1deMaio – Dia dos trabalhadores e das trabalhadoras – Os desafios das juventudes e o desemprego em meio à pandemia

 A CESE reconhece o contexto de extremas desigualdades sociais, desemprego estrutural e precarização das relações de trabalho sob a lógica neoliberal, que define um modelo de desenvolvimento que desconsidera diferentes modos de vida e aprofunda a segregação étnico-racial e a subordinação das mulheres. Neste mês do trabalho, busca refletir acerca de questões da desigualdade social e dos racismos que vem atingindo juventudes e mulheres, principalmente as trabalhadoras domésticas, no universo do trabalho, durante a pandemia de Covid-19.

Neste primeiro texto, trazemos relatos de quatro representantes de organizações sociais sobre os desafios da juventude no enfrentamento ao desemprego e principalmente à precarização do trabalho para este segmento.

No terceiro trimestre de 2020, eram mais de 4 milhões de brasileiros e brasileiras com idade entre 18 e 24 anos em busca de um emprego na pandemia, o equivalente a 31,4% do total. 

No Brasil, os índices de desemprego caminham para níveis cada vez mais altos durante a pandemia. Em janeiro de 2021, 14,3 milhões de pessoas estavam sem emprego em todo o país. Esse número representa um aumento de 300 mil desempregados/as em um período de apenas dois meses. Dentro desse número, uma parcela da população vem sendo a mais afetada: a juventude.

Os dados são da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios Contínua (PNAD Contínua), divulgada em novembro de 2020, pelo IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

O acesso à profissionalização, ao trabalho e à renda, em condições de liberdade, equidade e segurança, adequadamente remunerado com proteção social e os incentivos ao jovem trabalhador rural em sua organização na produção da agricultura familiar e dos empreendimentos familiares rurais são direitos previstos no Estatuto da Juventude, como bem lembra a publicação “Direito à vida da juventude”, escrita em parceira pela CESE – Coordenadoria Ecumênica de Serviço; o CEBI – Centro de Estudos Bíblicos; e pela REJU – Rede Ecumênica da Juventude.

No terceiro trimestre de 2020, aproximadamente 4,3 milhões de todos os brasileiros e brasileiras que buscavam emprego tinham idade entre 18 e 24 anos – eram cerca de 13,6 milhões de pessoas naquele período. Representantes de diferentes organizações populares da juventude apontam fatores em comum para essa predominância jovem no número de desempregados no país: um deles é a alegação de falta de experiência.

Hélio Barbosa, um dos fundadores da AJURCC – Associação de Juventudes, Cultura e Cidadania e que hoje é membro da sua diretoria e atua como educador na Associação, questiona essa justificativa. “Existe esse preconceito de que a juventude é desqualificado por não ter experiência ao mesmo tempo em que lhe é negada a oportunidade de trabalhar. Então como adquirir experiência?”, problematiza.

Ele denuncia também o racismo presente nessas rejeições, uma vez que negros e negras também representam maior parte dos(as) desempregados(as) no Brasil – cerca de 19% acima da média nacional de 14,6%, também no terceiro trimestre de 2020. “Se você é negro/a e mora em um bairro periférico, distante, dizem que você mora longe demais, ou te associam ao tráfico, à violência, acham que vai cometer um crime. Dizem que a sua experiência em uma fábrica não serve para o supermercado e por aí vai”.

Para ele, existe um ciclo de precarização do trabalho e da juventude brasileira em curso. “A busca por um trabalho formal não dá resultados. Você é jovem, de uma família pobre, precisa ajudar nas despesas de casa, então aceita capinar um quintal ou cuidar de animais e recebe 20 ou 30 reais por algo que lhe tomou um dia inteiro. Deixa de estudar, deixa de se capacitar e a busca por trabalho formal novamente não dá resultados”.

Maurílio Nogueira, educador do FOJUPE – Fórum da Juventude de Pernambuco

Maurílio Nogueira, que atua como educador dentro do FOJUPE – Fórum da Juventude de Pernambuco e representa a organização no Conselho Estadual de Políticas Públicas de Juventude de Pernambuco, apresenta preocupações sobre a saúde mental das juventudes periféricas da cidade, durante o período de pandemia.

“Além de não ter emprego formal e de muitos enfrentarem a violência familiar e das ruas que perpassa por essas vidas, essa juventude também enfrenta a prisão de dentro de casa. É importante que fiquemos em casa, por que estamos nos protegemos de um vírus, mas eles ficam ociosos. Quantos dos(as) nossos(as) jovens não estão indo para o sinal por que não enxergam outra possibilidade? Para tentar alguma coisa ou pedir algo?”, provoca.

Tiago Aquino, coordenador de educação e cultura da ACAJAMAN / PB

Para Tiago Aquino, coordenador de educação e cultura da ACAJAMAN – Associação Cultural e Agrícola dos Jovens Ambientalistas da Paraíba, essa precarização tem início já na infância, na zona rural de Alagoa Nova – PB. “A partir do 5º ano, o/a aluno/a é obrigado a sair do campo e ir estudar na cidade por que muitas escolas estão sendo fechadas. Em alguns sítios, crianças com 5 ou 6 anos já precisam ir pra cidade estudar”.

Dentro deste cenário, Tiago também destaca a não valorização das atividades do campo nas escolas. “Não se trabalha agroecologia, agropecuária, agroindústria, mas sim tecnologia, administração, e isso só incentiva a juventude a não ficar na terra. Ainda tem a questão da pejorização das pessoas que vêm do campo: os ‘matutos’, ‘que agricultura não dá dinheiro’, ‘que tem que trabalhar para ser doutor e não agricultor’”.

Ele também destaca algumas situações semelhantes às narradas por Hélio e Maurílio, no contexto do campo. “Se a juventude que fica no campo quiser trabalhar, como ela não tem terra, ela vai ter que trabalhar para alguém. E aí vai ser num canavial, sendo mal remunerado/a, sem nenhuma garantia, muitas vezes sem carteira assinada. Se essa pessoa se machuca, ela não vai ter nenhuma assistência”.

As contrapartidas antes e durante a pandemia

Diante das altas taxas de desemprego durante a pandemia, jovens também buscam alternativas para geração de renda. Alguns casos exigem a tomada de decisões mais drásticas. Maurílio relata que, dentro do FOJUPE, uma verba que seria utilizada para uma grande atividade foi convertida em auxílio para o sustento de algumas pessoas que integram o Fórum.

“Como vimos que muitos jovens da coordenação executiva do Fórum não trabalham e estavam passando por necessidade, chegamos a essa decisão. São jovens que tocam o Fórum e não têm remuneração nenhuma. Vivemos um período difícil, então pegamos esse recurso e transformamos em bolsas mensais até setembro. O valor não é muito alto”, conta Maurílio.

Já Tiago conta que em sua região, os/as jovens se organizaram para evitar o desperdício do que foi plantado. “Como estamos vivendo essa pandemia e é preciso ficar em casa, montamos uma rede de vendas direta na ACAJAMAN. A pessoa que quiser um produto liga e a gente vai lá levar o que ela pediu. É como um sistema de delivery para evitar que a produção seja perdida”.

Ana Carine Nascimento, coordenadora dos programas de Desenvolvimento Socioambiental e de Direitos Humanos do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente /BA

Ana Carine Nascimento, jovem negra e coordenadora dos programas de Desenvolvimento Socioambiental e de Direitos Humanos do CAMA – Centro de Arte e Meio Ambiente destaca a  importância da economia solidária como alternativa ao desemprego e à exclusão social.

A economia solidária vem justamente para combater a exclusão do modelo econômico atual que visa a produção e o lucro sem pensar nas pessoas. Ela visa a geração de renda, mas em uma outra perspectiva que é a do bem estar, da cooperação, da autogestão, da sustentabilidade, da divisão do lucro é igualmente entre todos(as) participantes”, pontua.

Ela cita alguns exemplos das experiências do CAMA com empreendimentos econômicos solidários, ao longo dos seus 25 anos. “A CAMAPET foi a nossa primeira forma de pensar na geração de renda a partir da comercialização dos resíduos e isso feito por jovens negros da comunidade, naquele momento. Um outro exemplo é o Costura Solidária e Sustentável, que é um empreendimento formado exclusivamente por mulheres negras e dá ressignificação a um material pouco utilizado que são as lonas vinílicas. Não é nada fácil.  Há vários entraves no percurso a exemplo de comercialização e da renda”.

Hélio, por sua vez, fala de duas iniciativas da AJURCC apoiadas pela CESE para destacar que a qualificação profissional pode vir mesmo antes do emprego. Uma delas foi em 2020. “O projeto Caminhos Negros era uma articulação de organizações que trabalhavam com jovens negros e negras da cidade e tinha como pauta dialogar e estimular a participação dessas pessoas nos espaços de tomada de decisão de Campina Grande”, relata.

“Quando a gente capacita ou contribui para formação de lideranças jovens na perspectiva da participação e do acesso a direitos, da questão de gênero, de raça, contra a homofobia, contra o racismo, você está qualificando um profissional indiretamente”, complementa. E, a partir desse exemplo, relembra a sua primeira experiência de receber apoio da CESE, em 2008.

“Quando a CESE apoiou o primeiro projeto da gente em 2008, nenhum dos nossos tinha graduação ou se interessava por política. Depois desse projeto, formou-se metade sociólogo, um monte de assistente social, engenheiro agrônomo. Você começa a fomentar um processo de participação que estimula as pessoas a procurarem mais qualificação não só para o mercado de trabalho, mas para contribuir para o desenvolvimento da sociedade a partir da sua ação profissional”, complementa.

Formações Caminhos Negros promovido pelo FOJUPE em 2020

Ele finaliza sua fala apontando para um cenário com variados profissionais eventualmente formados nesses espaços. “Imagina mulheres que participaram de processos de formação e foram ocupando espaços de poder e hoje estão numa secretaria gerenciando programas, coordenando cursos de graduação, dando aula em universidades. Foi isso que aconteceu a partir da intervenção da CESE e a gente espera que o mesmo aconteça com quem participou das formações do ‘Caminhos Negros’”.

O trabalho e a CESE

Com a política de Direito A Trabalho e Renda, a CESE busca contribuir para garantir condições necessárias para a produção e reprodução da vida, fortalecendo processos de resistência à dinâmica neoliberal e estimulando a construção de alternativas no campo da produção, comercialização e consumo, como a agricultura familiar e camponesa, a agroecologia, a economia solidária e dos setores populares, entre outros.