A luta pelos direitos territoriais no Brasil tem sido uma questão central para os indígenas, comunidades quilombolas e outros povos tradicionais. À medida que o país enfrenta desafios ambientais e sociais significativos, a democratização do acesso à terra, a demarcação de territórios e a garantia dos direitos culturais e territoriais desses grupos emergem como estratégias cruciais para a justiça social e o enfrentamento da crise climática.
Neste artigo, vamos explorar a complexidade dessas questões: desde a definição e importância dos direitos territoriais, até os impactos ambientais positivos resultantes da proteção dessas comunidades. Vem com a gente e descubra um pouco mais sobre o que são direitos territoriais.
O que é o Direito ao Território?
O direito ao território refere-se ao reconhecimento e proteção das áreas onde grupos específicos, como comunidades indígenas e quilombolas, desenvolvem suas vidas, culturas e atividades econômicas.
Este direito é garantido por instrumentos nacionais e internacionais, como a Constituição Federal de 1988 e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
O direito ao território é essencial para a preservação da identidade cultural, autonomia e soberania das comunidades tradicionais, além de ser uma ferramenta vital na luta contra a marginalização e a pobreza.
Direito territorial e democratização do acesso à terra
A democratização do acesso à terra é um processo fundamental para a promoção da justiça social e a redução das desigualdades no Brasil. Historicamente, a concentração fundiária no país tem suas raízes na colonização, com a distribuição desigual de terras que favoreceu grandes proprietários em detrimento de indígenas, quilombolas e pequenos agricultores.
Democratizar o acesso à terra significa implementar políticas de reforma agrária que assegurem a distribuição justa e equitativa das terras, garantindo a segurança alimentar, a soberania e o desenvolvimento rural. Este processo envolve não apenas a distribuição de terras, mas também a garantia de políticas públicas como saúde, educação, acesso à água, etc. aos assentados para que possam viver de forma autônoma e produtiva, mantendo suas tradições e culturas.
Como indígenas e quilombolas estão inseridos nesse direito?
Os direitos dos indígenas e quilombolas abrangem a posse e o usufruto de suas terras tradicionais, o reconhecimento de suas culturas e modos de vida e a garantia de acesso a serviços públicos essenciais como saúde, educação e segurança. Para os quilombolas, a Constituição de 1988 e o Decreto 4887/2003 são fundamentais, pois asseguram o direito à titulação de suas terras. Para os indígenas, além dos direitos territoriais, é garantido o respeito às suas tradições e a possibilidade de participação em decisões que afetam suas vidas, conforme estabelece a Convenção 169 da OIT.
Direitos de comunidades quilombolas
As comunidades quilombolas, descendentes de africanos escravizados que formaram comunidades autônomas, têm direitos específicos garantidos pela Constituição e por legislações complementares. Esses direitos incluem a titulação coletiva das terras que ocupam tradicionalmente, reconhecendo sua importância histórica e cultural.
Além da posse da terra, as comunidades quilombolas têm o direito de preservar e desenvolver suas culturas, línguas e modos de vida, assim como acessar políticas públicas que promovam seu desenvolvimento sustentável e a inclusão social.
Quais são os direitos territoriais indígenas?
Como já dissemos, os direitos territoriais indígenas no Brasil são garantidos pela Constituição, que reconhece a posse permanente e o uso exclusivo das terras que tradicionalmente ocupam. Esses direitos incluem a demarcação, proteção e uso sustentável dos territórios indígenas.
As terras indígenas são protegidas contra invasões, exploração de recursos naturais por terceiros e quaisquer atividades que possam prejudicar o meio ambiente e o modo de vida das comunidades. A legislação prevê que qualquer atividade econômica em terras indígenas deve ser realizada com o consentimento prévio e informado das comunidades afetadas.
Demarcação de terras indígenas
A demarcação de terras indígenas é um processo essencial para a garantia dos direitos territoriais dos povos indígenas. Esse processo envolve identificar e legalmente reconhecer as áreas tradicionalmente ocupadas por essas comunidades.
No Brasil, a FUNAI (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) é responsável por coordenar esse processo, que inclui identificação, delimitação, demarcação, homologação pelo presidente da República e registro das terras. A demarcação é crucial para proteger os territórios indígenas contra invasões e assegurar que as comunidades possam manter suas formas de vida tradicionais.
Conflitos e invasões territoriais
Os conflitos e invasões territoriais são recorrentes e afetam os direitos das comunidades tradicionais no Brasil. Invasões por grileiros, garimpeiros, madeireiros ilegais e outros atores têm provocado violência, destruição ambiental e deslocamento forçado de comunidades indígenas e quilombolas. Esses conflitos muitas vezes resultam em violações graves dos direitos humanos e ambientais. A falta de uma resposta efetiva por parte do Estado e a impunidade para os invasores agravam a situação, exigindo ações urgentes de proteção e fiscalização para garantir a segurança e os direitos das comunidades afetadas.
Mais adiante, aprofundaremos esse tópico.
Impacto ambiental e preservação
Os territórios indígenas e quilombolas desempenham papel crucial na conservação ambiental e na sustentabilidade. Essas áreas são frequentemente consideradas reservas de biodiversidade e estão na linha de frente do combate ao desmatamento e à degradação.
As práticas tradicionais de manejo sustentável dos recursos naturais dessas comunidades contribuem para a preservação dos ecossistemas. Proteger os direitos territoriais dessas comunidades não só garante sua sobrevivência cultural, mas, também, beneficia a sociedade como um todo ao promover a conservação ambiental e a mitigação das mudanças climáticas.
Povos tradicionais ajudam a conter desmatamento
Estudos mostram que as áreas protegidas e geridas por essas comunidades têm taxas de desmatamento significativamente menores do que outras áreas. Isso é resultado da gestão ambiental dos recursos naturais por essas comunidades. É por isso que fortalecer os direitos territoriais e apoiar as práticas de manejo sustentável dessas comunidades é uma estratégia eficaz para preservar os ecossistemas e promover o enfrentamento à crise climática.
Luta por terra: as vítimas sempre são indígenas e quilombolas
A luta por terra no Brasil é marcada por intensos conflitos, frequentemente envolvendo violência contra povos indígenas, comunidades quilombolas e seus defensores. Apesar desses grupos tradicionais terem seus direitos territoriais garantidos pela Constituição, a realidade no campo é brutalmente diferente, com fazendeiros e pecuaristas frequentemente utilizando de violência para expulsar essas populações de suas terras ancestrais.
Conflitos e violência
Os conflitos pela posse e uso da terra são recorrentes, especialmente em regiões onde a expansão agropecuária é intensa. Pecuaristas e outros grandes proprietários rurais frequentemente recorrem a milícias armadas e jagunços para intimidar, ameaçar e até assassinar líderes indígenas, quilombolas e ambientalistas que lutam pela demarcação e proteção de territórios. Dados da Comissão Pastoral da Terra (CPT) revelam que, ano após ano, dessas vítimas, a maior parte é composta por assentados ou populações tradicionais.
Impacto nas comunidades
A violência e a intimidação têm efeitos devastadores nas comunidades afetadas. Além das perdas de vidas, há a destruição de culturas e modos de vida tradicionais. A expulsão de seus territórios impede que esses grupos continuem suas práticas culturais e de subsistência, levando ao empobrecimento e à marginalização social. Além disso, o trauma psicológico de viver sob constante ameaça de violência não pode ser subestimado.
Ações de resistência
Apesar da violência, as comunidades indígenas e quilombolas continuam a resistir. Organizações como a Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB), a Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (COIAB) e a Coordenação Nacional de Articulação das Comunidades Negras Rurais Quilombolas (CONAQ) desempenham papéis essenciais na defesa dos direitos desses povos.
Elas organizam mobilizações, pressionam o governo e a sociedade civil e buscam apoio internacional para garantir a proteção de seus direitos territoriais.
O papel do Estado
O papel do Estado brasileiro na proteção dessas comunidades é crucial, mas muitas vezes ineficiente. A demora na demarcação de terras indígenas e titulação das comunidades quilombolas, a falta de fiscalização e a impunidade para os crimes cometidos contra essas populações agravam a situação. Mesmo com legislações que garantem seus direitos, a implementação efetiva dessas leis é falha.
Um problema que temos desde 1500
A história do Brasil é marcada por um contínuo processo de violência e massacres contra populações indígenas e quilombolas, desde o período colonial até os dias atuais.
Esta violência não apenas visava a apropriação de suas terras, mas também procurava destruir suas culturas e modos de vida. Segundo os relatos das populações tradicionais, a exploração das terras, das águas e dos territórios se intensificou a partir da década de 1970, com o início da invasão dos territórios das comunidades tradicionais para a expansão agropecuária, e posteriormente, para o agronegócio. E todo esse processo foi “na base da bala e da expulsão”.
Aqui, destacamos alguns dos eventos mais significativos desse trágico histórico.
Período colonial
Massacres coloniais: desde a chegada dos colonizadores portugueses, em 1500, os povos indígenas enfrentam violência extrema. Expedições como as Bandeiras, iniciadas no século XVII, foram responsáveis por capturar e escravizar milhares de indígenas, além de massacrar aqueles que resistiam. Estima-se que, entre 1550 e 1650, cerca de 500 mil indígenas foram mortos devido a conflitos e doenças trazidas pelos europeus.
Guerra dos Bárbaros (1683-1713): também conhecida como Confederação dos Cariris, esta série de conflitos no Nordeste brasileiro envolveu diversos povos indígenas que resistiram à colonização. Os combates resultaram em inúmeras mortes e na subjugação de muitas tribos.
Brasil Império e República Velha
Massacre de Canudos (1896-1897): embora não exclusivamente um conflito indígena, Canudos envolveu a participação de sertanejos, muitos deles descendentes de quilombolas, que resistiram ao governo republicano. A destruição da comunidade de Canudos resultou na morte de cerca de 25 mil pessoas.
Quilombos e a resistência quilombola: desde o período colonial até o final do século XIX, quilombos como o de Palmares foram focos de resistência contra a escravidão e opressão. Em 1694, o Quilombo dos Palmares foi destruído, resultando na morte de milhares de quilombolas e na captura de muitos outros.
Séculos XX e XXI
Massacre do Paralelo 11 (1963): durante a Ditadura Militar, a construção da rodovia BR-174 no Mato Grosso levou ao massacre de indígenas Cintas-Largas, que resistiam ao avanço da fronteira agrícola.
Massacre de Haximu (1993): conhecido como o primeiro genocídio reconhecido oficialmente no Brasil, o massacre de Haximu envolveu a morte de cerca de 16 Yanomamis, incluindo mulheres e crianças, por garimpeiros ilegais na fronteira com a Venezuela.
Massacre de Pau D’Arco (2017): em um confronto envolvendo a disputa por terras no Pará, dez trabalhadores rurais, incluindo quilombolas, foram mortos pela polícia em um episódio que chocou o país e evidenciou a contínua violência no campo.
Desafios atuais
A violência contra indígenas e quilombolas persiste no Brasil contemporâneo, impulsionada por conflitos territoriais, expansão agrícola e mineração ilegal. Cabe-nos as perguntas: até quando essa realidade continuará? Até quando o Estado seguirá ineficiente neste assunto?
Conclusão
A história dos direitos territoriais no Brasil é marcada por uma luta incessante e heroica dos povos indígenas e quilombolas para preservar suas terras e culturas.
Desde os tempos coloniais até os dias atuais, essas comunidades enfrentam desafios extremos, incluindo massacres históricos, com grandes interesses econômicos.
No entanto, a resistência e a resiliência dessas populações continuam a inspirar movimentos de justiça social e ambiental em todo o país. Reconhecer e proteger os direitos territoriais desses povos não é apenas uma questão de justiça histórica, mas também um passo importante para a promoção de uma sociedade mais equitativa e sustentável. Uma sociedade onde a diversidade cultural e a preservação ambiental são valorizadas e respeitadas.
A luta pelos direitos territoriais, portanto, é uma luta por um futuro onde todos os brasileiros e brasileiras com dignidade e respeito.