A comunidade de Ilha de Maré vem a público denunciar a destruição que está em curso nas áreas de manguezais localizadas dentro de seus territórios tradicionais. Com motosserras em punho, aproximadamente 50 homens não identificados têm devastado o bioma há aproximadamente uma semana – o que impactará severamente na diversidade ambiental e nos meios de subsistência dos pescadores/as e marisqueiras da região, segundo avaliação de Marizélha Lopes, uma das lideranças locais e representante do Movimento de Pescadores e Pescadoras Artesanais (MPP).
A região foco de devastação situa-se dentro do rio de Aratu, entre as empresas Dow Química e o porto da Ford. “Não sabemos quem é, mas estamos numa agonia só. Estou arrasada de ver essa situação, as motosserras; as garças que já estavam habituadas em ficar lá, no seu manguezal, agora no chão”, preocupa-se Marizélha.
A área encontra-se com autorização para supressão de vegetação e dragagem, com licenciamento autorizado para o empreendimento portuário da Bahia Terminais. O espaço se tornará em mais um porto na região, desconsiderando a capacidade de suporte do meio, o ecossistema e os impactos sociais e econômicos, especialmente a pesca artesanal.
No entanto, a comunidade reafirma que não houve consulta, nem aviso prévio sobre a destruição dos manguezais – que são fundamentais tanto para o equilíbrio ambiental como para a existência desses povos pescadores.
“Essa população é dada como inexistente”, resume o professor e pesquisador da Universidade Federal de Feira de Santana (Uefs), Pedro Diamantino, retratando mais uma faceta do racismo, que vem tomando as mídias de todo o mundo nas últimas semanas. O racismo ambiental, engendrado nessa região, materializa-se pela morte programada de povos pretos tradicionais que vivem em territórios com acesso precário a diretos básicos ou, como neste caso, moradores/as de regiões de interesse econômico. “Agora em plena pandemia, a gente preocupado com a saúde da gente, eles estão destruindo o resto de mangue que ainda existe. Se eles fizerem isso, vai sumir o pescado. São várias famílias que vivem desse rio, tanto pescadores de Ilha de Maré, como Caboto, Boca do Rio (que é uma comunidade que fica dentro do Porto de Aratu), a comunidade de Aratu (que é em Ilha de São João), Mapele”, enumera a liderança, reforçando a necessidade das autoridades locais fiscalizarem e impedirem a destruição da flora local e dos meios de sobrevivência das pescadoras, pescadores e marisqueiras da região.
Histórico de violações de direitos
Desde os anos de 1950, tem início um forte processo de industrialização da região, que já era habitada por comunidades quilombolas, com a instalação de indústrias ligadas à área petroquímica. Os efeitos deste processo foram rapidamente sentidos pelos moradores e moradoras locais e hoje estão documentados em pesquisas.
O Porto de Aratu é o principal escoadouro dos produtos produzidos no Polo Petroquímico da Bahia, localizado na cidade de Camaçari (BA).
Há anos o descarte irresponsável dos produtos tem contaminado as águas e adoecido a população de Ilha de Maré. Vários estudos comprovam o impacto dessa contaminação na saúde dos pescadores e pescadoras da localidade. Um dos casos mais graves aconteceu devido ao acidente do navio Golden Miller. Em 17 de dezembro de 2013, o navio das Bahamas espalhou uma mancha de óleo pela Baía de Todos os Santos.
Um estudo realizado por Neuza Miranda, da Universidade Federal da Bahia (UFBA), mostra que a poluição das águas tem gerado um acúmulo de metais pesados em toda a cadeia alimentar regional. Como os peixes são parte fundamental da alimentação dos moradores, estes metais estão sendo ingeridos constantemente por eles.