O encontro entre fé e clima no lançamento da 24ª Campanha Primavera para a Vida

O evento aconteceu nesta terça-feira (24), na sede da CESE, com o tema “Fé e Clima: Caminhos de Cuidado com a Casa Comum”

O evento aconteceu nesta terça-feira (24), na sede da CESE, com o tema “Fé e Clima: Caminhos de Cuidado com a Casa Comum”

Uma das maiores contradições geradas pela crise climática é que as pessoas mais afetadas por ela são as que menos contribuem para o seu agravamento. Os quilombos, terras indígenas e outros territórios em que vivem os povos tradicionais são os mais preservados do planeta. O desastre que cada vez mais se impõe sobre a humanidade não brota das terras produtivas destas pessoas, mas sim da destruição dos grandes negócios.

Mas a maior de todas as contradições talvez seja a destruição da nossa Casa Comum feita “em nome de Deus”, seu criador. A fé, a espiritualidade, a conexão com o divino são dos grandes pilares de resistência de muita gente. Se por um lado, é ela que ajuda diferentes povos a sobreviver, produzir e se conectar com as suas ancestralidades. Por outro, é deturpada e transvertida em discurso vazio dos que apenas visam lucro individual.

Entre contradições, desabafos e muita resistência, a noite de lançamento da 24ª Campanha Primavera para a Vida recebeu lideranças religiosas, de movimentos sociais e de diferentes territórios. O evento aconteceu nesta terça-feira (24), na CESE, com o tema “Fé e Clima: Caminhos de Cuidado com a Casa Comum”, inspirada pelo versículo “A criação geme com dores de parto” Romanos 8.22.

Estiveram presentes o monge beneditino, teólogo e biblista, Marcelo Barros; Rejane Rodrigues, liderança do Quilombo Quingoma; Albert França, do Movimento dos Trabalhadores Sem-Teto e coordenador da Pacová – Articulação de Cooperação do Campo à Cidade da Rede Comuá; educadora popular e integrante da Rede de Juventude da TEIA dos Povos da Bahia, Kenyaa Barreto; e Julia Vilas Boas, da mesma Rede, estudante de Geografia da UFBA, representante do Movimento de Pescadores e Pescadoras.

O sequestro do cristianismo

A jovem Kenyaa Barreto foi quem trouxe para a roda o sequestro do cristianismo pela extrema direita. “Vivemos um contexto em que o nome de Deus é usado para fazer coisas muito ruins na Terra. A PEC do Marco Temporal diz muito. O PL 709 criminaliza a ocupação de terras, mas olha quantas terras improdutivas nós temos”.

Marcelo Barros, monge beneditino, reforçou a fala da jovem, pontuando que sempre foi assim. “Em nome de Deus. Foi assim desde o começo da colonização. A destruição, a dizimação dos povos indígenas, a escravização dos povos de África. O cristianismo serve como um braço ideológico do pior sistema de mundo, o mais cruel que temos até hoje: o capitalismo.”

O crescimento da extrema direita no Brasil e no mundo segue padrões semelhantes. U um dos aspectos mais comuns é o sequestro do cristianismo para justificar todo tipo de barbaridade. A bola da vez talvez seja o fim do mundo.

Ele denuncia um movimento da atualidade: lideranças de extrema direita do mundo inteiro estão investindo em cursos de teologia. “Se especializam em espiritualidade. Eles chamam isso de parapolítica. Ou seja: o que você constrói como fundamento fora da política para poder fazer a política da morte, da violência. Se baseiam em uma falsa espiritualidade para alcançar seus objetivos”.

Fé e crise

Rejane é uma liderança que foi forçada a abandonar seu território, por conta de ameaças de morte que vem recebendo. Localizado em Lauro de Freitas (BA), o Quingoma está sendo continuamente invadido por vários empreendimentos. Dentre hospitais, rodovias, bairros planejados e incêndios criminosos, cinco rios já foram ceifados na comunidade e árvores centenárias se foram para sempre.

“O dinheiro não paga o que estamos sofrendo. Não vai trazer o rio de volta. Perdemos árvores centenárias que são memórias afetivas. O Hospital que foi construído não serve à comunidade. Eu vivo afastada do meu território há três meses. Eu sou uma pessoa do quintal de Quingoma. Eles são tão cruéis que nos tiram até o medo de morrer. Mas eu sou apenas uma voz de um povo ancestral. E vou seguir lutando”, desabafa a liderança.

Albert França foi enfático ao afirmar que não existe solução para a crise climática sem uma intersecção feita com a desigualdade latente no Brasil, considerando os povos que vivem de maneira integrada com o meio ambiente, harmônica.

“A crise climática global não é apenas uma questão ambiental, mas de direitos humanos. São esses povos – indígenas, quilombolas, periferias urbanas, ribeirinhas – que primeiro sentem esses efeitos devastadores. E são esses guardiões dos rios e das florestas que sentem, que dependem, mas que não estão nos espaços de decisão sobre o futuro do planeta. E já existem soluções nos territórios!”

Futuro com fé e clima

Provocada pelo debate sobre fé e clima, a jovem Júlia Vilas Boas não teve dúvidas em exaltar seus modos de vida e a agroecologia como pilar de fé para o futuro. “Nós, juventudes, estamos aqui para ser continuidade. Segurar a espada para manter nosso bem viver, nossas conquistas. E o bem viver pra gente é isso: os quitais, as hortas, os animais, nossos artesanatos, o dendê, autonomia, a geração de renda, fazer troca.”

Em uma fala carregada de fé, Albert traz um desabafo. “Talvez nós sejamos a última geração que terá a chance de frear a crise. A fé é um motor da transformação. Precisamos garantir o direito à terra, água e território. Para que a Terra deixe de gemer e possa florescer, como a primavera”.

Baixe a publicação “Fé e Clima: Caminhos de Cuidado com a Casa Comum”

Este ano, a publicação oficial da Campanha Primavera para a Vida tem como tema “Fé e clima: Caminhos de Cuidado com a Casa Comum”A criação geme com dores de parto. Romanos (8:22). A obra é uma parceria da CESE com a Rede Comuá e foi divulgada na noite desta terça-feira (24), durante o seminário de lançamento da CPPV 2024.

O texto oferece material de reflexão bíblico-teológica, em diálogo com a crise climática, para ser utilizado em reuniões, encontros, estudos e catequeses.

Faça aqui o download da publicação.