CESE apoia iniciativa de cuidado coletivo durante a pandemia - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" /> CESE apoia iniciativa de cuidado coletivo durante a pandemia - CESE - Coordenadoria Ecumênica de Serviço" />

O Brasil confirmou o primeiro registro novo Coronavírus SARS-CoV-2, causador da Covid-19, no mês de fevereiro. Desde então, a doença se propagou e vem superando a marca de 90 mil vidas perdidas, trazendo fortes impactos para as mulheres negras e mais pobres, como as trabalhadoras rurais que vivem no Nordeste do país. Um estudo realizado pelo Núcleo de Operações e Inteligência em Saúde, grupo da PUC-Rio, apontou que pretos e pardos morreram por Covid-19 mais do que brancos no Brasil.

O estudo analisou a variação da taxa de letalidade da doença no país, considerando as variáveis demográficas e socioeconômicas da população. Cerca de 30 mil casos de notificações da Covid-19 até 18/05 disponibilizados pelo Ministério da Saúde foram levados em conta. Segundo esse levantamento, pessoas sem escolaridade tiveram taxas três vezes superiores (71,3%) às pessoas com nível superior (22,5%) em relação aos óbitos causados pela pandemia. Se cruzar os dados de escolaridade e raça, o estudo confirma que pretos e pardos sem escolaridade tiveram 80,35% de taxas de morte, contra 19,65% dos brancos com nível superior.

O que a pandemia tem evidenciado é o que vários estudos já mostravam em relação ao maior prejuízo da população pobre e negra ao acesso da saúde. A Covid-19 encontra um terreno favorável porque essas pessoas estão em um cenário de desigualdade de saúde e de precarização da vida“, afirma Emanuelle Góes, doutora em saúde pública pela Universidade Federal da Bahia e pesquisadora do Cidacs/Fiocruz sobre desigualdades raciais e acesso a serviços de saúde, em entrevista realizada pelo portal da BBC News Brasil, divulgada no dia 12/07 juntamente com a pesquisa.

Se antes já era difícil lidar com condições de pobreza e desigualdade social, atrelada à obrecarga do trabalho do cuidado, a injustiça e violência, agora com a pandemia, tem sido cada vez mais desafiador para estas mulheres da região Nordeste. Diante da conjuntura atual, e por perceber a importância da defesa da vida e do autocuidado, a CESE apoiou por meio da agência de cooperação holandesa Wilde Ganzen, o projeto “Balaio do Fica na Roça” do Movimento da Mulher Trabalhadora Rural do Nordeste (MMTR-NE).

Segundo informações divulgadas pelo Ministério da Saúde, no início do mês (07/06), o Nordeste tem apresentado o maior aumento proporcional de casos oficiais de covid-19 no Brasil. Os estados que compõem a região correspondem a 31,2% de todos os registros da doença no País, quase o dobro do que há um mês. A pandemia está chegando de forma acelerada nas pequenas cidades e comunidades rurais, ribeirinhas, pesqueiras, habitada e atingindo mais fortemente as mulheres.

Segundo Jacy Barreto de Sousa, residente do município de Serrinha (BA) e diretora estadual do MMTR-NE, a conjuntura da pandemia tem sido muito difícil para as mulheres trabalhadoras rurais: “Elas se mantêm através das produções e comercialização dos produtos. Muitas produziam alimentação para projetos do PNAE [Programa Nacional de Alimentação Escolar] e com essa situação e as escolas suspensas, não podem produzir porque nem têm para quem entregar.”, afirma a diretora, referindo-se ao fechamento das feiras livres e ao sucateado programa do governo que estados e municípios a comprar 30% de produtos da agricultura familiar.

Para Verônica Santana, da cidade de Santa Luzia do Itanhin (SE), militante e ex-coordenadora do MMRT-NE, desde 2016 as mulheres rurais do Nordeste vêm enfrentando os desmontes de várias políticas e espaços institucionais de participação social para a questão da agricultura familiar. Ela cita o exemplo do potencial cultural e produtivo dos quintais e diz que conquistas como essas passam despercebidas pelas políticas públicas atuais: “Houve retrocessos no reconhecimento dos espaços de produção das mulheres como os quintais e “ao redores de casa” como verdadeiros sistema agroalimentares, por sua diversidade produtiva, responsável pela segurança alimentar das famílias, e por ser geradoras de renda. Na Marcha das Margaridas de 2015 conseguimos colocar os quintais produtivos como espaços de política pública com necessidade de financiamento diferenciado.”, lembra Santana.

Para a militante, o atual governo não tem demonstrado compromisso e nem sensibilidade com as reivindicações dos/as agricultores/as familiares durante a pandemia. Por esse motivo, os movimentos sociais rurais pressionam parlamentares pela aprovação do Projeto de Lei735/2020 para atender medidas emergenciais e acesso ao crédito universal para as mulheres do campo: “Reivindicamos financiamento emergencial para agricultura familiar e camponesa com linha de apoio a produção das mulheres e retorno do Programa de Aquisição de Alimentos- PAA como estratégia importante de comercialização e enfrentamento a fome, atendendo pessoas em vulnerabilidade social.”,  afirma Verônica Santana.

Projeto “Balaio do Fica na Roça”

Diante de toda essa desafiadora conjuntura, a coordenação executiva e as diretoras do MMTR-NE decidiram de forma coletiva e solidária beneficiar os nove estados da região Nordeste. Apesar da distância e do recurso limitado, o projeto apoiado oportunizou uma nova dinâmica de escuta e troca de informações. Ali, as mulheres reconstruíram a unidade e a solidariedade de ser mulher rural trabalhadora nordestina e levantaram as principais necessidades nesse momento de pandemia. Com isso, o recurso destinado pela CESE teve o objetivo de dar suporte emergencial na alimentação e nos cuidados com a saúde com a iniciativa “Balaio do Fica na Roça”.

A proposta beneficiou 100 famílias de 22 municípios com cestas básicas, máscaras de proteção e kits de limpeza e higiene. Aline Carneiro de Paula, moradora do Conde (PB) e coordenadora administrativa e financeira do MMTR-NE, conta que distribuição dos produtos alimentícios nas localidades levou em consideração o respeito pelos gostos alimentares e a cultura de cada região: “No Maranhão as mulheres preferiram substituir o fubá de milho por mais arroz, porque lá ão se tem o hábito de consumir fubá. Na Paraíba, as mulheres não abriram mão de comprar a farinha de mandioca da localidade e de ter a rapadura nas feiras, e pensando nas crianças foi colocado milho de pipoca.”, informou a coordenadora do movimento.

O kit de cuidado possibilitou o acesso a máscara, álcool em gel e medicamentos para muitas mulheres que vivem em condições precarizadas: “Encontramos situações muitos precárias e vulneráveis, mulheres sem acesso a água potável, sem acompanhamento de agente de saúde, com dez, onze filhos vivendo em um espaço minúsculo. Muitas residências sem banheiro, moradias de pau a pique, casas sem energia elétrica, e fome”, informa Aline Carneiro.

Além das cestas básicas e dos kits de higiene e limpeza, o MMTR-NE levou orientação contextualizada sobre a pandemia para prevenção nas comunidades: “Pensamos nas mulheres beneficiárias da ação não serem escolarizadas, e na falta de acesso a tecnologias necessárias para a impressão de materiais. Por esse motivo, decidimos pelo diálogo, obedecendo a distância de segurança, e utilizando máscaras e álcool em gel. E repassamos as principais orientações no combate à Covid-19.”, explica a coordenadora financeira, referindo-se à opção pelo repasse de informações através da oralidade.

Jacy Barreto, explica a importância do apoio da CESE: “Chegou em um momento muito oportuno, já que as trabalhadoras rurais não estão podendo produzir para vender. Somos gratas à CESE e à diretoria executiva que correu atrás da elaboração do projeto. A única coisa que as mulheres têm é o auxílio emergencial do governo para famílias com quatro, cinco, seis pessoas dentro de casa. Esse dinheiro sozinho não é suficiente para a sobrevivência.”, informa a diretora estadual do MMTR-NE.

Resistências e solidariedade

Nesse período em que é necessário proteger-se e se reinventar constantemente, o MMTR-NE tem se movimentado para participar de redes de afetos, de solidariedade e de luta contra a pandemia e o desmonte de políticas públicas praticado pelo atual governo. As redes sociais, mesmo com acesso precário à internet, têm sido um espaço de compartilhamento de informações, debates e acolhimento: “Estamos no desafio de mobilizar e fazer a nossa militância através das mídias sociais, seja como ouvintes, debatedoras ou realizadoras. Estamos dialogando sobre os impactos da Covid-19 nas nossas vidas, traçando estratégias de enfrentamento, reivindicando políticas públicas e pressionando por um auxilio mais efetivo dos governantes e parlamentares no socorro a quem mais precisa.”, afirma Aline Carneiro.

Segundo a moradora do município do Conde (PB), compreender essa nova forma de lutar pelos direitos, sem ir às ruas, é um ato de respeito e amor para com o próximo. Para ela, além do engajamento virtual, da participação em reuniões online e lives, o cuidado, o afeto e a saúde mental também são discussões relevantes para as integrantes do movimento: “Sempre que possível conversamos sobre isso com nossas companheiras. Estamos isoladas fisicamente, mas próximas na questão do cuidado e afeto.  Atentas também ao aumento da carga de trabalho doméstico, engajadas na campanha pela divisão justa do trabalho doméstico e de cuidado, e mais atentas ainda ao aumento da violência contra as mulheres nesse tempo de pandemia. Nos juntamos a outras tantas, pressionando ações do Estado para a proteção das mulheres e condições dignas para a sobrevivência delas e dos filhos.”, declara Aline.

Nesses tempos de pandemia, são as mulheres que têm desempenhado um papel fundamental nas articulações, nas ações de prevenção, e na defesa de direitos, sobretudo no que se refere à alimentação, saúde e educação. O apoio da CESE representa o reconhecimento da importância desse trabalho em um contexto de aumento de violações dos direitos humanos e ataque as liberdades democráticas.