“Nesse exato momento nossas lideranças estão sendo perseguidas por causa do fundamentalismo religioso que é legitimado por alguns órgãos do poder público. Esse curso para o movimento popular é de extrema importância, pois ele nos dá argumentos para irmos para a luta, mas conhecendo os nossos direitos.” É com esse clima e intenção da liderança Ceiça Axé, da Rede de Mulheres de Terreiro de Pernambuco, que a CESE realizou, entre os dias 16 e 20 de setembro, o Curso de incidência Política em Salvador (BA).
Ceiça explica que essas violências não são novas, mas que vem crescendo assustadoramente em nosso país, por que é um novo projeto de poder com bases racistas e machistas. “São as mulheres negras, as mulheres indígenas as mais atingidas pelo fundamentalismo religioso. A África é o berço da humanidade e o Nordeste é a região mais negroide desse país, mesmo assim é onde mais se sofre essas violências.”, pontua.
Incidência Política tem sido uma área prioritária no diálogo e articulação da CESE com os movimentos de mulheres, sobretudo no cenário de violências imbricadas com as desigualdades estruturais históricas do nosso país.
“Quando tratamos sobre a liberdade religiosa, laicidade do Estado e qualquer pauta relacionada a direitos, sabemos que grupos de mulheres estão fora dos espaços de discussão e acesso à recursos. Mulheres de setores populares são silenciadas nos ambientes de construção política e por essa razão demandam de mais apoio para que possam ter melhores ferramentas para luta.”, explica Sônia Mota, diretora executiva da CESE, sobre a intencionalidade da organização em promover um curso para movimentos de mulheres de Nordeste.
Para Bárbara Aguiar, integrante do Vozes Marias, a formação traz um grande diferencial na atuação do coletivo no que se refere também aos direitos das mulheres evangélicas: “A gente reconhece e reafirma a oportunidade de capacitação, de aprofundamento em todos os nossos campos para incidir politicamente diante de contexto em que o fundamentalismo religioso e o conservadorismo vêm crescendo e afetando diretamente a vida de todas as mulheres.”, afirma Bárbara
Para a cristã e feminista, os ambientes evangélicos também estão sujeitos à ocorrência e perpetuação de violências de gênero. E participação do Vozes Maria na formação contribui para o fortalecimento da luta: “Vai fazer um grande diferencial na nossa atuação pelos direitos das mulheres evangélicas, para que possamos ter espaços religiosos seguros, para que a gente possa exercer a nossa fé e a nossa espiritualidade.”, declara.
Diversidade lutas
A formação faz parte do Programa Doar para Transformar e contou com a participação da chamada Comunidade Prática – grupo com representações de movimentos de mulheres da região Nordeste – composto por mulheres com deficiência, negras, ativistas, trabalhadoras domésticas, indígenas, camponesas, pescadoras, jovens, comunicadoras, evangélicas, de terreiro, LGBTQIA+, feministas cristãs e profissionais do sexo.
Para a realização da atividade, a CESE contou com a parceria da AATR – Associação de Advogados/as de Trabalhadores/as Rurais no campo dos marcos legais e envolveu a metodologia do Programa Virando o Jogo, que tem como objetivo fortalecer organizações nas áreas de mobilização de recursos locais e incidência política.
A pluralidade entre os movimentos presentes e a diversidade religiosa foram pontos de atenção do curso. Foram tratadas diversas temáticas de lutas dos coletivos passando pelas pautas transversais contra o racismo e machismo, direitos das mulheres, demarcação de terras indígenas, defesa do território pesqueiro, liberdade religiosa, luta por moradia, permanência no território, entre outras.
Glaubiana Alves, indígena do Povo Jenipapo Kanindé e integrante da Articulação das Mulheres Indígenas no Ceará (AMICE), reflete que conhecer outras ativistas e suas lutas soma forças para as mulheres indígenas: “Foi uma experiência incrível dialogar com mulheres diversas. É um processo importante de união de pautas de todas nós que ajuda a aprimorar conhecimentos e fortalecer a lutas das mulheres indígenas do Ceará.”, afirma.
Em concordância com diversidade e a pluralidade das próprias integrantes, Maria Rocha, da Coletiva Cabras, narra a importância de entender como as companheiras atuam em outros territórios: “Essa escuta e essa troca ajudam na defesa dos direitos das mulheres como um todo. É uma reflexão que vai servir para que a gente volte para nossa comunidade, enquanto agente multiplicadoras, e planeje melhor nossas ações para tornar nossa incidência mais efetiva.”, e completa: “Além disso, é uma oportunidade de criar essa rede de apoio para fortalecer a diferentes lutas.” conclui.
O curso de Incidência Política
O curso abordou ferramentas e conteúdos voltados ao fortalecimento de estratégias de incidência e mobilização sobre o Estado e também sobre a sociedade, incluindo ações de intervenção em políticas públicas, campanhas sobre causas sociais, entre outros. O objetivo da iniciativa é convencer ou pressionar autoridades públicas e outros tomadores de decisão para atendimento às demandas para garantia de direitos.
Lúcia Azevedo, da Rede de Mulheres Negras do Nordeste, descreveu como o curso colabora com as pautas e agendas políticas anuais, com a qualificação das estratégias e avaliação da trajetória da rede nas mobilizações sociais: “Vamos aprimorar o Março de Lutas, Julho das Pretas, Jornada pela Vida das Mulheres Negras e tantas outras pautas. Vamos articular novas formas de incidir nos governos, nas instituições e no Estado brasileiro com relação ao racismo, ao fundamentalismo, ao feminicídio com as mulheres negras, a reparação histórica e ao Bem Viver.”
Para ela, alguns conteúdos foram marcantes para pensar a prática e refletir sobre ela. “O curso auxilia em repensar o nosso fazer e os passos que damos. Conseguimos analisar os atores e as atrizes sociais a partir de quem são nossos aliados e quem são os principais nossos adversários. Refletimos sobre as instituições e pessoas que lidamos no dia a dia das nossas lutas, e o grau de influência para retroceder ou avançar nos direitos das mulheres negras.”, pontua.
Para Maria Rocha, as ferramentas oferecidas pelo curso são fundamentais para uma melhor compreensão do problema, identificação de soluções e estratégias de ação. “Consegui identificar as raízes do nosso principal problema, quais são os enfrentamentos dentro do nosso território, qual é a maior solução, e onde queremos chegar”, afirma.
Bárbara Aguiar avalia que após a formação, Vozes Maria, poderá atuar de forma organizada e estratégica nos órgãos competentes, requerendo, cobrando e monitorando as reivindicações do grupo: “Passamos a entender de forma mais efetiva como acontece e como se materializa na sociedade os três poderes, o Executivo, o Legislativo e Judiciário. O curso elucida os instrumentais que vão servir de ferramenta para que a gente consiga propor, sugerir e acompanhar políticas públicas que nos representa.”. E descreve o reconhecimento da atividade como “uma grande oportunidade pela vida de todas as mulheres.”.
Já Ceiça Axé diz que além de se apropriar das ferramentas, ela volta para seu território animada para resgatar a luta: “O curso foi motivador para acionamento dos nossos direitos e busca por justiça. Volto para minha base com mais coragem para continuar atuando contra os fundamentalismos. Porque o Brasil é um país laico e todas as pessoas têm direito de exercer a religião que se identifica.”
Próximos passos
O curso presencial terá continuidade com a elaboração pelas organizações de seu próprio Plano de Incidência Política, atividade que contará com encontros virtuais de orientação, e será encerrado em uma segunda etapa virtual que ocorrerá no final de outubro. As organizações participantes também poderão apresentar propostas em uma chamada de pequenos projetos que irá apoiar o fortalecimento de até 10 organizações de mulheres do Nordeste nas áreas de Incidência Política e Comunicação.