistematizarem suas visões sobre como seus territórios e o país têm sido afetados diante da égide de gestões autoritárias.

Olhando para todos esses pontos elencados, Joilson Santana, do Fórum Brasileiro de Economia Solidária/ CAMA, ressalta que não dá mais para dissociar a discussão de raça de todas essas reflexões.  Paulo Carbonari, do Movimento Nacional de Direitos Humanos, concorda, reafirmando a importância de não se abandonar a interseccionalidade para se fazer a unidade de lutas.

De acordo com a pesquisadora Carla Akotirene, interseccionalidade é uma ferramenta teórica e metodológica usada para pensar a inseparabilidade estrutural do racismo, capitalismo e cisheteropatriarcado, e as articulações decorrentes dessa junção.

Povos do campo e das florestas denunciaram as violações de direitos fundamentais que vêm sofrendo em seus territórios. Denildo Moraes, da Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais (CONAQ), jogou luz sobre a fragilização que o processo de demarcação de terras tende a passar daqui adiante, já que a responsabilidade da execução foi passada para o Ministério da Agricultura (ocupado pela base ruralista).

Edilena Krikati (COIAB) levanta o assassinato e perseguição de lideranças e a pauta da municipalização da saúde indígena como pontos que afetam o bem viver e subsistência dos povos originários.

“Esse governo tem dificuldade de lidar com o diferente”, sintetizou Denildo, mais conhecido como Biko. “Precisamos voltar às bases nas florestas”.

Retomando Boaventura e seu conceito de “democracia de baixa intensidade”, Carbonari reelabora adpatnado para a realidade brasileira: “direitos humanos de baixa intensidade”

Valdecir Nascimento, da Articulação de Mulheres Negras do Brasil, acalora a construção coletiva chamando os movimentos a repensarem sobre o conceito de base: “a base está o quê, esperando os iluminados?”, brinca. “Precisamos rever isso. A gente fica chorando, mas o chamado é para ir pra frente, retro utopia, reorganizar para lidar com esse cenário”.

Ana Gualberto, de Koinonia, aponta os saberes africanos e indígenas como chave para atravessar esse momento histórico.  “O bem viver dos povos indígenas é para todos e todas. O dos povos de matriz africana também – para os elementos da natureza, como a pedra, a água, assim como para mulheres negras, homens e mulheres brancas. Os conceitos africanos são revolucionários e nós não vamos abrir mão, assim como dos conceitos indígenas”, enfatiza.

O indígena José Luis Cassupá (COIAB), de Porto Velho (RO), faz um chamamento a todas as pessoas presentes: “Nós estamos com medo?”, questionou, repetidamente. E ele mesmo respondeu.  “Não! Nós povos indígenas sempre dizemos ‘não’, temos resiliência desde sempre. Essa ideologia não é pra nós, nós temos que resistir porque não condiz com a nossa história. Precisamos nos unir a outros movimentos, descolonizar essas ideias que estão sendo implementadas no governo de Bolsonaro”.

O segundo e último dia de reunião foi destinado à elaboração de estratégias de enfrentamento diante desse cenário de tantas perdas. Foi quando lá do fundo da sala, timidamente, o cordelista Anselmo Ferreira de Sousa apareceu, declamando um apanhado de impressões sobre os dois dias, na forma melodiosa e cadenciada de um cordel, emocionando quem pode ver suas lutas reescritas e reinventadas pelo olhar e voz da cultura popular.