Celebração aos 10 anos do busto de Mãe Gilda de Ogum marca atualidade da luta contra a intolerância religiosa

“Esta celebração não é apenas uma homenagem; é um ato de resistência, um símbolo da preservação de nossa história, nossa cultura e nossa fé”. É com essas palavras que Danielle Felício, presidenta do Coletivo Iya Akobiodè, sintetiza o evento que marca os 10 anos do busto de Mãe Gilda de Ogum em Salvador.

Localizado no Parque Metropolitano do Abaeté, no bairro de Itapuã, o monumento resgata a memória de Mãe Gilda, Yalorixá que se tornou símbolo da luta contra intolerância religiosa e uma referência para as religiões de matriz africana após seu terreiro, o Axé Abassá de Ogum, ter sido invadido e depredado.

Em reconhecimento a essa trajetória, o dia da sua morte, 21 de janeiro, foi sancionado como o Dia Nacional de Combate à Intolerância Religiosa, e, em novembro de 2014, após um longa mobilização social, religiosa e política, o busto de Mãe Gilda foi inaugurado.

“Ter um busto de Mãe Gilda neste espaço é reafirmar a luta por respeito, liberdade religiosa e valorização das religiões de matriz africana. Garantir sua preservação é, acima de tudo, manter viva a força e o legado de Mãe Gilda, que continua inspirando gerações”, ressalta Danielle.

O ato

O evento, realizado no dia 30 de novembro e apoiado pela CESE, contou com a presença de diversas lideranças políticas, religiosas, sociais, além das comunidades de religiões de matriz africana. Na atividade, também foi realizada a inauguração das obras de requalificação e acessibilidade no entorno do busto, que ganhou rampa de acesso, piso tátil, placa em braile e audiodescrição para pessoas com deficiência. Além disso, foram distribuídas cartilhas educativas que, segundo Danielle, contam a história de Mãe Gilda para além do crime do qual foi vítima.

“Sobre a morte de Mãe Gilda de Ogum existem muitas notícias, reportagens, menções, homenagens, leis e até mesmo monumentos. A cartilha em questão é uma iniciativa que tem como objetivo colaborar para a construção da memória de Mãe Gilda como uma pessoa e uma Yalorixá que agiu, construiu e lutou em vida e merece ser lembradas como tal, como agente de sua vida e não apenas como vítima do racismo e intolerância religiosa”, explica.

Uma luta que persiste

A celebração em homenagem à memória de Mãe Gilda de Ogum também evidencia que a luta contra a intolerância religiosa segue atual. Danielle lembra, por exemplo, que nas duas semanas que antecederam o aniversário do monumento, três ataques de fundamentalistas religiosos vieram à público na região metropolitana de Salvador. Para o enfrentamento desse problema, a presidenta defende não apenas a formulação de políticas públicas, mas também medidas de segurança e reparação para as lideranças religiosas que sofrem violências e ameaças.

“Estes episódios são reflexos de uma escalada de violência que não pode ser ignorada ou minimizada. Para além da necessidade do da implementação de políticas públicas que assegurem o direito constitucional à liberdade de culto, protegendo os povos de terreiro e seus espaços sagrados, destacamos a urgente necessidade do desenvolvimento e implementação de medidas efetivas de segurança, bem estar, acompanhamento e reparação para lideranças religiosas que são recorrentemente violentadas e ameaçadas por suas atuações políticas e religiosas em defesa de sua religião e suas comunidades”, aponta.

Além disso, ela ressalta a necessidade de iniciativas de formação que busquem conscientizar a sociedade sobre o combate à intolerância e promover o respeito à diversidade cultural e de credos. 

“É de fundamental importância a criação de campanhas educativas e de conscientização para combater a intolerância religiosa, promovendo o respeito à diversidade de crenças e culturas, assim como a garantia de recursos para a preservação e manutenção de terreiros e patrimônios culturais de matriz africana, fortalecendo iniciativas comunitárias e de resistência”.

 Legado de Mãe Gilda

A presença do busto de Mãe Gilda de Ogum no Parque também gerou impactos na relação da comunidade com o local. Desde sua instalação, o monumento se tornou um espaço de referência e ponto de encontro para reivindicações sociais, culturais e ecológicas na região da Lagoa do Abaeté e Parque das Dunas, tradicionalmente ocupados por populações negras e afrorreligiosas. Danielle ressalta que manter o legado da Yalorixá é também defender estes territórios e a natureza, que estão diretamente ligados à espiritualidade e modo de vida dos povos de terreiro.

“O axé de Mãe Gilda segue vivo, inspirando a luta por igualdade e o fortalecimento das nossas comunidades. Para manter seu legado vivo é importante não perdermos de vista que a defesa dos direitos do povo de candomblé é também a defesa dos territórios e de forma mais ampla da própria natureza, trata-se de uma religião e forma de vida completamente ligada ao lugar e comunidade que ali habitam”, finaliza.

Créditos das fotos:

1 – Reprodução – Facebook Axé Abassá de Ogum

2 e 3 – Mateus Fernando