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No Brasil, mulheres rurais trabalham 27,5 horas por semana com trabalho não remunerado. Isso inclui atividades domésticas e de cuidados, enquanto os homens dedicam apenas 5,2 horas por semana. Este é um dado da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura, divulgado em 2016. Esta é também uma das principais lutas da Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste.
Esta sobrecarga exerce impacto na vida política, produtiva e pessoal dessas mulheres. É por isso que a Rede luta pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico. Embora desenvolvam diversas iniciativas produtivas, as mulheres tendem a participar de grupos menores. Quanto maiores e mais institucionalizadas são as organizações, menor acaba sendo a sua participação – como cooperativas e associações, por exemplo.
Divisão Justa do Trabalho Doméstica é o nome de uma campanha lançada pela Rede em 2014. Em outubro de 2024, a Rede celebrou 10 anos de existência e resistência com um encontro realizado em Salvador (BA). A atividade teve apoio da CESE e contou com participação de mulheres de diversos movimentos. Uma das estratégias adotadas para o encontro foi o relançamento da Campanha com a proposta de incorporação dessas articulações.
O GT Mulheres da ANA, Movimento Pequenos Agricultores (MPA), Articulação de Mulheres do Cerrado, o Conselho de Pastoral de Pescadoras (CPP), Articulação Nacional de Pescadoras (ANP), o Movimento de Mulheres Trabalhadoras Rurais do Nordeste e o GT de Mulheres da ASA – Articulação Semiárido foram alguns dos grupos participantes.
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“A campanha segue atual porque a gente não conseguiu superar essa questão, que tem as relações patriarcais como sua base estrutural. Somos nós, mulheres, as responsáveis pelo cuidado das pessoas, trabalho doméstico, pela produção de alimentos. E essa é uma questão, sobretudo, política. ”, afirma Graciete Santos, presidenta da Casa da Mulher do Nordeste, organização que integra a Rede.
Reflexos do patriarcado na vida das mulheres rurais
No Brasil, em 2017, as mulheres eram responsáveis por apenas 19,7% dos estabelecimentos da agricultura familiar brasileira, com predominância das negras, representando 62% do total de estabelecimentos dirigidos por mulheres, seguidas pelas brancas (35%), indígenas (2%) e amarelas (1%).
Somente a região Nordeste concentrava 85% dos estabelecimentos liderados por mulheres negras e pardas. Segundo os dados de 2022 da Rede Brasileira de Pesquisa em Soberania e Segurança Alimentar (Rede PENSSAN), a população mais vulnerável em relação ao percentual de domicílios com insegurança alimentar grave são as mulheres negras (18,1%) em relação às mulheres brancas (10,6%).
E quando comparadas com os domicílios segundo o gênero do/a chefe de família, as mulheres na sua maioria (19,3%) sofrem mais de insegurança alimentar grave em comparação com os homens (11,95%).
Uma luta política
A ATER – Assistência Técnica e Extensão Rural é um dos elementos políticos que Graciete destaca no entorno das lutas das mulheres rurais. Instituída em 2010, por meio da Lei 12.188, ATER consiste num serviço de educação não formal, de caráter continuado, no meio rural, que promove processos de gestão, produção, beneficiamento e comercialização das atividades e dos serviços agropecuários e não agropecuários, inclusive das atividades agroextrativistas, florestais e artesanais.
Executada por meio de chamadas públicas, Graciete explica que organizações da sociedade civil e movimentos sociais tambémd desenvolvem ATER. “Suas experiências metodológicas e práticas hoje também são reconhecidas”. A grande bandeira levantada pela Rede em torno da ATER é que esta seja uma política agroecológica.
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“Nós defendemos uma ATER feminista, antirracista e agroecológica. Queremos garantir essa perspectiva não de um modo de produção, mas um modo de vida! De práticas sustentáveis, que sejam conectadas à natureza, pela segurança alimentar, pela valorização dos saberes das populações indígenas, tradicionais”, explica. A Rede busca, sobretudo, a valorização e visibilidade dos saberes das mulheres – negras, indígenas, camponesas, etc.
“A nossa defesa é que a ATER tenha essa perspectiva agroecológica feminista. De garantir a autonomia das mulheres, os seus direitos. De garantir as mulheres como sujeitos desse processo. É uma luta pela superação do patriarcado, do racismo, que a gente entende que é uma outra dimensão de opressão e por esse modelo capitalista”, pontua.
Os 10 anos da Rede
A Rede Feminismo e Agroecologia do Nordeste surge a partir de uma experiência de várias organizações não governamentais e movimentos de mulheres rurais, em uma ação coordenada pela Universidade Federal Rural de Pernambuco. A iniciativa oferecia formações de fortalecimento das práticas agroecológicas dessas organizações na região Nordeste, dentre outras pautas. Um dos frutos dessa ação conjunta foi o lançamento da Campanha pela Divisão Justa do Trabalho Doméstico.
“Após o término do projeto, foi identificada a necessidade de continuidade dessa articulação e ações no âmbito do Nordeste. Então a para nós, após 10 anos dessa caminhada, o sentimento é de celebração! Primeiramente, pela existência dessa Rede, da sua importância no fortalecimento do feminismo, mas da agroecologia também, e sobretudo dessas atuações nesses territórios”, afirma Graciete.
O encontro também abordou impactos dos mega projetos na vida das mulheres rurais – como parques eólicos, energias solares. “A gente tem uma conjuntura bastante desafiadora. Há um recrudescimento da pobreza, das injustiças sociais, e as mulheres – mulheres negras e rurais – estão na centralidade dessa questão”, pontua a ativista.
Outro momento da programação do foi de avaliação sobre a atuação da Rede em pontos como organização, comunicação e a possibilidade de realizar mais momentos de articulação. “Precisamos ter mais encontros presenciais e a parceria com a CESE foi fundamental para isso. Fazia tempo que a Rede não tinha uma oportunidade como esse, de poder se escutar e pensar juntas. Ver o quanto a existência da Rede é fundamental par ao nosso trabalho feminista, antirracista e agroecológico”, finaliza.