A CESE realizou mais uma edição do Tapiri, iniciativa voltada para o enfrentamento ao racismo religioso e suas consequências para as comunidades da Amazônia Brasileira, com foco nos nove estados da região.
O encontro, que aconteceu em Roraima entre os dias 4 e 5 de novembro, reuniu 44 participantes de diversas organizações, incluindo povos indígenas, quilombolas, comunidades de terreiro, juventudes, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+ e outros grupos. O objetivo do Tapiri é fortalecer as relações ecumênicas e inter-religiosas como estratégia de enfrentamento ao racismo religioso, que tem impactado diretamente a vida e a luta por direitos desses povos e comunidades.
O racismo religioso, um problema crescente, tem gerado consequências graves para os direitos de muitas comunidades, especialmente aquelas de povos tradicionais e minorias religiosas. Em várias localidades, as crenças de matrizes africanas, indígenas e outras vertentes religiosas são alvo de perseguições, intolerância e violência, afetando diretamente a convivência social e o exercício da liberdade religiosa.
Tapiri Ecumênico e Inter-religioso
O primeiro dia de atividade iniciou com apresentação dos participantes que levaram suas bandeiras de luta. A programação seguiu com a primeira mesa de diálogo, cujo tema foi: “Diálogo Ecumênico e Inter-religioso”. Após a mesa, os participantes puderam compartilhar suas vivências, refletir sobre como manter a resistência ativa e discutir formas onde políticas públicas atendam de fato aos povos diversos, ouvindo suas demandas.
Jessica Greyciane, da Rede Amazonizar, participou dessa reflexão e compartilhou sua experiência enquanto jovem, destacando a importância de promover o respeito mútuo entre as diferentes tradições religiosas. Ela afirma: “Vejo a importância desses diálogos entre as organizações. A diversidade de povos indígenas, quilombolas e de terreiro é enorme, e reforço a necessidade de respeito entre todos.”
No segundo dia do TAPIRI pela manhã, o tema da mesa abordou como os fundamentalismos religiosos têm afetado a luta por direitos da juventude e da comunidade LGBTQIAPN+.
Leirejane Nagelo, do Conselho Indígena de Roraima (CIR), compartilhou sua experiência sobre a realidade enfrentada pelas comunidades indígenas no que diz respeito à pauta LGBTQIAPN+. Ela afirmou: “Quando se trata dessa questão nas comunidades indígenas, ainda é algo constrangedor, até desafiador. É fundamental que hoje existam lideranças dispostas a participar dessas discussões. Muitas vezes, colocamos máscaras e ignoramos essas questões, mas a exclusão só aumenta casos de depressão e suicídio, tanto dentro quanto fora dos territórios indígenas.”
Para essa comunidade, o impacto dos fundamentalismos é ainda mais agudo. Muitas religiões, por vezes alinhadas a um pensamento ultraconservador, condenam a homossexualidade e outras diversas identidades de gênero, gerando a discriminação, violência e até mesmo atos de ódio.
No decorrer dos dois dias de Tapiri, foram debatidos temas como os impactos dos fundamentalismos políticos e religiosos sobre diferentes grupos. Entre os tópicos abordados, destacaram-se: os efeitos desses fundamentalismos na vida dos povos indígenas, quilombolas e assentados; o impacto sobre a luta por direitos da juventude e da comunidade LGBTQIAPN+; e as consequências para mulheres indígenas, religiões de matriz africana e comunidades tradicionais. As discussões destacaram a urgência de combater a intolerância e promover a inclusão, garantindo os direitos de todos.
Durante a mesa de diálogo sobre como os fundamentalismos políticos e religiosos afetam a vida dos povos indígenas, quilombolas e assentados, a Maria Gerlândia da Silva, do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), ressaltou a importância de um olhar mais sensível e crítico sobre as narrativas que dominam os grandes debates políticos e sociais no Brasil. Ela enfatizou que a luta por direitos não deve ser fragmentada, mas sim unificada e fortalecida.
“É de suma importância a realização do Tapiri Ecumênico Inter-religioso, pois ele reúne organizações do campo e da cidade, além de envolver homens, mulheres, pessoas LGBTQIAPN+ e outros grupos”, afirmou Maria Gerlândia. “É fundamental que compartilhemos experiências e visitemos as comunidades, pois assim podemos conhecer de perto a realidade de cada um e fortalecer nossas ações coletivas.”
Um outro momento de reflexões profundas, foi durante a roda sobre como os fundamentalismos políticos e religiosos afetam a vida de mulheres indígenas, religiões de matriz africana, povos e comunidades tradicionais. Que teve como ponto marcante a fala de que a religião, em muitas situações, tem sido usada para distorcer e deslegitimar as tradições e práticas culturais de povos indígenas. O uso de frases como “isso não faz parte da nossa religião” foi citado como uma tentativa de apagar a identidade cultural e religiosa desses povos, prejudicando práticas como danças, pinturas e rituais.
Construindo Espaços de Respeito e Diversidade
Há um número crescente de movimentos e organizações dedicados à promoção da inclusão e ao respeito à diversidade. Esses grupos têm trabalhado ativamente para criar espaços seguros e acolhedores, onde todas as identidades são respeitadas e celebradas, independente de sua origem ou crença.
Sebastião Diniz Neto, da Associação Roraimense pela Diversidade Sexual – Grupo Diversidade, destacou a trajetória de 22 anos de luta da organização, que tem como principal pauta a defesa dos direitos da população LGBTQIAPN+. Ele ressaltou a falta de políticas públicas adequadas nas áreas de saúde, educação, segurança pública e moradia, que impactam diretamente essa comunidade.
“Nosso trabalho visa fomentar políticas públicas que contribuam para a construção de uma sociedade mais justa, igualitária e plural, onde todas as pessoas, independentemente de sua raça, cor, etnia, sexo ou religião, sejam respeitadas e tenham seus direitos garantidos”, afirmou Diniz.
Sebastião Diniz Neto
Por tanto, os participantes ressaltaram a importância de se construir espaços de diálogo respeitosos e inclusivos, onde a pluralidade de vozes possa ecoar, fortalecendo a luta por um mundo onde todas as culturas possam coexistir em harmonia.
Troca de Saberes: Visita a Comunidade Indígena Morcego
No dia 04, pela tarde, aconteceu uma visita à Comunidade Indígena Morcego, na Serra da Moça, situada próximo a capital Boa Vista, com o objetivo de entender mais de perto a realidade vivida na região de Murupu.
Os moradores veem enfrentando diversas ameaças, como a invasão de fazendeiros, a falta de água e o cercamento de suas terras por plantações de soja. A liderança Alessandro, coordenador da Região Murupu, destacou: “Sofremos várias violências e ameaças. Inclusive isso acontece principalmente quando se trata da demarcação de terras. Apesar de tudo, seguimos firmes para garantir um futuro para essas crianças que estão aqui.”
Esses intercâmbios são momentos valiosos para compreender as diversas realidades e fortalecer laços de respeito e aprendizado.
Tapiri rumo à COP30
Além de Roraima, a iniciativa já percorreu os estados do Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amapá. O Tapiri contribui para a criação de um espaço de diálogo e apoio, enfatizando a importância da diversidade e do respeito mútuo em uma região rica em culturas e tradições. Essa é uma iniciativa promovida pela CESE, com o apoio da Fundação Ford, que visa investigar os impactos dos fundamentalismos e racismos religiosos na vida dos povos e comunidades tradicionais da Amazônia brasileira.
Segundo Bianca Daébs, assessora de projetos, formação e diálogo inter-religioso da CESE, até 2025 o Tapiri já terá percorrido os 9 estados da Amazônia Legal. ‘’Essa caminhada nos levará ao grande Tapiri Ecumênico e Inter-religioso em Belém do Pará, no contexto da COP 30, onde apresentaremos um documento com mapeamento de todas as ações dos fundamentalismos religiosos na Amazônia Legal.’’