O espírito e a energia de cura da Terra foram o eixo catalisador da live “Espiritualidade Indígena”: um momento de trocas, denúncias e vibração sobre o momento crítico que o país está atravessando, com a crise política e sanitária e a interiorização do Covid-19. A roda de diálogo faz parte da série “Diálogos Ecumênicos e Inter-religiosos”, uma realização da Coordenadoria Ecumênica de Serviço. Contemporizando com o contexto atual, o objetivo da live foi contribuir com reflexões diante do avanço preocupante dos fundamentalismos e intolerâncias religiosas.
A roda de diálogo atingiu o pico de audiência de 330 pessoas, que se reuniram para ouvir e aprender com os saberes, os cantos, a força, a vibração e a resistência histórica de lideranças indígenas de diversas partes do país: Telma Taurepang (Roraima), Cacique Babau (Tupinambá – Bahia), Ibã Huni kuin (Acre), Elisa Pankararu (Pernambuco), Cíntia Guajajara (Maranhão), Shirley Krenak (Minas Gerais), Nhandeci Alda Kaiowá (Mato Grosso do Sul). A pesquisadora e pastora luterana Graciela Chamorro também participou da live e a mediação ficou por conta de Mara Vanessa Fonseca Dutra, da equipe de assessoria de projetos e formação da CESE.
“Quando eu canto, o maracá tem um poder muito grande, é uma memória do nosso povo. Através do canto, a gente cura”, assim abriu a roda de diálogo, com seus cantos tradicionais, a coordenadora da Articulação das Mulheres Indígenas do Maranhão, Cintia Guajajara, exemplificando a importância da espiritualidade para a (r)existência dos povos indígenas.
“Nós somos fortes quando a natureza é forte”, sublinhou o cacique Babau, aguerrida liderança Tupinambá da Serra do Padeiro, do Sul da Bahia, convidando a audiência a observar a estreita relação entre violação de direitos socioambientais, saúde coletiva, manutenção da biodiversidade e espiritualidade. Em sua abordagem, Babau trouxe o recado dos Encantados, reforçando a necessidade de a humanidade repensar o atual modelo de desenvolvimento predatório, que inclui a ação violenta em relação à natureza e aos povos e territórios indígenas.
Aliado ao modo de vida e de produção da sociedade não indígena, combina-se o racismo religioso. A educadora Elisa Pankararu o aponta como uma das formas de violação de direitos contra os povos indígenas. Práticas de fundamentalismo religioso provêm de pessoas com cor, gênero e visões de mundo definidos (branco, homem, racista e machista) e, atualmente, encontram-se enraizadas dentro do poder público, fragilizando políticas públicas. “Quando você nega uma política específica [aos povos indígenas], você também está ferindo nossa harmonia espiritual e nossos espíritos sagrados”, explica Elisa Pankararu, que também é coordenadora do Departamento de Mulheres Indígenas da Articulação dos Povos Indígenas do Nordeste, Minas Gerais e Espirito Santo (APOINME).
Em participação por vídeo, Ibã Huni Kuin dialoga com Elisa Pankararu, colocando uma perspectiva histórica do que ele coloca como “racismo espiritual”: “vem desde a chegada dos europeus no Brasil, mudando linguagem e culturas tradicionais [dos povos indígenas]”.
Dando uma aula de diálogo inter-religioso, o cacique, que é mestre dos cantos do Nxi Pae, na tradição do povo Huni Kuin, equaciona: “essa linguagem espiritual que a gente tem é a mesma linguagem que os evangélicos têm”. No entanto, embora na teoria as religiosidades e espiritualidades possam encontrar equilíbrio, tendo cada uma seu espaço, na prática a história é outra. Ibã lamenta que parte da juventude de sua etnia esteja sendo absorvida por igrejas cristãs, deixando de lado os conhecimentos, as pinturas e os cantos tradicionais dos Huni Kuin.
Shirley Krenak sintetiza em uma frase a mensagem da roda de diálogo: “falar de espiritualidade é falar do respeito que a gente precisa ter com a cultura, com a religião do outro”. A educadora e escritora desenvolve trabalhos terapêuticos ancestrais voltados para a cura e para o despertar do ser humano e viu de perto a destruição do Rio Doce, o Watu, em cujas margens, na região Leste de Minas Gerais, vive o povo Krenak.
Ainda assim, ela e seu povo resistem e apontam a espiritualidade como forma de cura. “É através dessa conexão espiritual que estamos protegendo o mundo para que vocês vivam bem. Essa sociedade que nos odeia precisa nos ver de uma forma positiva e entender que nós somos os guardiões do universo, nós somos o universo”, manda o recado.
Shirley reconhece que o ser humano está perdendo sua essência, sua forma de ver o mundo e isso impacta na sobrevivência humana neste planeta. “Quanto mais valorizarem a natureza, a Mãe Terra, mais a cura espiritual será lançada. Precisamos trazer essa coletividade espiritual para o mundo inteiro para ser mais potente”, convida a educadora Krenak.
Com um canto poderoso, a coordenadora geral da União das Mulheres Indígenas da Amazônia Brasileira, Telma Taurepang, capturou a todos e todas com a mensagem sobre o momento difícil que o mundo está passando. “Mas nosso Grande Espírito está aqui para levar embora os males que assolam as nossas vidas. E reforçou, posicionando o lugar da espiritualidade indígena: “nós somos a cura da Terra”.
Audiência
Estiveram presentes e manifestaram saudações aos convidados e convidadas e à CESE, diversas organizações, agências de cooperação, movimentos sociais e ecumênicos e igrejas, como: Conselho Ecumênico Baiano de Igrejas Cristãs (CEBIC); Conselho Indigenista Missionário (CIMI) – Regionais Mato Grosso, Rondônia e Leste da Bahia; Prelazia de São Felix do Araguaia; Centro Ecumênico de Estudos Bíblicos (CEBI) – Regionais Mato Grosso do Sul, Paraná, Goiás, Maranhão, Mossoró-Rio Grande do Norte, Espírito Santo; Igreja Presbiteriana de Itapagipe (BA); Fundação Luterana de Diaconia/Conselho de Missão entre Povos Indígenas (FLD/COMIN); Processo de Articulação e Diálogo (PAD); Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (CONIC); Comunidades Eclesiais de Base (CEBs) – Fortaleza; Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (CESEEP); Federação Indígena das Nações Pataxó e Tupinambá da Bahia (FINPAT); Povo Tuxá; Aldeia Pataxó Coroa Vermelha; Centro de Agricultura Alternativa do Norte de Minas (CAA-NM); Articulação Antinuclear Brasileira; Grupo de Pesquisa em Educação Intercultural da Universidade La Salle/Canoas; Terres des Hommes Suisse; diretoria da CESE e companheiras e companheiros de países da América Latina e Europa (Colômbia e Alemanha).
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